Topo

Como marqueteiros se tornaram peças da engrenagem do caixa 2?

Duda Mendonça (à esq.), João Santana, Paulo Vasconcelos e Renato Pereira foram citados nas delações da Odebrecht -  Victor Moriyama/Folhapress Letícia Moreira/Folhapress Ernesto Rodrigues/Folhapress Paula Giolito/Folhapress
Duda Mendonça (à esq.), João Santana, Paulo Vasconcelos e Renato Pereira foram citados nas delações da Odebrecht Imagem: Victor Moriyama/Folhapress Letícia Moreira/Folhapress Ernesto Rodrigues/Folhapress Paula Giolito/Folhapress

Daniela Garcia

Do UOL, em São Paulo

24/04/2017 04h00

As delações dos 77 executivos da Odebrecht na Operação Lava Jato evidenciaram quando as funções dos marqueteiros vão além de coordenar a comunicação das campanhas políticas. 

Investigações em curso no STF (Supremo Tribunal Federal) e instâncias inferiores da Justiça apuram como os profissionais de marketing se tornaram peças na engrenagem do caixa 2. Não só como beneficiários dos recursos ocultos vindos da empreiteira, mas tendo as atribuições de negociar, operar e até lavar o dinheiro.

Os marqueteiros João Santana, Duda Mendonça, Paulo Vasconcelos e Renato Pereira são suspeitos de ganhar ao menos R$ 35 milhões que não foram contabilizados nas prestações de contas das campanhas, segundo dados disponibilizados pelo ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no Supremo.

João Santana e a campanha de Dilma

Ao considerar o caso de Santana e da mulher e sócia Mônica Moura, que tramita na 1ª instância, o valor sobe para R$ 50 milhões. Em depoimento a Sergio Moro na última terça-feira (18), o casal afirmou que a Odebrecht pagou, usando caixa 2, parte dos gastos da campanha presidencial de Dilma Rousseff (PT) em 2010. O valor seria de, no mínimo, R$ 15 milhões.

Após acordo de delação, ex-executivos da Odebrecht relataram à PGR (Procuradoria-Geral da República) como funcionava o pagamento “por fora” dos profissionais marketing. Segundo eles, políticos ou assessores de campanha faziam uma solicitação aos executivos do dinheiro a ser pago para os marqueteiros. Depois, a relação passava a ser direta sem a intermediação dos partidos ou candidatos.

Duda Mendonça e a campanha de Sandoval Cardoso e Paulo Skaf

Mario da Silveira, ex-executivo em Tocantins, disse, por exemplo, que viajou várias vezes a São Paulo para fazer o pagamento de R$ 1 milhão a Duda Mendonça. O marqueteiro fez a campanha de Sandoval Cardoso (SD) para o governo de TO em 2014. “Isso [dinheiro] vai ser em parcelas, semana sim, semana não. Tem que ser lá em São Paulo”, lembrou do diálogo que teve com Duda. Silveira afirmou ter encontrado com Alexandre Mendonça, filho do marqueteiro, em diferentes hotéis para fazer as entregas. 

Após ter perdido a eleição, Sandoval teria pedido ao executivo “novas contribuições” para pagar, aproximadamente, R$ 8 milhões ao marqueteiro. Silveira afirmou que recebeu uma ligação de Duda fazendo a cobrança. “Eu só fiz a campanha, porque o Sandoval disse que vocês iam pagar", ele teria dito ao executivo. 

Nos relatos dos ex-executivos, a conta de caixa 2 dos marqueteiros era de responsabilidade do Setor de Operações Estruturadas -- conhecido como o departamento das propinas. Emilio e Marcelo Odebrecht, respectivamente, dono e ex-presidente do grupo, disseram que também foram cobrados por Duda pelas campanhas de 2014. “Eu reconheço o compromisso que eu tenho. Agora nós temos que encontrar é a forma [de fazer o pagamento]”, teria dito Marcelo ao marqueteiro já em 2015. Segundo o ex-presidente, a empresa também devia a Duda pela campanha de Paulo Skaf (PMDB) para o governo de São Paulo.   

Para Hilberto Mascarenhas, ex-diretor do Setor de Operações Estruturadas, o sistema de ter que negociar com os marqueteiros era desgastante. “Eu faria o processo, daria o dinheiro [ao candidato] e ele comprasse o que quisesse”, diz aos procuradores. 

Mascarenhas afirma que era “muito complicado atender aos anseios de Duda". O ex-diretor reclama que o marqueteiro pediu que a empresa comprasse um apartamento de luxo em Salvador ou cavalos da fazenda dele para efetuar os pagamentos.

Marcelo Odebrecht afirmou que a solução encontrada pela empresa para saldar a dívida com Duda Mendonça foi comprar um terreno do marqueteiro no sul da Bahia, por valor acima de mercado. De acordo com o empresário, a compra do terreno foi feita por uma outra empreiteira, a DAG, que pertence a amigos da família.

Renato Pereira e a campanha de Eduardo Paes

O marqueteiro tem uma posição estratégica do caixa 2 das campanhas eleitorais, afirma Silvana Batini professora da FGV e procuradora regional da República. “Ele não é apenas um beneficiário de uma despesa de campanha, mas um ator que viabiliza o trânsito desse dinheiro”.

Batini diz também que não existe “caixa 2 inocente”. Fabiano Angélico, consultor da ONG Transparência Internacional, reforça que a natureza da transação por fora dos registros eleitorais não exige controle. “É possível que boa parte [do dinheiro] seja usada para pagar fornecedor, mas não tem como a gente cravar que não há enriquecimento ilícito”, argumenta.

A função de operador do marqueteiro é uma das atribuições investigadas pela Lava Jato. A exemplo do inquérito aberto para apurar o repasse de valores pela Odebrecht ao ex-prefeito Eduardo Paes (PMDB-RJ) que aponta o marqueteiro Renato Pereira como intermediador do esquema. Segundo as investigações, a Odebrecht realizou pagamentos por meio da agência Prole, cujo dono é Pereira. A informação consta na delação premiada de Benedicto Júnior, diretor da área de infraestrutura da empreiteira. O marqueteiro foi responsável pela campanha de Paes em 2012. 

O ex-executivo Leandro Azevedo diz que fazia pagamentos semanais e quinzenais no escritório da Prole, na zona sul do Rio. Segundo o delator, um valor aproximado de 23 milhões foi destinado à campanha de Paes. Em documento apresentado à PGR, consta que teriam sido pagos U$ 5,7 milhões em contas de bancos em Lisboa e Nova York. Benedicto Júnior diz que foi feito um pagamento na ordem R$ 11,67 milhões para o marqueteiro. 

Paulo Vasconcelos e a campanha de Aécio Neves e Antonio Anastasia 

As delações dos executivos da Odebrecht também mostraram a produção de contratos fictícios -- de serviços que não seriam prestados -- com empresas de publicidade para pagar a conta dos marqueteiros na campanha.

O método, segundo os delatores, foi adotado pela empreiteira e pelo marqueteiro do senador Aécio Neves (PSDB-MG), Paulo Vasconcelos, para justificar uma contribuição de R$ 3 milhões em caixa 2 para a campanha do tucano à Presidência, em 2014. O pagamento -- realizado em duas parcelas de R$ 1,5 milhão -- foi repassado pela empreiteira diretamente na conta da PVR Marketing e Propaganda Ltda., empresa do marqueteiro, e não foi declarado à Justiça Eleitoral.

De acordo com os delatores, não foi a primeira vez que isso ocorreu: em 2009 e em 2010, a Odebrecht pagou R$ 1,8 milhões a Vasconcelos, em parcelas mensais de R$ 150 mil, como colaboração para a pré-campanha de Antonio Anastasia (PSDB-MG) ao governo de Minas. Os valores também não passaram pelas contas oficiais. De acordo com os delatores, a época foi criado um contrato com "escopo fictício", no caso, um "plano estratégico de comunicação da Odebrecht".

Outro lado

Paulo Vasconcelos afirmou, por meio de assessoria de imprensa, que durante as investigações promovidas pela Polícia Federal, com autorização do STF, o marqueteiro e suas empresas terão a oportunidade de comprovar a lisura de sua atuação.

Em nota, a assessoria de Antonio Anastasia disse que, "em toda sua trajetória, ele nunca tratou de qualquer assunto ilícito com ninguém." Já Aécio disse considerar importante o fim do sigilo sobre delações e afirmou que "assim será possível desmascarar as mentiras e demonstrar a absoluta correção de sua conduta".

Procurada pelo UOL, a defesa de Duda Mendonça e Alexandre Mendonça não quis comentar sobre as investigações no caso de Skaf e Sandoval. A reportagem tentou entrar em contato com o Partido Solidariedade de Sandoval Cardoso, que não exerce cargo político. Mas os escritórios de Brasília e São Paulo não atenderam às ligações na quinta (20) e sexta-feira (21).

Já a assessoria de Paulo Skaf informou que todas as doações recebidas pela campanha dele ao governo de São Paulo estão "devidamente registradas" na Justiça Eleitoral, que aprovou sua prestação de contas "sem qualquer reparo". "Paulo Skaf nunca pediu e nem autorizou ninguém a pedir qualquer contribuição de campanha que não as regularmente declaradas."

O UOL entrou em contato com a Prole para falar com Renato Pereira, mas não teve retorno. Eduardo Paes afirma que nunca teve contas no exterior e que todos os recursos recebidos em sua campanha de reeleição foram devidamente declarados à Justiça Eleitoral. 

A ex-presidente Dilma Rousseff rebateu nesta quarta-feira (19) as informações dadas pelo marqueteiro João Santana e sua mulher e sócia, a empresária Mônica Moura, durante depoimento ao juiz federal Sérgio Moro sobre o uso de de caixa 2 nas campanhas da petista.

Dilma disse por meio de uma nota publicada por sua assessoria de imprensa que nunca autorizou, em suas campanhas, a arrecadação de recursos por meio de caixa dois. "As únicas pessoas autorizadas a captar dinheiro, em conformidade com a legislação eleitoral, foram os tesoureiros regularmente investidos nessas funções nas campanhas de 2010 e 2014”, afirmou.

O documento diz ainda que Dilma nunca teve conhecimento de que as “suas ordens tenham sido desrespeitadas”. "Nas duas eleições, a orientação de Dilma Rousseff sempre foi clara e direta para que fosse respeitada a legislação eleitoral em todos os atos de campanha. Ela nunca teve conhecimento de que suas ordens tenham sido desrespeitadas. Todos que participaram nas instâncias de coordenação das duas campanhas sempre tiveram total ciência dessa determinação."

 A assessoria de Fernando Haddad não foi encontrada para comentar as investigações.