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"Tumultuando a audiência": questões sobre sítio geram bate-boca entre Moro e advogado

Confira a íntegra das alegações finais do ex-presidente a Moro

UOL Notícias

Do UOL, em São Paulo e Brasília

11/05/2017 04h00

A defesa do ex-presidente Lula se irritou quando o juiz da 13 Vara Federal de Curitiba Sergio Moro fez perguntas a ele relacionadas ao processo do sítio de Atibaia. O depoimento prestado nesta quarta-feira (10) por Lula diz respeito à denúncia de recebimento de propina da empreiteira OAS por meio da reserva e reforma de um tríplex no edifício Solaris, no Guarujá, município do litoral de São Paulo -- o caso do sítio é analisado em outra ação penal.

“Quando vossa excelência negou provas a defesa foi bem clara ao afirmar que essa acusação diz respeito a três contratos firmados entre a OAS e a Petrobras e um apartamento no Guarujá. Eu pediria que isso que foi decidido também fosse observado nesse ato, porque o ex-presidente está aqui para fazer autodefesa em relação a essas acusações. Se há outros procedimentos em relação aos outros temas não podemos tratar aqui”, disse um dos advogados de Lula, Cristiano Zanin Martins.

Martins insistiu na questão todas as vezes em que Moro mencionou o sítio de Atibaia, no interior de São Paulo, no depoimento. O juiz federal, por sua vez, afirmou que o advogado não poderia “falar o tempo todo” e que estava “tumultuando a audiência”. “Deixa o seu cliente falar e esclarecer a verdade. Se ele quiser ficar em silêncio e não responder, tem esse pleno direito. Parece que o senhor não entende isso e quer falar no lugar dele. Podemos prosseguir?”, reclamou, dizendo que o advogado não precisava ficar “nervoso”.

“Não estou nervoso. Toda vez que houver uma violência à lei, tenho, não só o direito, como o dever de fazer uma observância”, respondeu Martins.

Antes do bate-boca, Moro já havia dito anteriormente que inseriu o tema de Atibaia porque os executivos da OAS falaram sobre a reforma do tríplex em conjunto com a do sítio em Atibaia.

Em resposta, Lula disse que “se tem alguém que quer a verdade sobre isso, sou eu”. “Quando chegar o processo de Atibaia, eu terei o prazer de responder verdade absoluta sobre aquilo [ao sítio de Atibaia]. Agora acho que é importante resolver o problema do tríplex”, respondeu. Lula se negou a falar sobre o sítio durante diferentes momentos no depoimento.

Moro voltou a falar sobre o sítio de Atibaia quando questionou o ex-presidente se ele esteve com Léo Pinheiro, presidente da OAS, no sítio para tratar das reformas. Lula respondeu que entendia o papel do juiz, mas voltou a dizer que não responderia sobre questões relacionadas a outro processo. “Entendo o seu papel como juiz e eu só quero que o senhor entenda o meu como depoente. Sobre Atibaia, eu falarei tudo no processo específico sobre Atibaia”, disse.

No entanto, Lula confirmou que Léo Pinheiro lhe apresentou ao ex-diretor-técnico do OAS Paulo Godilho, e disse tê-lo recebido no sítio de Atibaia. "Ele esteve a meu convite [Léo Pinheiro]. Mas esse assunto eu vou responder na audiência do sítio de Atibaia”, disse. Moro questionou posteriormente se a visita teve alguma relação com o apartamento no Guarujá. “Nada”, afirmou Lula categoricamente.

A questão gerou alguns minutos de intenso bate-boca entre a defesa de Lula e Moro. “Se o Ministério Público entendesse da mesma forma que vossa excelência, teria feito aqui também uma acusação em relação ao sítio. Vossa excelência não vê na denúncia uma acusação em relação ao sítio”, disse Cristiano Zanin Martins.

“O senhor não fala pelo Ministério Público”, repreendeu Moro. “Esse é o entendimento da defesa técnica”, retrucou Martins.

Sítio em Atibaia frequentado por Lula tem mini Cristo e pedalinhos

TV Folha

O depoimento 

Iniciada por volta das 14h18 desta quarta-feira (10), a audiência foi conduzida pelo juiz Sergio Moro, responsável pela Lava Jato na primeira instância.

O depoimento do ex-presidente acontece dentro do processo em que Lula é acusado de ter recebido, em 2009, propina da empreiteira OAS por meio da reserva e reforma de um tríplex no edifício Solaris, no Guarujá, município do litoral de São Paulo.

Lula também responde pelo armazenamento de bens depois que ele deixou a Presidência, entre 2011 e 2016. Lula governou o Brasil por dois mandatos seguidos, entre 2003 e 2010. O valor total da vantagem indevida seria de R$ 3,7 milhões, como contrapartida por três contratos entre a empreiteira OAS e a Petrobras, segundo o MPF (Ministério Público Federal).

Os crimes

Segundo a  denúncia dos procuradores da força-tarefa da Lava Jato, o ex-presidente da República teria cometido os crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, de acordo com a.

Foi nessa ocasião, inclusive, que os membros do MPF usaram aquela que ficou conhecida como a polêmica apresentação em Power-Point para apresentar as acusações contra o petista. 

Em 20 de setembro do ano passado, Moro acolheu a denúncia do MPF e Lula tornou-se réu no processo.

Segundo depoimento

O encontro de hoje entre Lula e Moro foi o primeiro feito de maneira presencial. Os dois já estiveram em uma audiência em 30 de novembro de 2016, por meio de uma videoconferência, estando o juiz em Curitiba e o ex-presidente, no prédio da Justiça Federal em São Bernardo do Campo (SP).

Na ocasião, o ex-presidente depôs como testemunha de defesa do deputado federal cassado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que era acusado de receber propina no contrato de exploração de petróleo em Benin, na África, e de usar contas na Suíça para lavar o dinheiro.

Cunha foi condenado por Moro a mais de 15 anos de prisão na ação em março deste ano.

Ao contrário do depoimento de hoje, a audiência entre os dois na ocasião foi mais curta, tendo durado menos de dez minutos, em clima de cordialidade.

Tríplex em prédio residencial no Guarujá é um dos itens investigados no processo - Moacyr Lopes Junior/Folhapress	 - Moacyr Lopes Junior/Folhapress
Tríplex em prédio residencial no Guarujá é um dos itens investigados no processo
Imagem: Moacyr Lopes Junior/Folhapress

Outros quatro processos

Além do processo no qual prestou depoimento hoje, Lula é réu em outros quatro, sendo dois também no âmbito da Lava Jato. Em um destes dois, o ex-presidente é acusado por tentar obstruir a Justiça por uma suposta tentativa de comprar o silêncio de Nestor Cerveró, ex-diretor da Petrobras e um dos delatores do esquema de corrupção na estatal.

Lula também responde por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no processo que apura desvios para compra de um terreno em São Paulo para o Instituto Lula e de um apartamento em frente ao em que o ex-presidente mora, em São Bernardo do Campo (SP). 

A denúncia do MPF que motivou esse processo também envolve R$ 75,4 milhões que foram repassados a partidos e políticos que davam sustentação ao governo de Lula, como PT, PP e PMDB, além de funcionários da Petrobras.

O petista ainda é réu em um desdobramento da Lava Jato, a Operação Janus, comandada pela Justiça Federal no DF (Distrito Federal). Ele é acusado pelos crimes de corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro, tráfico de influência e organização criminosa.

De acordo com a procuradoria, Lula teria usado sua influência junto ao BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e a outros órgãos com sede na capital federal para favorecer a Odebrecht em contratos e obras de engenharia em Angola. Em troca, a Odebrecht teria feito "repasses dissimulados" de cerca de R$ 30 milhões.

Também na Justiça do DF, Lula responde a um processo no qual é acusado pelos crimes de tráfico de influência, lavagem de dinheiro e organização criminosa, dentro da Operação Zelotes. O petista teria atuado para interferir na compra de 36 caças do modelo Gripen pelo governo brasileiro e na prorrogação de incentivos fiscais destinados a montadoras de veículos por meio da Medida Provisória 627. Os casos teriam ocorrido entre 2013 e 2015, quando Lula já não era presidente.