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Espionagem, CPI e fim da sangria: quando a Lava Jato esteve na mira dos políticos

Deltan, Janot, Moro e Fachin são alvo de investigados da Lava Jato - Arte/UOL
Deltan, Janot, Moro e Fachin são alvo de investigados da Lava Jato Imagem: Arte/UOL

Felipe Amorim e Luciana Amaral

Do UOL, em Brasília

14/06/2017 04h00

A toda ação corresponde uma reação. A famosa terceira lei de Newton não se verifica só na física, mas também na disputa de poder entre investigadores e investigados da Operação Lava Jato.

A mais recente reação foi nos últimos dias, com o suposto uso da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) para investigar o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Edson Fachin, relator da Lava Jato no Supremo e responsável pelo inquérito que corre contra o presidente da República, Michel Temer (PMDB).

A informação da suposta investigação da Abin contra o ministro para enfraquecê-lo foi publicada pela revista "Veja" nesta sexta-feira (9). Ainda de acordo com a revista, a ordem da suposta investigação foi causada pelo fato de Fachin ter homologado a delação dos executivos da JBS, que iniciou o agravamento da crise política no país. Temer nega qualquer ordem de espionagem.

No entanto, entre críticas e elogios, a Operação Lava Jato se consolidou como uma das maiores investigações contra a corrupção no Brasil ao longo dos últimos anos. Para os críticos, há indícios de politização e ações excessivas. Para os fãs, a operação é um movimento anticorrupção até então inédito no país.

Ainda para os apoiadores da Lava Jato, porém, algumas ações do Legislativo, Executivo e Judiciário foram interpretadas como uma ameaça à continuidade das investigações ou à punição do que já foi descoberto até aqui. Apesar de ser difícil identificar quem se declare abertamente contra a operação, investigadores e políticos têm apontado ações recentes que teriam o objetivo de embaraçar a Lava Jato.

Veja alguns dos episódios que levantaram polêmica sobre os rumos da operação.

Temer e Abin contra Fachin

Reportagem da revista "Veja" desta semana afirmou que o presidente Michel Temer (PMDB) teria acionado a Abin para monitorar o ministro do STF Edson Fachin, relator da operação Lava Jato na Corte.

O presidente é alvo de um inquérito no tribunal, por suspeita de corrupção, que está sob a responsabilidade de Fachin.

Temer negou ter dado a ordem. “O governo não usa a máquina pública contra os cidadãos brasileiros, muito menos fará qualquer tipo de ação que não respeite aos estritos ditames da lei", disse o presidente, em nota divulgada na noite da sexta-feira (9).

A presidente do STF, Cármen Lúcia, afirmou que tal prática seria “inadmissível”, mas disse que o Supremo não adotaria providências, “por ora”, já que Temer negou ter acionado a agência de espionagem.

Temer defende equilíbrio entre Poderes

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Delação e CPI da JBS

O inquérito contra Temer foi aberto com base na delação premiada de executivos da JBS e dos donos do grupo, os irmãos Joesley e Wesley Batista.

Após Joesley ter gravado um encontro com o presidente no Palácio do Jaburu, Temer foi jogado no centro de uma investigação sobre corrupção e obstrução à Justiça, o que levou a uma forte reação de aliados no Congresso Nacional.

joesley texto lava jato - Danilo Verpa/Folhapress - Danilo Verpa/Folhapress
Delação premiada de executivos da JBS deu origem a inquérito contra Temer
Imagem: Danilo Verpa/Folhapress


Deputados e senadores decidiram abrir uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) para investigar os termos do acordo de colaboração da JBS, sob a alegação de que os delatores teriam sido premiados em excesso. A CPI também vai apurar negócios da JBS com o BNDES.

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, afirmou em artigo publicado no UOL que os benefícios concedidos aos colaboradores garantiram que “crimes graves” fossem descobertos.

Congresso x Fachin

Políticos da base do presidente Temer estudam usar a CPI como forma de tentar constranger o ministro Edson Fachin.

Entre as medidas estaria a convocação de Fachin para explicar sua relação com o executivo da JBS Ricardo Saud, que o teria auxiliado em sua campanha na sabatina do Senado para a vaga de ministro do Supremo.

Aliados do governo também apoiaram o pedido à CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara para que Fachin explique sua eventual ligação com Saud.

O partido Rede Sustentabilidade entrou com uma ação no STF para derrubar o requerimento à CCJ.

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Edson Fachin - Carlos Humberto/SCO/STF - Carlos Humberto/SCO/STF
Congresso estuda convocação de Fachin para explicar sua relação com executivo da JBS
Imagem: Carlos Humberto/SCO/STF


Na última sexta-feira (9), Fachin afirmou não acreditar que tenha partido do Planalto a ordem para a ofensiva contra ele.

“Não creio, sob hipótese alguma, que altas autoridades da República tenham dado qualquer tipo de aval a qualquer tipo de constrangimento. Isso não é compatível com os exercícios dessas funções”, disse.

Revisão da delação da JBS

O acordo de colaboração da JBS, que levou à investigação contra Temer, também recebeu contestações no próprio STF.

O ministro Gilmar Mendes afirmou que o plenário do Supremo deve analisar a homologação do acordo, ato que dá validade à delação e fixa os benefícios, como redução da pena.

"Me parece que nesse caso, como envolve o presidente da República, certamente vamos ter que discutir o tema no próprio plenário", disse o ministro a jornalistas.

A PGR (Procuradoria-Geral da República) ofereceu imunidade penal aos executivos da JBS, ou seja, eles não serão denunciados pelos crimes dos quais participaram e confessaram na delação premiada.

O ministro do STF Luís Roberto Barroso contestou o entendimento de Gilmar e afirmou que a possibilidade de o Supremo rever o acordo de colaboração é uma ameaça a que futuras delações sejam assinadas pela PGR.

"A delação só faz sentido se o colaborador tiver a segurança de que o acordo feito será respeitado. Se ela puder ser revista, em breve o instituto deixará de existir", disse.

Em entrevista ao UOL, Barroso comparou a pressão sobre a atuação de Fachin a um “cerco” contra o ministro.

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UOL Notícias

Pressão na PF

A delação da JBS também levou a PGR a denunciar o senador Aécio Neves por obstrução à Justiça ao tentar interferir em investigações da Lava Jato contra ele e por ter atuado para aprovar projetos que ameaçariam as investigações, na visão da PGR.

A PGR afirma que Aécio, por meio de uma série de contatos com o diretor-geral da PF, Leandro Daiello,"deixou clara a sua intenção de interferir" para que a investigação sobre irregularidades na licitação da Cidade Adminstrativa de Minas Gerais ficasse com "um delegado específico" na corporação. A PGR destaca que, apesar das tentativas do senador, o responsável não foi trocado.

A denúncia da Procuradoria cita ainda o telefonema de Aécio ao ministro do STF Gilmar Mendes, "numa atitude inusual", para que convencesse o senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA) a votar a favor do projeto de lei de abuso de autoridade.

Segundo Janot, Aécio usou seu mandato "não apenas para se proteger das investigações da Operação Lava Jato, mas também para barrar o avanço do Estado na descoberta de graves crimes praticados pelas altas autoridades do país, num verdadeiro desvio de finalidade da função parlamentar."

As gravações feitas por Joesley de conversas com Aécio também mostram o senador afirmando que pressionou o presidente Temer pela troca do então ministro da Justiça Osmar Serraglio (PMDB-PR). “Tem que tirar esse cara”, diz Aécio no áudio.

No último dia 28, Temer confirmou a saída de Serraglio do cargo e a ida de Torquato Jardim para a Justiça.

Jardim, que foi ministro da Transparência, afirmou não descartar mudanças no comando da Polícia Federal, mas disse que a manutenção da Lava Jato é um “programa de Estado”.

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Foro e abuso

Mesmo antes da delação da JBS, iniciativas do Congresso Nacional eram criticadas por supostamente representar um risco às investigações de corrupção e contra políticos.


É o caso do projeto que atualiza a lei dos crimes de abuso de autoridade, aprovado com modificações pelo Senado após forte pressão de entidades de juízes e membros do Ministério Público.

A crítica de setores do Judiciário era de que o texto poderia inibir a atuação de juízes e promotores em investigações, os ameaçando com punições por abuso.

Após críticas dos próprios senadores ao projeto, o relator, Roberto Requião (PMDB-PR), alterou o texto para excluir brechas à punição a investigadores e o projeto foi aprovado.

O projeto agora está na Câmara dos Deputados, onde não tem previsão de ser votado.

Os senadores condicionaram a aprovação do texto sobre o abuso de autoridade à de um outro projeto, que extingue o direito ao foro privilegiado. A lógica era a de que, com medo de perder o foro para ser julgado apenas pelo STF, os políticos queriam uma lei para combater “abusos” das investigações.

O Senado aprovou o projeto que acaba com o foro privilegiado, mas manteve a proibição de que deputados federais e senadores sejam presos antes da condenação.

O fim do foro privilegiado agora deverá ser analisado na Câmara dos Deputados, onde também não tem previsão de quando será votado.

 

Prisões na Lava Jato e em 2ª instância

Apoiadores da Lava Jato têm criticado a possibilidade de o STF rever a própria decisão que determinou o cumprimento da pena de prisão após condenação em 2ª instância e também a possibilidade de o Supremo anular as prisões preventivas decretadas pelo juiz federal Sergio Moro, responsável pela Lava Jato na 1ª instância do Judiciário.

As duas medidas teriam o poder, segundo esse raciocínio, de aliviar a pressão para que outros investigados fechem acordos de delação.

Com a ameaça da prisão mais distante, o incentivo seria maior para que os investigados recorressem a recursos na Justiça para atrasar o andamento dos processos, e a própria condenação, ao invés de fechar uma delação e ter uma redução na pena.

O ministro Gilmar Mendes já afirmou que o STF pode rever sua posição a partir de novo exame da questão pelos ministros.

Mendes também tem sido crítico do suposto prazo alongado das prisões preventivas decretadas por Moro contra investigados e chegou a afirmar que a Lava Jato faz “reféns” para manter o apoio da opinião pública.

Em maio, por 3 votos a 2, e com o apoio de Mendes, a 2ª turma do STF determinou a revogação da prisão do ex-ministro José Dirceu.

Com o placar apertado da decisão, Edson Fachin decidiu levar para análise dos 11 ministros do plenário do STF o pedido de liberdade do ex-ministro Antonio Palocci. O caso não chegou a ser julgado pois Palocci passou a negociar um acordo de colaboração premiada.

10 Medidas no Congresso

Outro ponto de embate sobre as investigações contra corrupção foi a tramitação do projeto de lei, de inciativa do Ministério Público Federal, batizado como “10 medidas contra a corrupção”.

Depois de a Câmara dos Deputados alterar projeto com medidas contra a corrupção, o ministro do STF Luiz Fux determinou que a tramitação do texto voltasse à estaca zero.

Em dezembro do ano passado, Fux suspendeu o andamento do pacote anticorrupção no Senado e ordenou que o projeto voltasse à Câmara para ser rediscutido e votado.

O ministro se justificou afirmando que projetos de lei de iniciativa popular merecem tramitação diferenciada e a Câmara não havia seguido os preceitos legislativos adequados para o projeto.

A proposta surgiu a partir de campanha feita pelo MPF (Ministério Público Federal) intitulada Dez Medidas Contra a Corrupção.

No entanto, na Câmara, teve seis das dez iniciativas sugeridas retiradas e passou a prever casos de responsabilização de juízes e de membros do MP por crimes de abuso de autoridade.

Na época, o texto modificado no Congresso foi duramente criticado pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, procuradores da Lava Jato e pela presidente do STF, Cármen Lúcia.

Por sua vez, a ação do ministro do Supremo foi percebida pelo presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), como uma “intromissão indevida” do Judiciário na Câmara.

Para Maia, o projeto do pacote anticorrupção seguiu a mesma tramitação da Lei da Ficha Limpa, além de ir de acordo com o previsto para leis de iniciativas populares.

‘Estancar essa sangria’

Antes das gravações feitas por Joesley Batista, outro áudio já levantava suspeitas desde o ano passado de uma ação do mundo político contra a Lava Jato.

O senador Romero Jucá (PMDB-RR), um dos principais aliados de Temer, foi gravado em conversa com o ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado sugerindo um pacto político para “estancar essa sangria” representada pela Lava Jato.

No áudio, registrado antes do impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT), Jucá parece sugerir que uma mudança no governo federal poderia resolver o problema.
"Se é político, como é a política? Tem que resolver essa porra. Tem que mudar o governo para estancar essa sangria", diz Jucá.

O senador ainda afirmou, na conversa com Machado, que o governo Michel Temer deveria construir um pacto nacional "com o Supremo, com tudo".

Jucá rejeitou a interpretação dada ao diálogo e afirmou que foi mal interpretado. Ele disse que o termo “sangria” se referia à deterioração da economia sob o governo Dilma.

Ouça trechos das conversas

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