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Delator da JBS aponta pagamentos de R$ 15 milhões a Temer

Ouça na íntegra a conversa entre Temer e Joesley Batista

UOL Notícias

Nathan Lopes e Luciana Amaral

Do UOL, em São Paulo e em Brasília

19/05/2017 12h44Atualizada em 19/05/2017 23h20

O presidente Michel Temer (PMDB) teria recebido valores próximos a R$ 15 milhões em pagamentos de vantagens indevidas na campanha eleitoral de 2014, segundo delação de Ricardo Saud, diretor de Relações Institucionais da holding J&F, grupo controlador do frigorífico JBS. A quantia teria como contrapartida atuação favorável aos interesses do grupo.

O STF (Supremo Tribunal Federal) derrubou o sigilo das delações do grupo nesta sexta-feira (19).

Os depoimentos, que também foram feitos por um dos donos do grupo, o empresário Joesley Batista, apontam “solicitação de vantagem indevida por parte do atual presidente da República, bem como do deputado federal Rodrigo da Rocha Loures (PMDB-PR), no montante de 5% do lucro obtido com o afastamento do monopólio da Petrobras no fornecimento de gás a uma das empresas do grupo".

Delação Joesley - Reprodução - Reprodução
Joesley Batista, um dos donos da JBS, durante depoimento à Justiça
Imagem: Reprodução

“Além disso, haveria solicitação de outros valores relacionados à atuação em benefício do grupo empresarial J&F no tocante ao destravamento das compensações de créditos de PIS/COFINS com débitos do INSS”, aponta a delação.

Campanha

O pagamento teria relação com o apoio do PMDB à reeleição de Dilma. “Eu trouxe o PMDB inteiro, como é que não tem nada para mim?”, teria dito Temer segundo relato de Saud.

Saud reclamou para o tesoureiro da campanha da petista, o ex-ministro Edinho Silva, da cobrança de Temer por verba para campanha. “O homem quer R$ 15 milhões e você tá deixando R$ 5 milhões aqui”, relembra o diretor.

Após analisar a situação, Edinho teria autorizado o repasse a Temer. “Aí veio a ordem para dar os R$ 15 milhões do Temer. Do PT para o PMDB para a campanha do Temer”.

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Saud foi, então, comunicar o então vice-presidente do acerto em reunião no palácio do Jaburu, residência oficial do vice-presidente. “E ele falou: ‘você me dá uma semana que nós vamos mostrar como a gente vai fazer com esse dinheiro’”.

Segundo o delator, com os R$ 15 milhões, ele ajudou, com R$ 3 milhões, o ex-deputado federal Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e colocou a maior parte da quantia, R$ 9 milhões, no PMDB Nacional. "Propina dissimulada em forma de doação oficial", frisou Saud.

Ainda foram repassados R$ 2 milhões para a campanha do empresário Paulo Skaf (PMDB) ao governo de São Paulo. “Parece que ele quer pagar o [marqueteiro] Duda Mendonça”, teria dito Temer ao delator. Mendonça, então, emitiu uma nota como se tivesse prestado serviço para a J&F.

Segundo Saud, Temer foi "deselegante". Ele relatou um pedido do atual presidente, feito no escritório dele em São Paulo, para entregar R$ 1 milhão em um determinado endereço na capital paulista. “Lá funciona uma empresa que já foi investigada na Lava Jato, uma tal de Argeplan Engenharia”.

O diretor diz que o pedido chamou a atenção durante a eleição de 2014 porque ele diz já ter visto “um cara pegar dinheiro na campanha e gastar na campanha”. “Agora, um cara ganhar dinheiro do PT e guardar para ele no bolso, é muito difícil. Só ele e Kassab [Gilbero Kassab, ministro da Ciência e Tecnologia de Temer] fizeram isso, guardaram o dinheiro para gastar de outra forma".

Segundo o delator, o dinheiro usado para pagar os R$ 15 milhões, tirado da conta-corrente do então ministro da Fazenda Guido Mantega com Joesley Batista, vieram do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).

O dinheiro era do PT, o PT deu para o presidente Temer para usar para a campanha de vice. E não satisfeito, guardou R$ 1 milhão para ele no bolso

Ricardo Saud, diretor da J&F

Troca de medidas políticas

Joesley e Saud ainda apontam pagamentos de forma corrente em favor de Roberta Funaro, como suporte financeiro em razão da prisão de seu irmão, o doleiro Lúcio Bolonha Funaro, tido como operador do PMDB no esquema de corrupção na Petrobras investigado pela Operação Lava Jato.

O empresário e Rocha Loures voltaram a se encontrar em outras duas oportunidades após a reunião entre Temer e Joesley, que prometeu “lançar mais crédito na planilha” à medida em que ações políticas que favorecessem o grupo J&F fossem bem-sucedidas.

Joesley citou, por exemplo, que seria benéfico a ele se o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) concedesse uma liminar que afastasse o monopólio da Petrobras no fornecimento de gás para uma termelétrica do grupo, de acordo com a delação do empresário.

O dono da JBS acreditava que obteria lucro caso isso acontecesse e prometeu “abrir planilha” e repassar 5% desse valor a Temer. O representante do presidente, Rocha Loures, aceitou o acordo. Após a divulgação da delação, o Cade negou ter adotado qualquer tipo de favorecimento ao grupo J&F.

Joesley Batista explica por que resolveu fazer delação; assista

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A indústria termoelétrica EPE (Empresa Produtora de Energia), da J&F, reclamava de uma “possível prática anticompetitiva da Petrobras”, segundo a delação de Joesley. Ela estaria relacionada à aquisição de gás natural na Bolívia e a empresa estaria tendo prejuízos por isso. “A Petrobras adquiria todo o gás disponível na Bolívia para vender à EPE por um suposto preço abusivo”, aponta a delação.

O interesse de Joesley era que a Petrobras não comprasse o gás, para que a EPE o adquirisse diretamente dos fornecedores bolivianos, ou realizasse a venda para a EPE pelo mesmo preço de aquisição.

Loures, então, mostrou-se disposto a ligar para o presidente em exercício do Cade, Gilvandro Araújo. O deputado diz que Araújo teria entendido o recado. “Em seguida, Joesley oferece a Loures, para a solução desta questão, o montante de 5% [do lucro obtido com a nova negociação], o que é imediatamente aceito pelo deputado federal”, informa a delação.

Outro lado

A reportagem do UOL entrou em contato com o Palácio do Planalto para comentar as denúncias, mas ainda não houve resposta.

No momento em que o sigilo da delação da JBS foi derrubado, Temer estava no Palácio do Planalto reunido com assessores próximos. Ele deverá almoçar no local com ministros como Eliseu Padilha (Casa Civil), Antonio Imbassahy (Secretaria de Governo), Moreira Franco (Secretaria-Geral da Presidência) e Henrique Meirelles (Fazenda).

O presidente passou a manhã no Palácio do Jaburu, onde mora, com advogados e aliados para discutir qual linha de defesa tomará diante das acusações. Segundo interlocutores, na noite desta quinta (18), o presidente cogitou fazer um outro pronunciamento nesta sexta. Entretanto, um novo discurso ainda não foi confirmado.

Ontem, em pronunciamento no Palácio do Planalto, Temer negou irregularidades e disse que não renunciará. "Em nenhum momento autorizei que pagassem a quem quer que seja para ficar calado. Não comprei o silêncio de ninguém, por uma razão singelíssima: exata e precisamente porque não temo nenhuma delação. Não preciso de cargo público nem de foro especial, nada tenho a esconder, sempre honrei meu nome: na universidade, na vida pública, na vida profissional, nos meus escritos, nos meus trabalhos, e nunca autorizei, por isso mesmo, que usassem meu nome indevidamente. E por isso quero registrar enfaticamente que a investigação pedida pelo STF será território onde surgirão todas as explicações, e, no Supremo, demonstrarei não ter nenhum envolvimento com esses fatos", disse Temer.

O deputado Rodrigo Rocha Loures não atendeu às ligações feitas para ele às 11h42 e às 13h22. Rocha Loures também não respondeu a mensagem enviada pela reportagem.

Em nota, Skaf nega ter recebido dinheiro irregular. "A campanha de Paulo Skaf ao governo do Estado de São Paulo, em 2014, não recebeu nenhum tostão do grupo JBS. Também não houve autorização para que ninguém solicitasse valores ao grupo.  Todos os gastos e doações da campanha foram declarados à Justiça Eleitoral e constam da prestação de contas apresentada ao Tribunal Regional Eleitoral em 2014, aprovada sem nenhum reparo."

Em nota, o Cade afirmou que em setembro de 2015 foi protocolada na superintendência-eral da autarquia uma denúncia da EPE (Empresa Produtora de Energia), pertencente ao Grupo JBS, contra a Petrobras.

“No curso do inquérito administrativo, a EPE fez ou reiterou seu pedido de medida preventiva ao menos seis vezes, pedido esse que não foi deferido pelo Cade em nenhum momento. Também não houve, até agora, qualquer parecer ou decisão do Cade em favor da EPE”, diz a nota.

Segundo o Cade, isso demonstra que “o caso tem sido conduzido dentro da normalidade e sem quaisquer favorecimentos” 

Propina e doação: Joesley diz que repassou R$ 500 milhões para políticos

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Lula e Dilma

Joesley e Saud relataram também pagamentos de US$ 80 milhões em propina "em favor" dos ex-presidentes petistas Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, "mediante depósitos em contas distintas no exterior".

As informações constam em despacho do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Edson Fachin, relator da Operação Lava Jato na Corte. Segundo o relato, Lula teria recebido "vantagens indevidas" na ordem de US$ 50 milhões. Já Dilma,seria a destinatária de US$ 30 milhões.

O ex-ministro Guido Mantega, que atuou nos governos Lula e Dilma, atuaria como intermediário dos pagamentos. Os negócios seriam realizados no âmbito do BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento), da Petros (Fundação Petrobras de Seguridade Social) e da Funcef (Fundação dos Economiários Federais), "com objetivo de beneficiar o grupo empresarial JBS".

Fachin ainda relata que, segundo os colaboradores, o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto "solicitou a Joesley Batista a disponibilização de uma conta bancária no exterior para o depósito de valores, com a abertura de uma planilha de conta corrente para que os pagamentos fossem realizados mediante (a) notas fiscais com conteúdo e datas ideologicamente falsos; (b) em dinheiro; (c) depósitos em contas no exterior; (d) doações eleitorais dissimuladas".

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, também relatou, de acordo com o despacho de Fachin, que o dono do grupo JBS confessou ter repassado R$ 30 milhões ao ex-ministro Antônio Palocci, preso no âmbito da Lava Jato, a pretexto da campanha de Dilma à Presidência em 2010.

A reportagem do UOL entrou em contato com as assessorias de Lula e Dilma, mas, até as 13h10, não haviam se manifestado sobre as acusações.

Em entrevista à Folha neste mês, o ex-ministro Guigo Mantega negou envolvimento com irregularidades e afirmou que acusações como as de executivos da Odebrecht eram 'ficções' para conseguir fechar delação premiada, histórias "inverossíveis" e sem provas."