Topo

Decisão do STF fortalece delações e denúncia contra Temer?

Gilmar vota para validar delações por decisões do colegiado do STF

UOL Notícias

Aiuri Rebello e Felipe Amorim

Do UOL, em São Paulo e em Brasília

30/06/2017 04h00

O STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu nesta quinta-feira (29) que a Corte não pode revisar as cláusulas dos acordos de colaboração premiada depois de homologados (validados) pelo ministro-relator, a não ser que surjam fatos novos que possam levar à conclusão de que a assinatura do acordo foi feita de forma irregular. Seria o caso, por exemplo, de delatores que não tivessem firmado a colaboração espontaneamente.

O Supremo também decidiu manter o ministro Edson Fachin como relator da delação da JBS, que originou uma investigação contra o presidente Michel Temer (PMDB), e definiu que cabe ao relator dos processos homologar os acordos de colaboração.

Mas em que medida essas decisões podem afetar os acordos de delação premiada e a denúncia contra Temer apresentada pela PGR (Procuradoria-Geral da República) por crime de corrupção passiva? Na avaliação de advogados e professores de Direito ouvidos pelo UOL, o STF garantiu maior segurança para que futuros delatores possam firmar acordos de colaboração, já que limitou as chances de que os termos do acordo sejam revistos.

Quanto à denúncia contra o presidente, os especialistas dizem que, indiretamente, a decisão do Supremo dá mais força à acusação. Isso porque, ao atestar a validade do acordo da JBS, tornou mais difícil que a defesa dos investigados possa contestar judicialmente o acordo de delação, o que poderia até provocar a anulação de provas.

"Ainda que seja de maneira indireta, é claro que acaba fortalecendo essa denúncia", afirma a advogada criminalista Carla Rahal Benedetti, presidente da comissão de compliance do Iasp (Instituto dos Advogados de São Paulo). "Se a gente tivesse a decisão contrária, de que a delação pode ser revista, é obvio que ia ter certa fragilidade a denúncia, porque não se sabe o que seria revisto", afirma.

A advogada, no entanto, lembra que a delação não foi por si só o que levou a PGR (Procuradoria-Geral da República) a apresentar a denúncia, mas sim as provas obtidas durante a investigação.

O que gerou uma denúncia que foi recebida por um ministro do Supremo Tribunal Federal certamente não foi [somente] a homologação. São as provas

Carla Rahal Benedetti

O professor da FGV Direito Rio Thiago Bottino afirma que a decisão do STF dificulta que a validade das provas obtidas com a delação seja contestada por meio de recurso contra o acordo homologado por Fachin.

“A denúncia é baseada nas provas que foram trazidas por esse acordo. Se esse acordo fosse considerado nulo, eu acho que essas provas não poderiam ser utilizadas e aí a denúncia perderia a sua base”, diz.

Já o professor de direito constitucional do IDP (Instituto Brasiliense de Direito Público) e da USP (Universidade de São Paulo) Daniel Falcão diz não ver uma relação direta entre a decisão do Supremo e a acusação contra o presidente.

“Fortalece as investigações no geral, não especificamente no caso de Temer. A JBS delatou quase 2 mil políticos. Mas fortalece a operação [Lava Jato] no geral e a atuação de Fachin”, afirma.

O presidente Michel Temer foi denunciado pelo crime de corrupção passiva com base em investigações iniciadas com as delações de executivos da JBS.

O empresário Joesley Batista, um dos donos da JBS, gravou uma conversa com Temer na qual o presidente parece indicar o ex-deputado Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR) como seu homem de confiança para tratar dos interesses da empresa com o governo.

Posteriormente, Loures foi flagrado recebendo uma mala com R$ 500 mil, sob suspeita de ser propina para que ele atuasse beneficiando o grupo empresarial numa disputa comercial no Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica).

Temer tem negado as acusações e diz que a gravação apresentada por Joesley é “fraudulenta”. A denúncia foi encaminhada à Câmara dos Deputados, a quem cabe autorizar o processo

Especialistas: decisão dá segurança a delações

Os especialistas concordam que a decisão do STF deu maior segurança para que os delatores decidam firmar termos de colaboração, já que limitou a possibilidade de que os acordos sejam alterados posteriormente.

Se o STF tivesse decidido que pode a qualquer momento, diante de recursos, revisar a delação, isso poderia gerar instabilidade e dúvida em possíveis novos delatores se valeria a pena fazer a delação

Daniel Falcão

“A meu ver, acho que a decisão foi a mais acertada, sob pena de a gente ensejar uma insegurança jurídica que não tem fim”, diz Benedetti.

“Essa decisão dá mais segurança à pessoa que faz o acordo. Porque, se fosse decidido que esse acordo pode ser revisto a qualquer momento pelo Judiciário, o réu colaborador teria menos segurança de que ao se incriminar e incriminar outros ele teria de fato aqueles benefícios”, diz Bottino.

Para o professor da FGV, no entanto, o limite à revisão dos acordos traz um ponto negativo. Bottino afirma que a impossibilidade de que os tribunais reexaminem os termos dos acordos dificulta que seja uniformizado o entendimento da Justiça sobre os benefícios concedidos.

O professor critica a falta de uniformidade, por exemplo, na duração das penas negociadas entre diferentes delatores e cita exemplos de benefícios negociados em delações que não teriam previsão na lei, como a manutenção de bens adquiridos de forma ilícita.

"Se você tivesse os tribunais examinando [os acordos], você teria um padrão. Mas se você permite o reexame, você diminui a segurança jurídica. Você tem prós e contras dessa decisão. Coisas que são boas e coisas que não são tão boas", ele diz.

O advogado constitucionalista e professor de Direito Wálter Maierovitch afirma que o entendimento seguido pelo Supremo é o mesmo já adotado em outros países que usam as delações.

“Acredito que o Supremo não errou em colocar essa salvaguarda. A possibilidade de revisão do plenário é em caso de alguma ilegalidade, ou seja, se o acordo trouxer elementos ilegais estes devem declarados como cláusula não escrita – que é quando um elemento ilegal é desconsiderado, sem desqualificar todo o documento. É assim que este entendimento é feito em acordos de delação ao redor do mundo”, afirma.

O professor da faculdade de Direito da USP Floriano de Azevedo Marques afirma que a decisão do Supremo prestigia a atuação do relator, ao mesmo tempo que mantém uma espécie de salvaguarda para que o plenário possa analisar eventual ilegalidade do ato.

“Se houver algum abuso, ele será identificado e revisto no plenário, acho que é esse o recado. O STF confirmou a validade dos acordos e a responsabilidade do relator sobre ele, mas disse que a lei deve ser observada e, se não for, será revista”, diz o professor.