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"Setor de propina" da Odebrecht considerava até "cachaça do fim de semana", diz delator

Janaina Garcia

Do UOL, em São Paulo

14/04/2017 18h32

Terças, quartas e quintas-feiras eram os dias “quentes” de pagamento no SOE (Setor de Operações Estruturadas), conhecido como “setor de propinas”, na Odebrecht, uma vez que as sextas e as segundas sofriam os efeitos da “cachaça” do fim de semana.

A informação é do ex-executivo Hilberto Mascarenhas, que se tornou chefe do departamento, no final de 2006, por ordem do ex-presidente do grupo, Marcelo Odebrecht. O depoimento de Mascarenhas foi um dos 77 acordos de delação que tiveram o sigilo levantado esta semana pelo relator dos processos da operação Lava Jato no STF (Supremo Tribunal Federal), ministro Edson Fachin.

“Tinha uma tentativa nossa, que funcionou muito bem em 80% dos casos, que era não pagar nada nem segunda, nem sexta-feira”, disse, em depoimento no Ministério Público Federal em Ribeirão Preto (interior paulista) em dezembro passado. Segundo Mascarenhas, a exigência nem era do setor, mas dos “operadores”, na empresa, que pagavam pela propina. (Veja o trecho em que Hilberto fala sobre a "cachaça" na altura de 28 minutos no vídeo acima)

Indagado pelos procuradores sobre “o sentido disso”, respondeu: “Controlar pessoas. Eles [os operadores] achavam que, na segunda, muita gente faltava porque tomava uma cachaça no fim de semana. E, na sexta, o cara já estava na cachaça e não ia trabalhar”, explicou, ressalvando que, “quando tinha uma coisa urgente”, intervinha para que o pagamento fosse feito.

No depoimento, Mascarenhas contou ter trabalho durante 40 anos na Odebrecht, de 1975 a 2015. No final de 2006, o então presidente do grupo, Marcelo Odebrecht, teria imposto a ele comandar o Setor de Operações Estruturadas –área que já existia na empresa, ainda informalmente, sob o comando de Antonio Ferreira da Silva Neto, afastado em razão de um AVC (acidente vascular cerebral).

De acordo com o delator, Marcelo teria dito a ele que precisava de alguém que “assumisse, arrumasse e preparasse [o setor] para o crescimento” das operações, até em função “do crescimento da empresa".

Em 2017, a SOE apareceria no organograma da Odebrecht com direito a um sistema próprio de acesso e de comunicação, repleto de senhas e restrito a um grupo de executivos.

Conforme o ex-executivo, ao ser convidado por Marcelo Odebrecht a “estruturar” e “organizar melhor” o setor, o tom teria sido o de imposição.

“Aceitei [chefiar o ‘setor de propinas’], não, foi imposto – na sala de Marcelo, no escritório do edifício Vila Lobos, em São Paulo. Se eu tinha receio de não aceitar esse convite? Tinha, mas sabia que mais cedo ou mais tarde ele iria assumir a holding”, afirmou. “Eu estava na holding, queria ter um trabalho –e ele precisava de mim para isso.”

“’Não era um convite, era uma intimação, eu disse a ele. Marcelo me perguntou qual a diferença, e eu disse: ‘Intimar sai muito mais caro’. Então, ele disse que eu não me preocupasse com isso –que isso era acerto meu e dele”, definiu.