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Em luta contra câncer, Picciani volta e ajuda Pezão a aprovar medida impopular

Presidente da Alerj, Picciani volta a execer a função depois de se afastar por conta de um câncer na bexiga. Ele ajudou o Executivo a aprovar o aumento da alíquota previdenciária - Paulo Carneiro/Agência O Dia/Estadão Conteúdo
Presidente da Alerj, Picciani volta a execer a função depois de se afastar por conta de um câncer na bexiga. Ele ajudou o Executivo a aprovar o aumento da alíquota previdenciária Imagem: Paulo Carneiro/Agência O Dia/Estadão Conteúdo

Hanrrikson de Andrade

Do UOL, no Rio

25/05/2017 04h00

O presidente da Alerj (Assembleia Legislativa do Rio), Jorge Picciani (PMDB), retornou à Casa, na quarta-feira (24), mais de 40 dias depois de se afastar da função para fazer tratamento contra um câncer na bexiga. Visivelmente mais magro, com rosto abatido, o veterano da política fluminense ainda encontrou forças para ajudar a base do governo Luiz Fernando Pezão (PMDB) a aprovar um projeto de lei extremamente impopular, que selou o aumento da contribuição previdenciária de 11% para 14%.

Submetida ao plenário, a medida recebeu maioria de votos --o placar foi 39 a 26. O Executivo comemorou a decisão, já que ela injetará no caixa, em um ano, cerca de R$ 550 milhões, segundo estimativas da Secretaria de Estado de Fazenda e Planejamento.

O próprio Picciani afirmou, antes da sessão ordinária desta quarta, ter ido à Alerj "na base do sacrifício" e "contra recomendação médica". Na avaliação de parlamentares da oposição, a presença do cacique peemedebista nessas condições era um sinal claro de que o Executivo, apesar de ter maioria na casa, temia uma possível virada. No dia anterior, o projeto de lei que determina a extensão do estado de calamidade no Rio até dezembro de 2018 havia sido aprovada em um placar considerado apertado (37 a 26).

Em uma perspectiva otimista, o também cacique peemedebista Paulo Melo, que já foi presidente da Casa, afirmava na terça-feira (23) que o projeto seria aprovado e teria entre 39 e 42 votos. Confiava que seriam mais de 40. A situação, no entanto, era incerta. Na primeira discussão, a medida recebeu mais mais de cem emendas. Foi objeto de manifestações que terminaram em cenas de violência, já no fim de 2016, quando o próprio Picciani resolveu retirá-la da pauta para não provocar o que considerava ser uma convulsão social.

Além disso, em novembro do ano passado, a proposta chegou a ser barrada por uma liminar da Justiça do Rio --derrubada posteriormente pelo STF (Supremo Tribunal Federal), a pedido do governo. Por fim, como o reajuste da alíquota previdenciária não é uma das contrapartidas exigidas pelo governo federal para adesão ao Regime de Recuperação Fiscal, muitos deputados temiam o inevitável desgaste de imagem pública.

No momento em que a medida era votada no plenário, servidores e policiais se enfrentavam com violência em um ato convocado pelo Muspe (Movimento Unificado dos Servidores Públicos Estaduais) e outros movimentos de trabalhadores. Dos corredores da Alerj, era possível sentir o gás exalado pelas bombas da PM, e o conflito não demorou a repercutir entre os deputados.

Na tribuna, Wanderson Nogueira (PSOL) criticou a repressão das forças policiais, para ira de Átila Nunes (PMDB). O peemedebista bateu na mesa, se levantou e, com dedo em riste, afirmou ao colega: "Você está defendendo os black blocs". Nogueira retrucou: "Não estou defendendo black blocs, e sim o direito de o povo se manifestar".

Confronto na Alerj - Mauro Pimentel/UOL - Mauro Pimentel/UOL
Imagem: Mauro Pimentel/UOL

A base do governo Pezão trabalhou duro, até a noite de terça-feira (23), para arregimentar pelo menos mais três votos. Em uma força-tarefa liderada pelo presidente em exercício, André Ceciliano (PT), e pelo líder do governo, Edson Albertassi (PMDB), os aliados conseguiram atrair parte da bancada do PDT. A fim de eliminar a resistência menos ideológica no Parlamento, a frente governista decidiu levar à reunião do Colégio de Líderes um texto substitutivo à redação original instituindo uma exigência para que a alíquota previdenciária fosse reajustada.

Dessa forma, para as categorias que estão com salários atrasados, a elevação de 11% para 14% só ocorrerá depois que o Estado regularizar o pagamento da folha. Já para os servidores com os vencimentos em dia, o novo cálculo será aplicado somente daqui a 90 dias, em respeito ao prazo mínimo constitucional.

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Para Picciani, o reajuste da contribuição dos servidores é uma medida necessária para tirar o Rio da crise
Imagem: Armando Paiva/Agif/Estadão Conteúdo
A ideia de condicionar o objeto do projeto de lei ao pagamento dos salários atrasados era defendida por Picciani antes de seu afastamento. Na terça, Ceciliano foi cobrado pela oposição a respeito desse "compromisso", como definiu um parlamentar do PSOL, e pressionado a adiar a votação. O próprio Picciani entendia que a matéria só poderia ser levada ao plenário depois que o Executivo quitasse os débitos salariais. Mas a costura com o governo do Estado deu liga, e o presidente da Alerj afirmou ter entendido que, se a medida não fosse aprovada agora, Pezão não teria condições de pagar as remunerações atrasadas.

"Eu acho conveniente, isso me atendeu porque eu tinha esse compromisso de que, só depois dos salários em dia, eu votaria a matéria. Mas como não tem outra solução de colocar em dia, é necessário que se aprove [agora] para que se coloque [os salários] em dia. Mesmo assim, o desconto só virá após o pagamento de três ou quatro salários de uma vez", afirmou Picciani. "Isso será um benefício para o servidor, pois ele colocará suas contas em dia e terá certeza que aposentados e pensionistas receberão em dia."

Além da medida que atinge os servidores, a contribuição patronal foi elevada de 22% para 28% para o Legislativo e o Judiciário, além do TCE (Tribunal de Contas do Estado) e do Ministério Público estadual. Havia uma emenda que estipulava um aumento progressivo dessa alíquota, que atingiria os 28% apenas em 2023 --para 2018, a cota prevista era de 22%. A posição defendida por Picciani no Colégio de Líderes foi fundamental para garantir a aplicação imediata do reajuste.

"Não há empecilho nem negociação. Eu já havia comunicado aos chefes dos outros poderes que há de se ter paridade. Não é razoável que essa casa aumente a alíquota do servidor, de 11% para 14%, e não aumente de 22% para 28% a dos outros poderes. E isso vai ser de uma vez só. Eles [deputados que se opunham à emenda] queriam em sete, dez anos, mas não será possível porque você tem que ter uma justificativa lógica. Por que você aumenta do servidor e não dá paridade ao patronal?", questionou o peemedebista.

"Isso vai sacrificar o nosso orçamento também. Nos já fizemos cortes [nos gastos do Legislativo] e, se necessário, faremos mais", completou.

Alerj tem oito pedidos de impeachment contra Pezão

Na abertura da sessão ordinária desta quarta, Picciani afirmou que a Presidência da Casa vai analisar, na semana que vem, os oito pedidos de impeachment contra o governador Luiz Fernando Pezão. Há solicitações que foram protocoladas pelos partidos da oposição e também por movimentos da sociedade civil. Eles alegam que o chefe do Executivo teria cometido crime de responsabilidade.

No início deste mês, a seccional fluminense da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) aprovou um parecer da Comissão de Direito Constitucional do órgão, no qual afirma que há indícios que sustentam um eventual impeachment do governador.

Coincidentemente, também na semana que vem, Picciani começará a discutir internamente a questão do atraso nos repasses obrigatórios que são feitos pelo Executivo para o Legislativo --os chamados "duodécimos". Na visão do presidente da Alerj, a inadimplência representa um crime de responsabilidade.

"Hoje eu avisei ao governador que a Alerj só recebeu o duodécimo de fevereiro. Já tem outros poderes recebendo o de maio. E isso é crime de responsabilidade. É um assunto que, se não regularizarem, eu tratarei a partir da semana que vem. Há um cerceamento do funcionamento do Legislativo."

O que diz o governo?

Afundado em grave crise financeira, o governo Pezão sustenta que o aumento da alíquota previdenciária é fundamental na tentativa de equilibrar os cofres públicos, garantir o pagamento de salários e evitar demissões de servidores.

Além disso, a Casa Civil e Desenvolvimento Econômico afirma que o Estado precisa interferir na questão previdenciária, pois "não teria sentido", segundo o secretário Christino Áureo (PSD), aderir ao programa federal de recuperação fiscal com um rombo de R$ 12,5 bilhões na Previdência.

"Não dá para um Estado, que tem um déficit cujo principal componente é previdenciário, se apresentar ao país após aprovação de um plano de ajuste fiscal sem fazer absolutamente nada na questão previdenciária. Não tem coerência", disse.

"Todos os diagnósticos apontam o déficit previdenciário como principal elemento do tamanho do fosso que temos para cobrir. Do déficit anual projetado, na ordem de R$ 20 bilhões, mais de R$ 12,5 bilhões são referentes ao déficit previdenciário. Não faz sentido apresentarmos à Casa qualquer conjunto de medidas que não trate minimamente da Previdência."

O secretário disse ainda que, "independente de ter ou não na lei federal [a que criou o Regime de Recuperação Fiscal] a abordagem do aumento da alíquota previdenciária", seria necessário "entender a realidade do Rio". Ele argumenta que o Rio possui "particularidades" que não se enquadram na lei aprovada na Câmara dos Deputados.

"Como a lei é federal, ela abrange talvez a síntese do que pensam os Estados. Mas, no Rio, nós temos particularidades que precisam ser atendidas, como a questão previdenciária. Mas só vamos firmar com a União aquilo que for autorizado pela Alerj.

Reajuste da alíquota não é contrapartida

A proposta não é contrapartida para a adesão ao Regime de Recuperação Fiscal, aprovado na Câmara dos Deputados e sancionado pelo presidente Michel Temer para socorrer os Estados em situação de penúria financeira.

A mensagem enviada à Alerj, de aumento da contribuição previdenciária, garantirá ao governo do Rio mais dinheiro na tentativa de organizar as contas fluminenses, mas se trata de uma decisão tomada exclusivamente pelo Executivo.

O plano federal permitirá ao Rio atrasar o pagamento de dívidas com a União pelos próximos três anos --resultando em uma arrecadação de quase R$ 61 bilhões. Para aderir ao regime, o governo estadual ainda precisa cumprir as contrapartidas exigidas --apenas três de oito exigências foram cumpridas.