Topo

A delação da JBS pode ser anulada? Entenda o que o STF vai decidir nesta quarta

O ministro Edson Fachin, do STF, relator dos inquéritos relativos à JBS - Marcelo Camargo/Agência Brasil
O ministro Edson Fachin, do STF, relator dos inquéritos relativos à JBS Imagem: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Gustavo Maia e Janaina Garcia

Do UOL, em Brasília e em São Paulo

21/06/2017 04h00

O plenário do STF (Supremo Tribunal Federal) julga nesta quarta-feira (21) um recurso que contesta a homologação da delação da JBS pelo ministro Edson Fachin.

O pedido inicial, apresentado pela defesa do governador do Mato Grosso do Sul, Reinaldo Azambuja (PSDB), que foi citado por delatores, questiona o fato de Fachin ter sido designado como o responsável pela homologação das delações. O ministro é também o relator dos processos da Operação Lava Jato no Supremo.

A alegação é a de que a relatoria deveria ter sido distribuída por sorteio, e não diretamente a Fachin por ele ser o relator da Lava Jato. A defesa de Azambuja pede que, se reconhecido que Fachin não poderia ter homologado a delação, a decisão posterior do ministro de remeter a citação ao governador para investigação pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça) também seja anulada.

Advogados com conhecimento do processo admitem que a decisão do STF sobre a JBS pode, em tese, levar até mesmo ao não aproveitamento dos depoimentos dos delatores como prova nos processos. Ou seja, na prática, pode levar à anulação das delações dos executivos. Esse argumento já foi rebatido pela própria JBS, que atua para que o STF preserve o acordo de colaboração.

No processo, a defesa dos executivos da JBS contestou os questionamentos dos advogados de Azambuja e apresentou manifestação dizendo que mesmo se o ministro não for o relator, isso não deve levar à invalidação da delação.

Ouça a íntegra da conversa entre Temer e Joesley

UOL Notícias

Os advogados também apresentaram uma tabela comparando a delação da JBS com as dos executivos das empreiteiras Odebrecht e Andrade Gutierrez, para mostrar que as de seus clientes entregaram mais crimes, o que justificaria os benefícios recebidos.

O desfecho do julgamento da delação da JBS, no entanto, não deve afetar o acordo de leniência firmado com o MPF (Ministério Público Federal), segundo avaliam membros da Procuradoria.

Isso porque a leniência aborda aspectos de direito civil da atuação da empresa, e a delação trata das repercussões criminais da atuação dos empresários. Além disso, no caso da JBS, a leniência e a delação são dois acordos jurídicos distintos.

Tentar anular delações colocaria "obstáculos às investigações", diz professor da USP

Para especialistas em direito constitucional ouvidos pelo UOL, ainda que não seja certo o destino das delações, a movimentação pela retirada de Fachin da relatoria desse procedimento deve afetar não somente as investigações sobre esquemas grandes de corrupção, como, também, os acordos de leniência.

Para o professor de direito constitucional da Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo) Rubens Beçak, “há um pressentimento” de que as delações da JBS sejam anuladas – mas isso representaria, segundo ele, “uma guinada” por parte do Judiciário semelhante à que se viu no julgamento da chapa Dilma-Temer no TSE (Tribunal Superior Eleitoral), semana passada. Na ocasião, por quatro votos a três, a chapa foi absolvida pelos ministros, que desconsideraram as informações de delações da Odebrecht referentes ao pagamento de caixa 2 nas eleições de 2014.

“Fico assustado e receoso quando vejo que há esse tipo de movimento [por uma eventual anulação das delações], porque entendo que as delações e outros instrumentos têm mostrado claramente seus benefícios nos casos em que a criminalidade é heterodoxa, ou seja, foge do padrão. Impugnar isso, agora, é impugnar, de alguma maneira, a verdade que as delações trouxeram à tona nos fatos investigados”, considerou. “Isso representaria colocar obstáculos à investigação daqueles fatos, e isso é extremamente preocupante”, reforçou.

Na avaliação do professor, o movimento no Supremo para retirar a relatoria de Fachin, contudo, indica ser parte de “uma estratégia política do Planalto” para “construir a sua sobrevivência, em costura com parte da classe jurídica”, à medida em que, se anuladas as delações, se poderia alegar falta de provas em relação às citações ao presidente Michel Temer.

“Fachin assumiu exemplarmente o espírito de muita independência que norteava o ministro Teori Zavascki [morto em janeiro em acidente aéreo]. Ele tem determinado as apurações agindo como tem que agir o Judiciário. Estou achando que parte do Judiciário tenta mudar esse cenário, o que espero que não aconteça. Ainda que seja uma outra instância, em relação ao TSE, o Supremo é um órgão político-jurídico – e será um problema se, como no julgamento da chapa Dilma-Temer, ele não se render às evidências e começar a sufocar uma investigação”, concluiu.

Sobre os acordos de leniência, Beçak observou que, ainda que eles transcorram em esferas distintas do direito –na área cível, enquanto as delações estão na criminal – e que, “tecnicamente, um não influencia o outro”, abre-se um precedente político de que também esse acordo seja afetado caso a relevância das delações volte à estaca zero.

Fachin fora da relatoria da JBS "fatiaria esquema criminoso de muitas conexões", avalia professora da FGV

Também de direito constitucional, mas na FGV (Fundação Getúlio Vargas), em São Paulo, a professora Eloisa Machado afirmou que o julgamento desta quarta-feira deverá se restringir ao alcance da delação e do papel do relator na homologação dela.

“Não se trata ainda de um pedido de anulação – então, o risco de que isso aconteça ainda é muito pequeno, porque se trata muito mais do debate sobre quais são poderes do relator diante de uma delação como o da Odebrecht e da JBS: se ele pode homologar de maneira individual, quando que ele vai fiscalizar termos desse acordo?”, explicou. “E mais especificamente tem outra questão envolvida nesse debate: se o ministro Fachin, que é o relator da Lava Jato no STF, fica com todas as outras delações que são, de certa maneira, desdobramento do pedido inicial da Lava Jato.

Na avaliação da jurista, a saída de Fachin da relatoria seria prejudicial ao curso das investigações no Supremo. “Seria ruim, porque isso fatiaria um mega esquema criminoso que tem muitas conexões. Mudar relator pode significar deixar de entender a articulação entre distintas práticas criminosas”, considerou.

Por outro lado, a constitucionalista declarou que uma eventual alteração da delação da JBS e dos seus termos, ou se eventualmente o STF decidir avaliar a validade de cada uma das suas cláusulas, “isso pode sim, eventualmente, ter impactos no acordo de leniência”.

“Apesar de serem esferas independentes, e negociadas de maneira independente, nesse caso, há algumas normas comunicantes entre a lei da colaboração premiada e a lei anticorrupção, em que, por exemplo, caso se tenha a colaboração de alguém, pode-se reduzir a multa no acordo de leniência. Uma mudança na homologação da delegação poderá sim ter impacto no acordo – mas não sabemos ainda qual vai ser o alcance que o próprio Supremo vai dar a esse debate desta quarta”, concluiu.

Para constitucionalista, "pegaria mal" tirar Fachin da relatoria da JBS

Também constitucionalista, a advogada Vera Chemim considerou que, mesmo que haja mudança de relatoria sobre as delações da JBS, “fato é fato, prova é prova – o que se faria é simplesmente mudar a competência de julgamento no processo”. “Do ponto de vista penal, porém, nada muda. As provas estão ali, não vão desaparecer”, definiu.

Mesmo assim, ela também citou o julgamento da chapa no TSE, semana retrasada, para comparar as situações e ponderar sobre o que avalia como riscos de “ativismo judicial e politização do direito”: “O julgamento da chapa Dilma-Temer abriu um precedente perigoso, grave, porque os julgadores não consideraram as delações da Odebrecht e fizeram uma análise muito mais política e ideológica. As provas estavam lá, as delações poderiam ser levadas em conta”, citou. “Tirar a relatoria de Fachin agora, ou voltar as delações da JBS à estaca zero pegaria mal perante a opinião pública, já que a sociedade está completamente cética com relação ao Congresso, ao próprio Judiciário e tendo em vista que a Lava Jato segue com credibilidade. Esse é o ponto estável que ainda não foi maculado e o que tem resguardado a segurança jurídica por excelência”, considerou.

Governador

azambuja - Moisés Palácios - 26.out.2014 - /Futura Press/Estadão Conteúdo - Moisés Palácios - 26.out.2014 - /Futura Press/Estadão Conteúdo
Julgamento sobre delação da JBS foi motivado pelo governador do MS, Reinaldo Azambuja (PSDB)
Imagem: Moisés Palácios - 26.out.2014 - /Futura Press/Estadão Conteúdo

O autor do pedido de redistribuição do inquérito contra Temer, Reinaldo Azambuja, foi citado pela JBS, e o ministro Fachin autorizou que o conteúdo que o atinge fosse enviado para o STJ (Superior Tribunal de Justiça).

Azambuja e o ex-governador do Mato Grosso do Sul André Puccineli (PSDB-MS) teriam recebido, de acordo com a delação dos executivos da JBS Wesley Mendonça Batista e Valdir Boni, um montante de R$ 150 milhões entre 2007 e 2016 para conceder benefícios fiscais à companhia.

Quando revelada essa informação, Azambuja, em nota oficial, afirmou que dos cinco termos de acordo de incentivos fiscais firmados entre a JBS e o Estado do Mato Grosso do Sul, citados por Batista em delação premiada, apenas um foi assinado em sua gestão.

O governador disse que o acordo foi feito de maneira legal. Azambuja afirmou que recebeu da JBS R$ 10,5 milhões, repassados pelo PSDB, para sua campanha em 2014, dinheiro, segundo ele, regularmente declarado na prestação de contas eleitorais.