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Lula adotou discurso privatista em troca de verbas para campanha, diz Odebrecht

Janaina Garcia e Marcelo Freire

Do UOL, em São Paulo

13/04/2017 17h26Atualizada em 14/04/2017 00h39

A substituição de um discurso estatizante por um discurso privatista, na área petroquímica, foi uma das principais condições colocadas pela empreiteira Odebrecht ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para que a empresa bancasse as campanhas do PT (Partido dos Trabalhadores) –com caixa dois, não oficial, ou com verba declarada à Justiça– mesmo antes de o líder sindical se eleger presidente, em 2002.

A informação é do ex-presidente da empresa, Emílio Odebrecht, e do ex-diretor de relações institucionais e ex-vice-presidente da Braskem, Alexandrino Alencar. Eles integram o grupo de 77 delatores do esquema investigado pela Operação Lava Jato cujos depoimentos tiveram o sigilo levantado nessa quarta-feira (12) pelo relator da Operação Lava Jato no STF (Supremo Tribunal Federal), ministro Edson Fachin.

Emilio Odebrecht revelou na delação que foi apresentado a um Lula ainda líder sindical, em 1979, por Mário Covas –que, cerca de uma década depois, seria um dos fundadores do PSDB. O empresário afirmou ter tido empatia imediata com Lula e, a partir daí, ambos começaram uma relação próxima, com a Odebrecht apoiando Lula em todas suas candidaturas à Presidência.

Segundo o executivo, Lula, pouco antes de sua vitória nas eleições presidenciais, em 2002, se comprometeu a não estatizar o setor petroquímico, o que atrapalharia os negócios da Braskem – braço petroquímico da Odebrecht e, segundo o depoimento do ex-diretor de relações institucionais, “a joia da coroa” da empreiteira, responsável por praticamente 50% do faturamento do grupo.

"Você me conhece, eu não sou de estatizar", teria dito Lula, segundo Emilio. Meses depois, já no início do governo Lula, o delator disse ter pedido interferência direta do petista na Petrobras uma vez que diretores da empresa --inclusive o ex-senador petista José Eduardo Dutra, então presidente da Petrobras-- e integrantes do PT estavam "boicotando esse compromisso". "Eu disse: 'chefe, sua estrutura não pensa assim'. Ele [Lula] disse: 'quem manda sou eu'. Confiei", relata Emilio.

Conforme o ex-presidente da empresa, o assunto foi resolvido em uma reunião no Palácio do Planalto em junho de 2003 com a presença de Lula, Dutra e os ministros Antônio Palocci (Fazenda) e Dilma Rousseff (Minas e Energia), além de Pedro Novis e o próprio Emilio. Na reunião, Lula teria reafirmado sua posição de não reestatizar o setor petroquímico. "O presidente disse que a decisão era esta e encarregou a Dilma ou o Palocci para que fizessem com que a Petrobras realmente procedesse dessa forma. Foi um 'freio de arrumação'", disse.

Segundo Emilio, ele fez mais dois pedidos diretos a Lula com reclamações da Braskem sobre tentativas da Petrobras de adquirir as petroquímicas Ipiranga, em 2005, e Suzano, em 2007. De acordo com ele, Lula cedeu aos pedidos da Braskem e desfez os negócios. "Toda vez que tinha um negócio desse eu procurava o presidente, pelo compromisso que ele tinha feito comigo lá atrás. Diretamente [com Lula], quando as coisas não eram resolvidas embaixo."

Sobre a aquisição frustrada da Petrobras sobre a Suzano, ele afirmou que Lula lhe garantiu que o negócio seria desfeito. "Moral da história: a Petrobras foi obrigada a vender essa parte para a Unipar e saiu do circuito. Isso aconteceu por conta do posicionamento da Odebrecht de não permitir que a Petrobras pudesse reestatizar [o setor]. Foi a forma que eles [governo] encontraram."

Braskem era a "joia da coroa do grupo Odebrecht", diz ex-diretor

Também em depoimento, Alexandrino Alencar, que definiu a Braskem como “a joia da coroa do grupo” da Odebrecht, afirmou que desde os anos 1990 a empresa petroquímica enfrentava no mercado brasileiro “enorme resistência por parte das corporações, e da Petrobras, em particular”. Conforme Alencar, entre as barreiras para “fazer [o país] ver que ter uma empresa privatizada era questão positiva”, foi necessário um “enorme trabalho com formadores de opinião”. Entre esses alvos, por volta de 1992, disse, estavam “Lula e seu grupo de companheiros”.

O argumento, de acordo com o delator, era mostrar a essas lideranças que a consolidação de um mercado petroquímico privatizado no Brasil seria algo “extremamente bom e positivo caso eles fossem eleitos.”

Durante o depoimento, Alencar classificou como “obstáculos” aos interesses da expansão da Braskem, no mercado nacional, o monopólio da Petrobras na exploração da matéria-prima e o fato de a estatal ser sócia de outras concorrentes.

Para Braskem, Lula era candidato "extremamente forte" à Presidência

Indagado sobre que perspectiva os executivos tinham ao começar a procurar o então candidato do PT à Presidência, Alencar disse ter argumentado que a quebra do monopólio traria “dinâmica” ao mercado. Ainda sobre isso, relatou que os contatos “foram acelerados, mais amiúde”, em 2001 --às vésperas da eleição de 2002 --“com o próprio candidato”.

Questionado sobre como a Braskem/Odebrecht tratava o obstáculo representado pelo “conhecido desapego” de Lula à privatização e pela importância da Petrobras como empresa genuinamente nacional, Alencar citou uma série de encontros com os petistas, na pré-campanha, em oportunidades em que costumavam estar presentes, além do próprio Lula, Antonio Palocci (que posteriormente seria nomeado ministro da Fazenda de Lula), Alencar e Lula.

“Já havia percepção de que Lula era extremamente forte [na disputa à Presidência], e então foi colocado a ele como os setores empresariais viam seu trabalho e o que ele poderia fazer. Acho que ele saiu impactado ou sensibilizado com a nossa visão do setor petroquímico”, declarou.

Se houve alguma conversa sobre apoio à pré-campanha ou algum condicionamento? “Nesse jantar, não, que era um encontro mais aberto, mas em encontros menores, sim. Foi falado que íamos apostar na campanha de Lula, entendendo que Lula iria ter um posicionamento mais aberto no caso da indústria petroquímica”.

Ex-diretor e ex-presidente da estatal era "obstáculos" à privatização

Em encontros reservados, continuou o delator, aos quais ele, Lula, Emílio, Palocci e Pedro Novais se faziam presentes, o condicionamento era claro sobre o aporte financeiro nas campanhas do PT.

“’Nós vamos apoiá-lo’, dizíamos, ‘mas entenda que o setor petroquímico para nós é fundamental, e existem barreiras por parte da Petrobras’. Então, tentávamos convencê-los a superá-las”, afirmou. Do lado petista, avaliou, o recado foi compreendido. “Eles entenderam.”

Com a eleição de Lula, prosseguiu o delator, no início de 2003 houve nova reunião entre as partes, dessa vez, no Palácio do Alvorada, com “reclamações à postura do [então] diretor de abastecimento da Petrobras”, Rogério Manso, às tentativas da Braskem em firmar contratos mais longos, de dez anos, com o governo. Dutra, então presidente da estatal, estaria presente a essa reunião.

A tentativa de compra da Ipiranga, por parte da Petrobras, teria novamente colocado em xeque a ‘parceria’ entre o partido e a empreiteira (uma vez que isso reforçaria o viés estatizante da Petrobras), já abalada pelas “dificuldades de Manso”. “José Eduardo Dutra, extremamente corporativo, era mais um obstáculo” à Braskem.

" 'Vamos continuar no objetivo da privatização do setor’, disse então o presidente Lula, à mesa. Para um bom entendedor, né”, resumiu.

"Muito ágil e obstinado", Janene indicou novo diretor para "facilitar" pleitos da Braskem

Alencar explicou que, com a burocracia que emperrou contratos e com um “movimento paralelo de a Petrobras querer retomar (ou estatizar) o setor”, a Braskem/Odebrecht começou a “trabalhar via Legislativo” –no sentido de “criar lá um clima mais positivo para a continuidade da privatização”. A figura central nesse apoio, destacou o delator, foi o então presidente da comissão de Minas e Energia da Câmara, José Janene (PP), falecido em 2010.  Membro da base aliada de Lula, Janene teria ajudado o grupo empresarial a “criar um clima que ajudasse o Executivo a tomar decisões nesse sentido”.

“A relação com Janene era boa; acho que ele entendeu nosso pleito. Era muito ágil, muito rápido e muito obstinado e era uma liderança bastante interessante”, elencou o delator. Em meados de 2004, o parlamentar teria atuado na indicação de Paulo Roberto Costa para a substituição de Rogério Manso na Petrobras. Costa, na explicação de Janene, “seguiria as orientações dele, Janene, no sentido da facilitação –ele seria um canal entre a Braskem e a Petrobras na área de abastecimento”, relatou.

A respeito das doações da empresa ao PT, Alencar disse que, nos quatro anos em que ele tratou com o governo federal, “houve uma deferência especial a Lula” e, em 2006, “uma doação muito expressiva a Palocci, então candidato a deputado federal”. Palocci, apelidado pelos executivos de “Italiano”, recebeu US$ 650 mil –parte desse volume, disse, via caixa 2.

O ex-diretor classificou como “fundamentais” as ações de Lula para o “sucesso da Braskem” ao ponto de elas se tornar uma das principais petroquímicas do mundo.

Em uma reunião de Lula com o executivo, em uma viagem deles ao Panamá, o petista teria dito: “‘O Grupo Odebrecht tem que agradecer a formação da Braskem à minha determinação para isso’. Ele foi claro nisso: que ele ajudou o grupo na área petroquímica. Concordo totalmente –e vejo que ele [Lula] tem orgulho disso”, definiu.

Outro lado

Em nota divulgada nesta quarta-feira (12), o advogado do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Cristiano Zanin Martins, afirma que é “nítido que a Força Tarefa só obteve dos delatores acusações frívolas, pela ausência total de qualquer materialidade”. Martins prossegue dizendo que o que há no conteúdo das delações “são falas, suposições e ilações - e nenhuma prova” e que “as fantasiosas condutas a ele [Lula] atribuídas não configuram crime”.

A nota também volta a afirmar que o ex-presidente é "vítima" de "arbitrariedades" praticadas pela operação Lava Jato, com o objetivo de "destruir sua trajetória". "Lula já foi submetido à privação da liberdade sem previsão legal; buscas e apreensões; interceptações telefônicas de suas conversas privadas e divulgação do material obtido; e levantamento dos sigilos bancário e fiscal, dentre outras medidas invasivas."