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Análise: Divulgação de áudios enfraquece governo e Temer "ficará sozinho"

Michel Temer durante pronunciamento após divulgação de delação da JBS - Ueslei Marcelino/Reuters
Michel Temer durante pronunciamento após divulgação de delação da JBS Imagem: Ueslei Marcelino/Reuters

Gisele Alquas

Do UOL, em São Paulo

19/05/2017 04h00

A divulgação do áudio pelo STF (Supremo Tribunal Federal), nesta quinta-feira (18), da conversa entre o empresário Joesley Batista, dono do grupo J&F, e o presidente Michel Temer enfraquece o governo e provavelmente deixará Temer sem apoio de nenhum partido, segundo cientistas políticos ouvidos pela reportagem do UOL.

As conversas mostram, por exemplo, que Temer sabia que Batista havia infiltrado um procurador da República nas investigações contra o grupo que tramitam na Justiça Federal. Em outro trecho, o empresário diz que "está de bem com o Eduardo [Cunha]", e o presidente responde: “Tem que manter isso, viu?”. Para o cientista político da FGV (Fundação Getúlio Vargas) Marco Antônio Teixeira, os áudios comprometem o presidente "até o pescoço" e foi um erro ele não renunciar.

“O PSDB iria sair, mas voltou atrás, pois esperaria os áudios para decidir se permanece [no governo] ou não. E agora que saiu? Eles não vão apoiar sabendo do risco da legenda desaparecer, ainda mais porque o presidente do partido [Aécio Neves] foi afastado e está envolvido nisso tudo”, afirma Teixeira.

“O processo das reformas no Congresso vai parar. Isso fragiliza ainda mais o presidente. Estamos falando de um governo que está acuado. Temer vai ficar sozinho. O que vamos ver daqui para a frente é um prolongamento da crise, o que é muito, muito ruim para o país”, conclui.

Em seu discurso, na tarde desta quinta, o presidente disse que não iria renunciar e que vai exigir investigação “plena e rápida”. “Não temo nenhuma delação, nada tenho a esconder. Nunca autorizei que se utilizasse meu nome", declarou. Em outro trecho, ele afirmou que nunca permitiu que se pagasse a alguém para ficar calado. "Em nenhum momento autorizei que pagasse a quem quer que seja para ficar calado. Não comprei o silêncio de ninguém."

Segundo Roberto Romano, filósofo e professor de ética política na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), o discurso do presidente foi “irrealista” e de alguém que "claramente está inseguro". Romano diz que Temer não justificou as denúncias e que mandar investigar é um “tiro no escuro”.

Ouça na íntegra a conversa entre Temer e Joesley

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“Vou dizer um ditado grego interessante: quando os deuses querem perder uma pessoa, a enlouquecem. Mandar investigar é uma tentativa de adiar o desenlace, apenas”, afirma. Para Romano, não renunciar neste momento é “apenas uma estratégia e tática política”.

“A melhor saída seria a renúncia. Foi muito fraca a reação dele perto do tamanho dessa crise. Quando assume, o presidente jura que vai proteger a Constituição e, se forem comprovadas essas denúncias, ele estará cometendo um crime contra a nação brasileira. É de uma gravidade sem tamanho”, afirma o professor.

Roberto Romano diz que o governo Temer foi à base da “compra”, uma vez que o presidente “perdoou dívidas de municípios e deve ter feito uma série de bondades para comprar apoio”. “É uma base de compra e venda. E a mercadoria Michel Temer está em baixa, não há muito o que investir em termos de compra. Já tem ministros saindo do governo, senadores de base aliada dizendo que vão romper. Se o PSDB também romper, Temer perderá toda a capacidade de governar”, analisa.

Professor de ciências políticas da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, Aldo Fornazieri é categórico em afirmar que “nada mais sustenta Michel Temer na Presidência”. Ele também acredita que Temer não vai conseguir se sustentar com o alto índice de rejeição da população e a perda de aliados políticos. “Existe uma evidência tão agressiva nesses áudios que a situação é insustentável e ninguém vai ficar do lado dele. O que o Temer vai fazer sozinho no Palácio do Planalto? Ele não vai aguentar e vai renunciar em breve”, afirma.

“O mais engraçado é que aqueles que enchiam a boca para defender a Lava Jato, são os que mais estavam conspirando contra a operação. São moralistas hipócritas”, finaliza Fornazieri. 

Entenda as acusações

Em um trecho, Joesley inicia um diálogo com Temer sobre o ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Após perguntar qual era a atual relação entre Temer e o ex-deputado, o empresário diz que zerou "tudo o que tinha de pendência" com Cunha. Mais para frente, no diálogo, Joesley afirmou: "Eu tô bem com o Eduardo". Ao que Temer respondeu: "E tem que manter isso, viu?".
 
Na quarta-feira (17), ao divulgar em primeira mão a delação de Joesley Batista, o jornal "O Globo" relatou que a resposta "tem que manter isso" seria a um aviso de Joesley de que estaria pagando uma mesada para manter o silêncio de Eduardo Cunha na cadeia. O diálogo, porém, tem trechos inaudíveis, tornando inconclusiva uma possível referência a um aval de Temer aos pagamentos mensais.
 
Em nota publicada ontem, Temer confirmou o encontro, mas disse que "jamais solicitou pagamentos para obter o silêncio do ex-deputado Eduardo Cunha" e negou ter participado ou autorizado "qualquer movimento com o objetivo de evitar delação ou colaboração com a Justiça pelo ex-parlamentar".

No caso do Aécio, ele foi gravado pedindo R$ 2 milhões a Batista. O empresário entregou um áudio à Procuradoria-Geral da República em que o tucano pede a quantia, sob o pretexto de pagar as despesas com sua defesa na Operação Lava Jato.

O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Edson Fachin proibiu Aécio de exercer as funções de senador. A Procuradoria-Geral da República também pediu a prisão do tucano, mas Fachin, responsável pela Lava Jato na Corte, negou o pedido. A irmã de Aécio, Andrea Neves, foi presa.

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