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Após delação da JBS, qual o futuro político de Aécio Neves?

O senador tucano Aécio Neves, afastado do mandato por decisão do STF - Pedro Ladeira/Folhapress
O senador tucano Aécio Neves, afastado do mandato por decisão do STF Imagem: Pedro Ladeira/Folhapress

Rayder Bragon

Colaboração para o UOL, em Belo Horizonte

02/06/2017 04h00

Em outubro de 2014, Aécio Neves (PSDB-MG) recebeu 51,04 milhões de votos no segundo turno da eleição presidencial. Há menos de duas semanas, o STF (Supremo Tribunal Federal) proibiu o político mineiro de exercer as funções de senador, um dia após a divulgação da informação de que ele teria pedido R$ 2 milhões a donos do frigorífico JBS. Neste contexto, o que esperar para o futuro político do antes presidenciável tucano e neto de Tancredo Neves?

Cientistas políticos ouvidos pelo UOL analisaram a conjuntura atual para comentar a mudança brusca na carreira do tucano, que, em três anos, perdeu a eleição presidencial mais apertada da história brasileira (ele recebeu a maior votação de um candidato tucano), e em maio teve sua prisão pedida pela PGR (Procuradoria-Geral da República) --negada pelo STF (Supremo Tribunal Federal)-- e acabou por se afastar da presidência do seu partido para se dedicar à sua defesa.

A maioria dos especialistas procurados pela reportagem apontam que o destino de Aécio não está definido; contudo, enxergam um caminho distante do Palácio do Planalto. 

"Depende de eventual condenação"

Para Bruno Reis, professor da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e cientista político, não há certeza na afirmação sobre o suposto fim da atividade política de Aécio.

"Eu acho que não, mas [será feita] em outra faixa, provavelmente. A gente decretar mortes políticas é fácil, e a gente sempre quebra a cara. Paulo Maluf 'morreu' politicamente infinitas vezes. Mas o horizonte muda. O cara, depois de tomar uma pancada dessas na cabeça, sai do jogo presidencial, por exemplo", avaliou.

Com avaliação parecida, Malco Camargos, cientista político e professor da PUC-MG (Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais), disse crer que a atuação do tucano poderá se dar em outra esfera da atividade política.

"Vai depender de uma eventual condenação. Se houver uma condenação, já estará definido o que irá ocorrer no futuro próximo por conta dos eventuais oito anos de inelegibilidade", opina.

"Apesar disso, não dá para pensar que a carreira dele será eliminada a partir dessa possibilidade. Há espaço para eventuais candidaturas dele no Legislativo em Minas. Uma possível condenação irá dificultar eleições majoritárias, mas ele continua com grande chance de buscar mandatos dentro da esfera pública e, em um segundo momento, até pleitear novamente uma vaga no Senado. Podemos lembrar do que ocorreu com o [hoje senador Fernando] Collor [de Mello]", avaliou 

Rudá Ricci, cientista político, diretor do Instituto Cultiva e que mantém um blog sobre política, foi mais contundente e disse não crer na recuperação de Aécio.

"O Aécio acabou. Todo o aecismo evaporou. Não vejo como ele poderia se remontar a partir de agora. Se ele for preso, a situação piora bastante. Ele iria se transformar num personagem totalmente isolado. Se ele não for preso, ele ainda tem uma margem de manobra. [Mas] acho que o Aécio é carta fora do baralho da política brasileira."

Bruno Reis - Alexandre Rezende/Folhapress - Alexandre Rezende/Folhapress
Imagem: Alexandre Rezende/Folhapress
A gente decretar mortes políticas é fácil, e a gente sempre quebra a cara, como no caso do Maluf, que 'morreu' politicamente inúmeras vezes

Bruno Reis, cientista político

Ex-secretário de Governo durante a administração de Aécio em Minas, Danilo de Castro, um dos homens de confiança do tucano, disse ao UOL que correligionários ficaram surpresos com as revelações, mas têm confiança de que ele irá provar sua inocência.

"A gente que viu o governo dele aqui, com austeridade total, com ele coordenando tudo, ficamos surpresos. Mas ele tem afirmado sempre [que é inocente], e a gente acha que ele vai comprovar isso. A expectativa é essa, que isso seja revertido e ele possa mostrar a verdade. Aqui, em Minas Gerais, nunca houve nenhuma suspeita. Ele sempre teve muita atenção com o gasto público", afirmou.

Desidratação desde 2014

Os analistas disseram que a desidratação política do tucano passou pela condução considerada desastrosa dos rumos adotados pelo PSDB, após o resultado da eleição de 2014. Eles ainda avaliaram que, junto a isso, Aécio ainda viu seu cacife político ser reduzido consideravelmente em Minas Gerais, seu reduto eleitoral.

Para Rudá Ricci, o senador não soube se posicionar de maneira mais clara logo após a eleição na qual foi derrotado por Dilma Rousseff. O PSDB pediu uma auditoria sobre o resultado da eleição majoritária. 

"Aécio ficou vagando até a tentativa de liderança dos pedidos de impeachment da Dilma, para dar algum tipo de suporte ao capital político que ele tinha conseguido conquistar na eleição. Ele tentou fazer um esforço violento para se posicionar como a principal liderança política da oposição ao governo Dilma, mas ele nunca foi isso. Não é o perfil dele. Ele sempre foi um facilitador, um conciliador", afirmou Rudá Ricci.

Segundo Bruno Reis, a suspeição sobre o processo eleitoral majoritário, em 2014, serviu para desgastar ainda mais Aécio Neves.

"Só fragilizou a posição dele. Eu tenho dito que a rispidez dos debates políticos recentes sinaliza certo salto alto da elite política quanto à solidez das instituições. É preciso respeitar o jogo, isso é crucial. Quando um líder político, tão relevante, quase presidente, como o Aécio, diz que perdeu a eleição para uma organização criminosa, ele fragiliza o sistema como um todo. O tom da campanha da Dilma também não foi melhor que isso", avaliou.

Aécio e Dilma - Ricardo Moraes/Reuters - Ricardo Moraes/Reuters
Aécio e Dilma se cumprimentam antes do último debate em 2014
Imagem: Ricardo Moraes/Reuters
Reis disse ter detectado, a partir daí, uma mudança radical do tom político adotado até então por Aécio Neves.

"No início de 2015, Aécio sai do seu estilo centrista, habitual, para apostar numa radicalização. Algumas pessoas chegaram a dizer que ele tinha surtado. A minha avaliação é diferente. Ele era candidato [pelo PSDB] em 2014, mas sabia que não seria candidato em 2018. Seria a vez do [tucano] Geraldo Alckmin [governador de São Paulo]."

Rudá Ricci ainda citou a aproximação do tucano com o MBL (Movimento Brasil Livre) como uma mudança no perfil do partido comandado por ele.

"Ele descaracterizou o PSDB que, historicamente, nunca foi de direita. A imprensa internacional cita o PSDB como sendo hoje um partido conservador, de centro-direita. O momento mais catastrófico foi o Aécio se aproximar do MBL. Ali, ele perdeu completamente a noção histórica do papel do PSDB", declarou.

Bruno Reis considerou, porém, que as declarações mais radicais de Aécio foram uma estratégia.

"A aposta dele era na anulação da eleição [majoritária] de 2014, porque, se houvesse uma nova eleição, ele seria o grande favorito. Mas isso não vingou. O impeachment não era interessante para o PSDB. O impeachment ganha asas e, quando se viabiliza, o PMDB vê a grande chance. [...] Aí o PSDB não tem escolha [e adere]", argumentou.

Erro em Minas

Aécio foi governador em dois mandatos, entre 2003 e 2010, deixou a gestão do Estado como um dos governadores mais bem avaliados do país e elegeu seu sucessor, o também tucano Antonio Anastasia, sem muito esforço. 

Rudá Ricci e Bruno Reis citaram como o principal erro a decisão de indicar o ex-ministro Pimenta da Veiga para a disputa do governo de Minas Gerais pelo PSDB, em 2014.

Veiga perdeu o pleito para Fernando Pimentel (PT) ainda no primeiro turno. A vitória petista colocou fim a 12 anos de administração tucana no Estado.

"Havia dois nomes naturais para a disputa ao governo do Estado", disse Ricci, referindo-se a Marcus Pestana [deputado federal e ex-presidente estadual do PSDB-MG] e a Dinis Pinheiro [ex-presidente da Assembleia Legislativa de Minas Gerais]. Ambos ligados a Aécio.

"Eles estavam sendo anunciados, o tempo todo, como os prováveis nomes do campo político de Aécio para a disputa do governo de Minas. O que Aécio faz? Aceita um acordo com o PSDB de São Paulo para indicar o nome de Pimenta da Veiga [ex-ministro de FHC]. Embora o Pimenta seja mineiro, ao fazer isso, se indispôs com as lideranças locais mais importantes do bloco dele. Isso custou muito caro ao Aécio", afirmou.

Aécio Neves foi afastado do Senado

UOL Notícias

Na disputa da eleição presidencial, em 2014, Dilma Rousseff teve mais votos que Aécio em Minas Gerais. "A partir disso [escolha de Pimenta da Veiga], Aécio não consegue mais mobilizar ninguém no Estado", avaliou.

Bruno Reis relembra que o tucano "abriu um flanco" que fora bem explorado por Pimentel.

"Ele força a mão com a candidatura de Pimenta da Veiga, que não disputava uma eleição desde 1990. Tendo em vista como a disputa contra Dilma foi bem apertada, a derrota dele em Minas pode muito bem ter significado também a sua derrota para a Presidência."

Na cidade de Juiz de Fora (a 278 km de Belo Horizonte), um dos redutos eleitorais de Marcus Pestana e onde ele onde nasceu, a petista Dilma Rousseff foi a preferida por 44% do eleitorado local, contra 28% de quem escolheu Aécio.

Já nos municípios de Ibirité e Betim, ambos localizados na região metropolitana de Belo Horizonte e praças eleitorais de Dinis Pinheiro, a petista também suplantou o tucano. Na cidade natal de Pinheiro, Dilma obteve uma votação expressiva, com 61% dos votos, contra 39% dos que foram dados a Aécio Neves. 

No Estado, Dilma Rousseff foi a escolhida por 52% do eleitorado, contra 48% dos que preferiram votar em Aécio. A diferença foi de pouco mais de 550 mil votos para a petista.

Em um cenário hipotético, no qual essa vantagem obtida pela petista em Minas fosse transferida para Aécio, ainda assim ele não teria conseguido derrotar a adversária na corrida presidencial, já que Dilma o suplantou no país com 3,4 milhões de votos.

Entretanto, o que se ouvia de tucanos ligados à campanha dele era a promessa de Aécio conseguir uma votação espetacular no Estado onde construiu sua trajetória política. Falava-se em algo beirando os 70% de votos válidos ao tucano.

Decisão conjunta

O deputado Marcus Pestana rechaçou ter havido um suposto boicote ou negligência à campanha de Aécio por parte de apoiadores. Ele esclareceu que a escolha de Pimenta da Veiga não foi uma decisão solitária.

"Não foi uma decisão unilateral nem abstrata do Aécio. Houve uma decisão concreta em razão de um impasse no nosso grupo em torno de três nomes que seriam prováveis pré-candidatos. O meu, o do Dinis Pinheiro e do ex-governador Alberto Pinto Coelho (PP). Coube ao Aécio conduzir o grupo para uma solução menos conflituosa, que foi a escolha de um quarto nome. Foi isso que ocorreu e, infelizmente, não deu certo", avaliou.

"Vale ressaltar que, desde Juscelino Kubitschek, Aécio foi o maior governador de Minas e cuja gestão foi aprovada pela maioria da população de Minas Gerais. Ele é uma liderança natural", declarou.

Entretanto, outro participante ouvido pelo UOL, que integrou o processo, tem visão diferente do episódio. Ele preferiu não se identificar.

"Houve um entendimento de que poderia ter sido diferente. Havia grande chance de a eleição em Minas ter sido ganha com um escolhido entre esses três e, com isso, o Aécio entraria no segundo turno [na eleição presidencial] com outra perspectiva. O Pimenta estava desatualizado, não teve um bom desempenho durante a campanha, estava fora do jogo há muito tempo", avaliou.

Em 2016, Aécio ainda viu seu candidato à Prefeitura de Belo Horizonte, o deputado estadual João Leite (PSDB), ser derrotado por Alexandre Kalil (PHS).

"Mesmo tendo sido mais votado que a Dilma, em Belo Horizonte, dois anos depois ele não consegue emplacar o João Leite. Isso mostra como ele veio perdendo força. A partir daí, Aécio meio que virou um fantasma político aqui em Minas. O [Antonio] Anastasia passou a ser muito mais citado como alguém, do bloco aecista, que poderia ter chance de ser novamente governador que o próprio Aécio", disse Rudá Ricci.