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Gilmar defende atuação do STF sobre foro e diz que corte é alvo de "picaretagem"

Foro privilegiado não visa acobertar crimes, diz ministro do STF

UOL Notícias

Bernardo Barbosa

Do UOL, em Brasília

01/06/2017 14h59Atualizada em 01/06/2017 19h00

O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes defendeu nesta quinta (1º) a atuação da Corte nos processos envolvendo pessoas com foro privilegiado e disse que o Supremo é alvo de "picaretagem".

O protesto do magistrado ocorreu durante sessão do plenário na qual o STF julga questão de ordem apresentada pela PGR (Procuradoria-Geral da República) pedindo a aplicação do foro privilegiado apenas a crimes cometidos durante o mandato e relacionados ao cargo ocupado pelo réu ou investigado.

"Se o Ministério Público pediu um inquérito e depois pediu o arquivamento, e nós fazemos assim, agora ele está dizendo que nós decidimos favoravelmente porque não foram transformados em denúncia. Quando na verdade deveria ter dito é que o Ministério Público talvez pediu irresponsavelmente a abertura de inquérito", disse. "Veja a que picaretagem o Supremo está submetido."

Após a fala do ministro Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes pediu vistas do processo, adiando a conclusão do julgamento.

Gilmar atacou dados apresentados pela FGV (Fundação Getúlio Vargas) Direito Rio e divulgados em fevereiro pelo jornal "O Globo", segundo os quais 68% das 404 ações penais concluídas entre 2011 e março de 2016 prescreveram ou foram repassadas para instâncias superiores porque a autoridade deixou o cargo. Segundo o ministro, que chegou a falar em "fraude acadêmica comprovada", "misturaram alhos com bugalhos".

"Por que desmoralizar o Supremo? Qual é o intuito?", questionou Gilmar. "Usar desse expediente para denegrir a imagem do Supremo é uma grande irresponsabilidade."

Segundo o ministro, há "populismo constitucional" quando se debate sobre o foro privilegiado, tratado como se "fosse responsável pelas mazelas nacionais".

Gilmar ainda criticou o Ministério Público ao lembrar o julgamento do mensalão, quando, segundo o magistrado, os procuradores não tinham controle sobre quantos processos haviam sido desmembrados.

"Em geral, na Procuradoria, nem se sabia, não havia controle sequer desses processos", afirmou.

O magistrado também questionou as críticas aos arquivamentos de inquéritos pelo Supremo.

Gilmar questionou por que motivo não se faz uma pesquisa sobre a Justiça criminal do Brasil, "que de fato é uma vergonha".

"E tem uma concepção autoritária e nazista, porque acha que tribunal bom é tribunal que condena. Irresponsáveis", disse.

Após a declaração de Gilmar, pesquisadores da FGV enviaram ao UOL o link para download do estudo: http://www.fgv.br/supremoemnumeros/publicacoes.html

Defesa do STJ

Depois de o ministro Alexandre de Moraes defender que o STF pode demorar mais para aceitar uma denúncia do MP por ser a última instância judicial, Gilmar manteve o tom de protesto ao defender os ministros do STJ (Superior Tribunal de Justiça) Marcelo Navarro e Francisco Falcão. Segundo Gilmar, o objetivo do inquérito no qual os juízes são alvo por obstrução de Justiça é "castrar iniciativas do STJ" e amedrontar a corte.

"Agora essa é a moda, se investiga obstrução de Justiça, de quem? Do ministro Falcão e do ministro Marcelo Navarro. E lá estão também [os ex-presidentes] Lula e Dilma nesse processo. Mas investigar o quê? Se eles pediram para ser nomeados. Se aquilo tinha a ver com obstrução de Justiça. Eu não sei aqui quem foi nomeado e não participou de algum périplo político. Poucos", disse. "Qual é o objetivo desse inquérito? Este inquérito vai chegar a provar obstrução de Justiça desses magistrados? Obviamente que não."

Gilmar afirmou também ter ouvido de um advogado que o objetivo deste inquérito, além de constranger o STJ, seria o de manter Lula e Dilma julgados no STF. "Se for por isso, está se fazendo de maneira indevida."

O ministro do Supremo prosseguiu suas queixas ao dizer que inquéritos "se prolongam indevidamente porque não se faz investigação, papel que é da polícia e do Ministério Público. Mas depois fica na conta do STF."

Entenda o caso

O julgamento da restrição ao foro privilegiado partiu de questão de ordem levantada pela PGR (Procuradoria-Geral da República) no processo contra Marquinho Mendes (PMDB), hoje prefeito de Cabo Frio (RJ) e ex-deputado federal.

Ele chegou a ser empossado como suplente do deputado cassado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), mas renunciou ao mandato parlamentar para assumir o cargo no município. Acusado de compra de votos em sua primeira campanha à prefeitura, Mendes trocou de cargo várias vezes, entre o município e a Câmara federal, o que por sua vez provocou a mudança de foro para o julgamento do caso diversas vezes.

Com isso, a PGR defendeu que a Constituição poderia ser interpretada de forma mais restrita em relação a quem tem direito ao foro privilegiado, limitando sua aplicação "às acusações por crimes cometidos no cargo e que digam respeito estritamente ao desempenho daquele cargo ao qual a Constituição assegura este foro especial".

Senado aprova PEC

Na quarta (31), menos de uma hora após o fim da sessão do STF, o Senado aprovou em segundo turno de votação uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que mantém o foro privilegiado apenas para o presidente da República e para os presidentes do STF, da Câmara e do Senado. O projeto vai à Câmara dos Deputados, onde também precisa ser aprovado em dois turnos.

Para "destravar a aprovação derradeira" da PEC na Casa, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), relator do projeto, aceitou um acordo com os colegas e fez alterações no texto original.A principal delas é a manutenção das prerrogativas para senadores e deputados federais de não serem presos antes da condenação transitada em julgado, salvo em caso de crime inafiançável ou de flagrante delito. Atualmente, o entendimento do Supremo é que a execução da pena pode ocorrer após a condenação em segunda instância.

Em caso de decretação de prisão em primeira instância --onde atua o juiz federal Sergio Moro, responsável pela Operação Lava Jato, por exemplo-- o plenário de cada Casa continuará, portanto, a decidir se autoriza o seu cumprimento.