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Como funcionava o "grupo criminoso" identificado por Janot na Câmara

Deputados lotam plenário durante cassação de Eduardo Cunha (PMDB-RJ): preso, ele é considerado pelo MPF um dos líderes do grupo chamado de "PMDB da Câmara" - Pedro Ladeira - 12.set.2016/Folhapress
Deputados lotam plenário durante cassação de Eduardo Cunha (PMDB-RJ): preso, ele é considerado pelo MPF um dos líderes do grupo chamado de "PMDB da Câmara" Imagem: Pedro Ladeira - 12.set.2016/Folhapress

Aiuri Rebello

Do UOL, em São Paulo

22/07/2017 04h00

Um "grupo criminoso"  em plena atividade: assim o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, se referiu na denúncia oferecida contra o presidente Michel Temer (PMDB) e seu ex-assessor Rodrigo Rocha Loures por corrupção passiva ao "núcleo do PMDB na Câmara". Segundo ele, trata-se de um grupo "organizado, comandado e articulado por políticos (...), com o escopo de viabilizar enriquecimento ilícito daqueles e de grupos empresariais, bem como financiar campanhas eleitorais, a partir de desvios políticos de diversas empresas estatais e entes da administração direta e indireta".

Janot descreveu na denúncia como era a atuação de um grupo de políticos do PMDB e de outros partidos na Câmara dos Deputados e no Executivo Federal, alvo de investigação criminal no STF (Supremo Tribunal Federal) sob suspeita de formação de quadrilha.

Conforme avança a Operação Lava Jato e seus desdobramentos, a junção de diversos inquéritos e ações penais com assuntos coincidentes oferece uma perspectiva mais ampla de como funcionavam os esquemas de corrupção envolvendo políticos e grande empresários brasileiros.

No inquérito 4327, aberto para investigar o que a PGR (Procuradoria-Geral da República) chama de "grupo do PMDB na Câmara" e que corre no STF, estão arroladas como suspeitos 15 pessoas, a maioria deputados federais --além do PMDB, a lista traz parlamentares do PSC, do PTB e do PTC.

De acordo com Janot, "vislumbrou-se que os integrantes do chamado 'PMDB da Câmara dos Deputados', arrolados nestes autos, atuavam diretamente na indicação política de pessoas para postos importantes da Petrobras e da Caixa Econômica Federal. Além disso, eram responsáveis pela 'venda' de requerimentos e emendas parlamentares para beneficiar, ao menos, empreiteiras e banqueiros. Outros parlamentares supostamente envolvidos com o grupo não fazem parte desta investigação, mas já respondem a outras ações e inquéritos relacionados ao esquema".

Os políticos citados pela PGR como integrantes do grupo são os deputados federais André Moura (PSC-SE), Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP), Aníbal Gomes (PMDB-CE), Altineu Cortês (PMDB-RJ) e Manoel Júnior (que está licenciado, exercendo a vice-prefeitura de João Pessoa, PMDB-PB). Faria de Sá foi o único deputado que conversou com a reportagem (leia mais abaixo) e afirmou que já prestou depoimento à PF sobre o caso, no final do ano passado, quando a investigação começou.

Os ex-deputados Eduardo Cunha (PMDB-RJ, também ex-presidente da Câmara), Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN, também ex-ministro do Turismo), Alexandre Santos (PMDB-RJ), Carlos Willian (PTC-MG), João Magalhães (PMDB-MG), Nelson Bornier (PMDB-RJ) e Solange Almeida (PMDB-RJ) também são investigados sob suspeita de fazer parte da "quadrilha".

andré esteves - Jean-Christophe Bott/Efe - Jean-Christophe Bott/Efe
O banqueiro André Esteves chegou a ser preso na Operação Lava Jato
Imagem: Jean-Christophe Bott/Efe

Banqueiro e doleiros também são investigados

O banqueiro André Esteves e os operadores financeiros Fernando Soares (também conhecido como Fernando Baiano) e Lúcio Funaro completam a lista de investigados por formação de quadrilha, pelo menos por enquanto. Na semana passada, a PF pediu para que o presidente Michel Temer fosse incluído no inquérito como suspeito na mesma investigação.

Funaro continua na cadeia e tenta negociar uma delação premiada. Fernando Baiano foi condenado na Lava Jato e fechou um acordo de delação.

Os dois eram considerados pelo MPF (Ministério Público Federal) os principais operadores financeiros de políticos do PMDB. Já André Esteves foi preso na Operação Lava Jato em novembro de 2015 e solto pouco depois. Na época, era o principal nome frente ao BTG Pactual e voltou a trabalhar no banco. Ele nega qualquer crime.

Partes da investigação no STF ainda estão sob sigilo de Justiça, então é possível que haja mais nomes já relacionados.

Paralelamente, outros homens fortes de Temer no PMDB e no governo são alvo de inquéritos e ações penais: o ministro-chefe da Secretaria de Governo, Moreira Franco, e o ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, são investigados no STF por suspeita de cobrar e receber propina de empreiteiras. Eles foram delatados por executivos da Odebrecht.

O ex-ministro Geddel Vieira Lima, por sua vez, chegou a ser preso recentemente, acusado de pressionar a mulher de Funaro para que ele não negocie uma delação premiada. Ele é citado em diversas delações no âmbito da Lava Jato, geralmente em assuntos relacionados à Caixa Econômica Federal.

Fora as investigações e ações contra integrantes do PMDB, correm pelo menos outras três de teor semelhante: existe em andamento no STF uma investigação sobre o chamado PMDB no Senado e, além disso, outras duas sobre o PT e o PP também na Câmara.

Henrique Eduardo Alves - Alan Marques/Folhapress - Alan Marques/Folhapress
Henrique Eduardo Alves foi ministro do Turismo e presidente da Câmara
Imagem: Alan Marques/Folhapress

Divisão em núcleos

De acordo com a PGR, a suposta quadrilha do "grupo do PMDB na Câmara" atuava em núcleos bem definidos: político, econômico, operacional e administrativo. "Esses núcleos atuavam com divisão de tarefas, de forma compartimentada e dinâmica, porém harmônica e com interdependência", afirma a PGR na petição inicial.

"O núcleo político indicava e sustentava pessoas do núcleo administrativo que aceitassem interação e articulação com o núcleo econômico para, em conluio, desviarem recursos de empresas da administração pública direta e indireta em decorrência de fraudes em obras, bens e serviços", acusa o procurador-geral. "Posteriormente, havia repasses de vantagens indevidas aos integrantes dos núcleos administrativo e político, através de pagamentos operacionalizados por integrantes do núcleo operacional, ou até mesmo por meio de doações eleitorais declaradas."

Confira abaixo o esquema divisado pela PGR sobre as atuações do suposto "grupo do PMDB na Câmara":

  • Núcleo político - Formado por políticos do PMDB na Câmara e no Poder Executivo federal. Seria o responsável pela indicação e sustentação de membros do núcleo administrativo em cargos públicos estratégicos para atender aos interesses do núcleo econômico. Seriam os principais beneficiários das propinas cobradas dos empresários do núcleo econômico. Segundo Janot, estariam neste grupo, entre outros, André Moura, Arnaldo Faria de Sá, Aníbal Gomes, Altineu Cortês, Manoel Júnior, Eduardo Cunha e Henrique Eduardo Alves. Figuras importantes do PMDB, como Geddel Vieira Lima, Moreira Franco e Eliseu Padilha, não são inicialmente relacionados entre os 15 suspeitos alvos da investigação por formação de quadrilha. Apesar disso, a PGR pede o ajuntamento dos autos de outras investigações sobre estas figuras no inquérito da suposta quadrilha. O UOL procurou todos os citados para saber como se posicionam sobre as suspeitas da PGR; Faria de Sá foi o único deputado que conversou com a reportagem e negou irregularidades (leia mais abaixo).
     
  • Núcleo econômico - Composto por empresas e empresários com atuação no Brasil que possuíam interesses junto à administração federal. Estes empresários pagariam propinas para ver seus interesses atendidos. A propina ia para o setor operacional, que distribuía o dinheiro entre os membros do núcleo político e do núcleo administrativo. Fariam parte deste grupo grandes empresários brasileiros como o banqueiro André Esteves, do banco BTG Pactual. A delação premiada de Joesley Batista e outros executivos da J&F Investimentos, que corrobora e entrega esquemas de corrupção de diversos partidos em várias esferas do governo e do Legislativo federal, faz parte da investigação. Outras grandes empresas cujos executivos já fecharam acordos de delação premiada, como a Odebrecht, também admitiram participação nos esquemas apurados. Procurado, o banco BTG Pactual informa que Esteves nega qualquer irregularidade. Depois que seus executivos fecharam acordos de delação premiada, J&F e Odebrecht têm afirmado, em nota, que estão colaborando com todas as investigações em curso.
     
  • Núcleo administrativo - Formado por indicados do núcleo político para cargos de primeiro e segundo escalão em empresas estatais e outros órgãos públicos. Eram os responsáveis por receber e atender as demandas do núcleo econômico. Em troca, ficavam com uma porcentagem da propina combinada pelo núcleo econômico com o núcleo político. Este núcleo seria composto por pessoas que ocupavam cargos estratégicos em empresas, bancos e outros entes estatais. Entre eles estão Fábio Cleto, ex-presidente do FI-FGTS (Fundo de Investimento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço); Nestor Cerveró, ex-diretor da área Internacional da Petrobras; e o próprio Geddel Vieira Lima, que foi vice-presidente de pessoa jurídica da Caixa entre 2011 e 2013, no governo Dilma Rousseff (PT). O UOL não teve retorno nas tentativas de contato com os advogados dos acusados. 
     
  • Núcleo operacional - Eram os doleiros e operadores financeiros cuja atribuição principal era receber as propinas do núcleo econômico e repassá-la aos integrantes dos núcleos político e administrativo. Também recebiam demandas do núcleo econômico e as repassavam para os núcleos político e administrativo. Seriam integrantes deste grupo os operadores financeiros Lúcio Funaro e Fernando Soares, além do doleiro Alberto Youssef, entre outros. Os três foram presos na Operação Lava Jato. Funaro é o único que ainda não conseguiu fechar um acordo de delação premiada. O UOL não teve retorno nas tentativas de contato com os advogados dos acusados.

Salim Taufic Schahin, do Grupo Schahin, durante depoimento a CPI da Petrobras - Ed Ferreira/Folhapress - Ed Ferreira/Folhapress
Salim Taufic Schahin, do Grupo Schahin, durante depoimento na CPI da Petrobras em 2015: recusa em pagar propina teria rendido convocação, aponta PGR
Imagem: Ed Ferreira/Folhapress

O que os políticos investigados fariam de ilegal

De acordo com a PGR, o grupo, grosso modo, criaria dificuldades para vender facilidades a empresários, inclusive com decisões no Congresso. De acordo com Janot, um exemplo desta atuação aconteceu na CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da Petrobras, em 2015. Os executivos da Schahin teriam sido convocados a depor depois de se recusarem a pagar propina para Eduardo Cunha e seu grupo.

"A maioria dos requerimentos partiram de seis parlamentares ligados a Eduardo Cunha. (...) Destaque-se que, além de não haver indícios de que a Schahin fizesse parte do chamado 'cartel VIP' de empreiteiras que atuaram perante a Petrobras, a CPI não demonstrou o mesmo interesse com outros diretores de empresas diretamente envolvidas no cartel", afirma Janot no inquérito sobre o grupo do PMDB na Câmara.

No ano passado, um dos sócios da Engevix afirmou ao juiz Sergio Moro que havia pagado propina a políticos para não depor na CPI. Delatores da Odebrecht também confessaram à Justiça que a empresa comprou a edição de Medidas Provisórias no Congresso entre 2009 e 2013.

Existe também a expectativa de a PGR abrir uma nova investigação contra o presidente Michel Temer, desta vez sob a suspeita de ter beneficiado um grupo empresarial que atua no porto de Santos com a edição de um decreto que renovava a concessão do local por 30 anos. 

Na Caixa, esquemas de corrupção de integrantes do PMDB foram delatados por Fábio Cleto e pelo empresário Joesley Batista, dono da J&F. Considerado pela Lava Jato como o principal operador financeiro de Cunha, Funaro também tenta fechar acordo de delação premiada com a PGR e, entre coisas, promete detalhar a corrupção na Caixa.

Sobre a Petrobras, a PGR relembra que foi lá que começou a Operação Lava Jato e desde o princípio apontou o envolvimento de nomes do PT, PMDB e PP. "Com relação à Petrobras, em tese, a atuação da organização criminosa em questão agiria para indicar e dar sustentação à pessoa que ocupasse a Diretoria Internacional da Petrobras a qual, segundo partilha dos partidos políticos, era destinada ao PMDB", diz o procurador-geral na ação.

Neste ano, Eduardo Cunha foi condenado a 15 anos e quatro meses de prisão por conta de esquemas de corrupção na Petrobras. Ele responde a outros processos. Ex-diretores da empresa e operadores financeiros do PMDB também já foram condenados por desvios na companhia estatal. 

Apenas em Curitiba, onde tudo começou, a Operação Lava Jato já teve 41 etapas e ainda tem 40 ações penais em andamento.

 ARNALDO FARIA DE SÁ (PTB/SP) - Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados - Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados
O deputado federal Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP) nega envolvimento na "quadrilha" e diz que já prestou depoimento na PF sobre o caso
Imagem: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados

"Todas as denúncias devem ser apuradas"

De acordo com o deputado Arnaldo Faria de Sá, o nome dele aparece no inquérito conduzido pela PGR porque era 3° sub-relator da CPI da Petrobras e convocou executivos do grupo Schahin para depor. Ele diz que o caso envolvendo a Schahin e a Petrobras já foi julgado e encerrado pelo juiz Sergio Moro. Sobre a eventual corrupção de políticos do PMDB e de outros partidos na Câmara, o deputado diz que "os casos de que tenho conhecimento são aqueles divulgados pela mídia impressa, escrita e falada".

"Todas as denúncias devem ser apuradas, essa é a minha opinião, razão pela qual fui retirado da Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania, da Câmara dos Deputados, quando da votação da admissibilidade do afastamento do presidente Temer", afirma Faria de Sá. "O mesmo aconteceu, também, no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados, quando votei pela admissibilidade da representação contra o então presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha", completa o deputado.

A assessoria de imprensa do banco BTG Pactual diz que a defesa dele reafirma que o banqueiro não cometeu nenhuma irregularidade.

O UOL procurou os partidos, políticos e pessoas citados na reportagem, por meio de suas assessorias de imprensa e advogados, mas não obteve respostas até a publicação do material. A reportagem não conseguiu contato com os ex-deputados Carlos Willian, Alexandre Santos, João Magalhães, Nelson Burnier e Solange Almeida; além da defesa do operador financeiro Fernando Soares.