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PMDB replicou 'taxa de oxigênio' da gestão Cabral em esquema na Prefeitura do Rio, diz Lava Jato

25.mai.2012 Alexandre Pinto (centro), ex-secretário municipal de Obras, em evento público ao lado do vice-governador Francisco Dornelles (PP), à esq., e o então prefeito Eduardo Paes (PMDB), à dir. - Luiz Ackermann/Agência O Globo
25.mai.2012 Alexandre Pinto (centro), ex-secretário municipal de Obras, em evento público ao lado do vice-governador Francisco Dornelles (PP), à esq., e o então prefeito Eduardo Paes (PMDB), à dir. Imagem: Luiz Ackermann/Agência O Globo

Hanrrikson de Andrade

Do UOL, no Rio

03/08/2017 12h44Atualizada em 03/08/2017 17h48

O esquema de propina descoberto pela força-tarefa da Operação Lava Jato na Secretaria Municipal de Obras do Rio era uma reprodução, segundo os investigadores, da chamada "taxa de oxigênio", percentual de 1% supostamente cobrado na gestão do ex-governador Sérgio Cabral (PMDB), preso desde novembro do ano passado, sobre os contratos da Secretaria de Estado de Obras com empreiteiras.

De acordo com o MPF (Ministério Público Federal), que coordena a apuração, a percepção de valores ilícitos na pasta municipal era coordenada pelo ex-secretário de Obras Alexandre Pinto, preso na manhã desta quinta-feira (3) pela Policia Federal, na Operação Rio 40 Graus.

Os supostos pagamentos eram feitos em troca de vantagens em duas grandes obras da prefeitura: a construção do BRT Transcarioca (corredor expresso de ônibus), no trecho entre o aeroporto do Galeão e o bairro da Penha, zona norte, e a despoluição da bacia de Jacarepaguá, localizada na zona oeste carioca. Pinto teria cobrado 1% sobre cada um dos dois contratos.

O ex-secretário era um dos nomes da equipe do ex-prefeito Eduardo Paes, também do PMDB, que governou a cidade entre 2009 e 2016.

"Dá para perceber a conexão entre os dois esquemas [os das secretarias municipal e estadual], é o motivo pelo qual está se chegando a uma nova frente. A organização criminosa liderada pelo Cabral também se estendeu a outras ramificações do PMDB", afirmou o procurador federal Rafael Barreto.

A força-tarefa da Lava Jato afirmou que, até o momento, não há indícios de que Paes esteja envolvido com o esquema. "Investigamos fatos, e não pessoas", comentou Barreto. "Naturalmente, as investigações continuam."

O também procurador federal Sérgio Pinel afirmou que existem "pontos de contato" entre as irregularidades observadas nos governos estadual e municipal, principalmente o fato de que o PMDB era a sigla dominante nas duas esferas. Segundo ele, tais conexões podem se estender a outras pastas --como Transporte, Saúde e outras.

O esquema de propina na Secretaria Municipal de Obras teria começado em 2011, junto com as obras do BRT Transcarioca --projeto que fazia parte da matriz de investimentos para a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016. As investigações começaram a partir de delações de executivos da Carioca Engenharia, que realizava os pagamentos aos agentes públicos.

A Operação Rio 40 Graus é um dos desdobramentos da Operação Lava Jato no Rio, que, pela primeira vez, chega à Prefeitura do Rio. Até então, as irregularidades apuradas se limitavam a indícios de denúncias de corrupção em âmbito federal e, sobretudo, aos contratos do governo do Estado, durante a gestão de Cabral. Na versão do Ministério Público Federal, o ex-governador chefiava uma "organização criminosa" que teria institucionalizado a propina, com percentuais fixos e padronizados, e desviado dos cofres do Estado cifras milionárias.

No total, na ação desta quinta, dez pessoas foram presas, sendo nove em caráter preventivo e a restante, temporário. Os agentes da PF cumpriram ainda 18 mandados de busca e apreensão e buscavam, até 13h, cumprir três mandados de condução coercitiva. Durante as diligências, foram apreendidas joias, pedras preciosas (esmeraldas), dinheiro em espécie, entre outros bens ainda não contabilizados. Um dos suspeitos possuía em casa um arsenal de armas de grosso calibre --o material também foi confiscado.

Todas as ordens judiciais foram expedidas pela 7ª Vara Federal Criminal (RJ), do juiz Marcelo Bretas, responsável pelas ações penais da Lava Jato. Além do Rio de Janeiro, também houve cumprimento de mandados em São Paulo e em Recife.

UOL está tentando contato com a defesa de Pinto e com a dos demais suspeitos. O PMDB foi procurado pela reportagem, mas ainda não se manifestou.

Por meio de nota, Eduardo Paes informou que o ex-secretário é "um servidor de carreira da Prefeitura do Rio".

"A política não teve qualquer relação com sua nomeação para a função de secretário de obras. Ao contrário! Caso confirmadas as acusações, será uma grande decepção o resultado dessa investigação", afirmou o ex-prefeito.

Procurada, a Prefeitura do Rio informou que dois dos servidores presos nesta quinta ocupam cargos comissionados na Secretaria de Infraestrutura, Urbanismo e Habitação desde a gestão passada e serão exonerados hoje por decisão do atual, prefeito Marcelo Crivella (PRB), e do secretário Indio da Costa (PSD). Outro suspeito que trabalhava na Fundação Rio Águas em cargo comissionado também será exonerado.

Sobre o ex-secretário de Obras, a prefeitura informou que ele foi cedido à Câmara Municipal na gestão passada, em 29 de dezembro de 2016.

O Ministério das Cidades informou que, até o presente momento, não foi notificado e não teve acesso ao teor das investigações da Operação Rio 40 Graus.

O MPF informou que os presos serão indiciados por corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa.

Pedido de propina soma R$ 36 milhões

De acordo com as investigações, os suspeitos solicitaram, desde 2011, cerca de R$ 36 milhões de propina referente a obras do BRT Transcarioca (projeto orçado em R$ 540 milhões) e do Programa de Recuperação Ambiental da Bacia de Jacarepaguá (cujo custo inicial foi orçado em R$ 230 milhões).

Desse montante, R$ 27 milhões têm relação com a construção do corredor expressão de ônibus, e R$ 9 milhões com as intervenções para despoluição das lagoas de Jacarepaguá. O MPF e a Polícia Federal ainda estão apurando os valores que foram efetivamente pagos.

O procurador Rafael Barreto explicou que parte da propina solicitada não foi paga pela Carioca Engenharia. Isso porque, no caso do programa de recuperação ambiental, apenas 70% das obras foram concluídas.

Além disso, os avanços da Lava Jato em relação às atividades ilícitas da empreiteira também ajudaram a desacelerar o esquema vigente na Secretaria Municipal de Obras, explicou o procurador.

A investigação da Lava Jato aponta que, além do ex-secretário Alexandre Pinto, houve percepção de vantagens ilícitas por parte de fiscais da prefeitura designados para acompanhar as obras dos dois empreendimentos e de um homem identificado como Laudo Dalla Costa Ziani --todos foram detidos nesta manhã.

Ziani seria, narra o MPF, um lobista "influente" no Ministério das Cidades e teria recebido propina --1% sobre o contrato do BRT Transcarioca-- para agilizar a liberação de recursos federais destinados à construção do corredor expresso de ônibus.

No total, segundo cálculo da Lava Jato, o lobista recebeu R$ 6,5 milhões. A transferência desse valor teria ocorrido por meio de um contrato fictício com um escritório de advocacia, cuja proprietária também foi presa na Operação Rio 40 Graus.

Dinheiro em canteiro de obra

A apuração da força-tarefa aponta que dois fiscais detidos na Operação Rio 40 Graus teriam exigido 3% de propina sobre o valor executado no BRT Transcarioca. O dinheiro era pago em espécie "ao final do expediente no próprio canteiro de obras" por funcionários da Carioca Engenharia sempre que a Prefeitura do Rio "liquidava parte do contrato", narra o MPF.

O esquema funcionava de forma similar nas obras de recuperação ambiental da bacia de Jacarepaguá. O projeto, desenvolvido e executado pelo consórcio Rios de Jacarepaguá, composto pela Carioca Engenharia e pela Andrade Gutierrez, teria dado origem ao pagamento de 1% de propina para Alexandre Pinto, de acordo com as investigações. Outros 3% seriam divididos entre três fiscais.

Em nota, o PMDB fluminense afirmou que "nunca influenciou direta ou indiretamente na administração do Estado nem de quaisquer de suas prefeituras, cabendo a responsabilidade da escolha de seus secretários sempre aos chefes do Executivo". "Tentar envolver o PMDB RJ é uma leviandade. No caso específico do Rio de Janeiro, as pessoas envolvidas são funcionários de carreira da Prefeitura e não têm qualquer vinculação partidária", diz o partido.