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Defesa diz que réu na Lava Jato do RJ era "mero office-boy" da propina

Hudson Braga (foto), que comandou a Secretaria Estadual de Obras, tinha Wagner Jordão Garcia como assessor. Ambos foram presos na Operação Calicute, realizada em novembro de 2016 - Divulgação
Hudson Braga (foto), que comandou a Secretaria Estadual de Obras, tinha Wagner Jordão Garcia como assessor. Ambos foram presos na Operação Calicute, realizada em novembro de 2016 Imagem: Divulgação

Hanrrikson de Andrade

Do UOL, no Rio

17/08/2017 04h00

"Por que uma pessoa com estas pouquíssimas qualidades intelectuais seria escolhida para gerenciar o pagamento de propinas? Cargo de confiança e extrema responsabilidade dentro do esquema deflagrado. Não faz sentido Exa.!".

Este é um dos trechos das alegações finais de Wagner Jordão Garcia, preso desde novembro do ano passado, junto com ex-governador Sérgio Cabral (PMDB) e outros investigados da Operação Calicute, o principal desdobramento da Lava Jato no Rio de Janeiro. Jordão era assessor do ex-secretário de Estado de Obras Hudson Braga, também preso na Calicute.

Na versão da defesa, o réu, "uma pessoa sem instrução" e dono de uma "vida comum de classe média", atuava como "mero office-boy" de esquema de propina que, de 2007 a 2016, beneficiou empreiteiras mediante pagamento de vantagens ilícitas a agentes públicos do Estado.

"Evidentemente, Exa., uma das funções inerente ao cargo de assessor, ocupado pelo réu, era o recolhimento de uma gama infinita de documentos, que, pela notória importância de documentos públicos vinham em sua maioria esmagadora em envelopes ou pacotes lacrados."

"Assim, principalmente por se tratar de um mero "Office-boy", o fato de o réu ser ordenado para buscar um documento, era algo corriqueiro, o que, não pode ser confundido com uma ordem manifestamente ilegal", sustenta a defesa.

Na denúncia oferecida à 7ª Vara Federal Criminal (RJ), do juiz Marcelo Bretas, o MPF (Ministério Público Federal) relata que Jordão era o responsável pelo recebimento da chamada "taxa de oxigênio" --nome dado à propina de 1% sobre contratos da secretaria com empreiteiras.

O réu é acusado de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, além de crime de quadrilha e pertinência a organização criminosa.

Em interrogatório realizado em maio deste ano, Jordão confessou ao magistrado da 7ª Vara Federal Criminal que recebia envelopes com dinheiro, mas disse que não era beneficiário da propina paga pela Andrade Gutierrez. Os pagamentos foram confirmados pelos delatores Alberto Quintaes e Rafael Campello --ex-executivos da empreiteira.

"O senhor nega isso?", questionou Bretas, em referência à denúncia de que ele era o responsável por transportar as quantias.

"Não, não. Eu pegava. Quando eu descobri o que que era que eu estava transportando... Por isso que eu me apressei em sair", respondeu o réu.

Jordão disse, na ocasião, que desempenhava função de "office-boy de luxo" e que respondia diretamente a Hudson Braga, que antes de se tornar secretário era o segundo homem do alto escalão da pasta. Ele assumiu a chefia quando o atual governador Luiz Fernando Pezão (PMDB) deixou o cargo, em 2011.

Choro e "perdão ao povo do Rio"

No mesmo depoimento ao juiz da 7ª Vara, o ex-assessor da Secretaria de Estado de Obras chorou, "pediu perdão ao povo do Rio" e reclamou de suas condições na prisão. "Acordo todo dia com quatro baratas", disse. "Pelo crime que cometi. Eu cometi um crime. (...) Quero pedir perdão ao povo do Rio. Sei que eu errei."

A Procuradoria da República afirma que, de 2008 a 2011, Jordão recebeu 24 parcelas mensais no valor de pouco mais de R$ 1,8 milhão, valor que corresponde à totalidade da "taxa de oxigênio".

"As parcelas iniciais tinham valores em torno de R$ 58.000,00, passando para quase R$ 90.000,00 em momento posterior, chegando a atingir os montantes de quase R$ 117.000,00 ao final do período mencionado", narra a denúncia do MPF. O dinheiro era distribuído internamente entre Braga e funcionários da Secretaria de Estado de Obras.

A acusação relata ainda ter identificado, a partir da quebra de sigilo bancário e fiscal de Jordão, depósitos de mais de R$ 2,2 milhões em sua conta pessoal no período de 2005 a 2016. O volume das entradas teria aumentado "de maneira coincidente com o período do governo de Sérgio Cabral" e no período em que Jordão trabalhou como assessor do ex-secretário.

Com base em informações da Receita, os investigadores também concluíram que as contas de Jordão apresentaram "movimentação financeira incompatível nos anos de 2008, 2009, 2010, 2013 e 2014".

Ex-secretário confirma 'taxa de oxigênio'

À Justiça Federal, em maio, Braga confirmou ter cobrado da Andrade Gutierrez o percentual de 1% sobre os contratos com a pasta de Obras do Estado, conforme versão apresentada pelos delatores da empreiteira. A taxa de oxigênio serviria, segundo ele, para "melhorar o salário das pessoas envolvidas".

Nas alegações finais, a defesa de Jordão requer a absolvição do réu, em todos os crimes imputados, por este ter agido sob "estrita obediência a ordem de superior hierárquico".

"A famigerada taxa de oxigênio tinha como destinatário final, ou seja, agregava ao patrimônio do Sr. Hudson Braga". "Isto posto, salta aos olhos que o réu, ao buscar os projetos, que, posteriormente teve ciência que eram o pagamento da propina denominada taxa de oxigênio, estava estritamente cumprindo ordens de seu superior hierárquico."

Os advogados de Jordão argumentam que o réu recebia os envelopes com dinheiro de forma "ingênua e ignorante" e frisam que, ao descobrir que integrava um esquema criminoso, teria se prontificado a se desligar da Secretaria de Estado de Obras.

O ex-assessor também nega ter cometido os crimes de lavagem de dinheiro, alegando que todos os seus ganhos foram lícitos. Ele ainda nega ter feito parte de uma organização criminosa supostamente chefiada, na ponta mais alta, pelo ex-governador Sérgio Cabral.