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Em ato de apoio a Bretas, Caetano diz discordar de Gilmar e vê ameaça à Lava Jato

24.ago.2017 - Artistas participaram de ato em apoio ao juiz Marcelo Bretas, no Rio - Paula Bianchi/UOL
24.ago.2017 - Artistas participaram de ato em apoio ao juiz Marcelo Bretas, no Rio Imagem: Paula Bianchi/UOL

Paula Bianchi

Do UOL, no Rio

24/08/2017 17h53

Juízes, integrantes da força-tarefa da Lava Jato do Rio de Janeiro e artistas participaram nesta quinta-feira (24) de ato na capital fluminense em apoio ao juiz Marcelo Bretas, que comanda a 7ª Vara Criminal Federal, ante declarações do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes. Nesta semana, Gilmar e o juiz da 1ª instância da Justiça Federal do Rio, responsável pelas ações penais desdobramentos da Lava Jato, travaram queda braço após o ministro do Supremo colocar em liberdade empresários denunciados por corrupção pelo MPF (Ministério Público Federal).

Além dos procuradores e juízes, participaram do ato, que contou com a presença de Bretas, o compositor Caetano Veloso e os atores Marcelo Serrado e Cristiane Torloni. Também compareceram ao evento, que aconteceu em frente à sede da Justiça Federal na zona portuária do Rio, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-PE) e o deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL).

Ao fim do ato, um grupo de artistas abriu uma faixa com os dizeres "Bretas, tamo junto". O juiz Bretas não discursou durante o ato e deixou o local sem falar com a imprensa.

Caetano afirmou que compareceu para apoiar o magistrado, com quem disse se identificar. "Nós, como artistas, somos uma parte da sociedade. A independência do Judiciário, bem como do Ministério Público é um dos pontos mais importantes da Constituição de 1988." Ele evitou falar diretamente sobre o ministro do STF, mas afirmou discordar do mesmo.

Questionado sobre o que acha de Gilmar, Caetano respondeu: "eu discordo. Estou aqui apoiando o Marcelo Bretas honrosamente em nome da minha classe. É uma parte da sociedade que está presente e está dizendo que não aceita qualquer coisa". Ainda perguntado se vê ameaça à Lava Jato, Caetano limitou-se a responder que sim.

"Ninguém pode comparar ninguém a um animal"

Na última sexta-feira (18), Gilmar classificou como "atípico" o fato de Bretas ter expedido novos mandados de prisão preventiva contra o empresário Jacob Barata Filho e o ex-presidente da Fetranspor (Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado do Rio) Lélis Teixeira, pouco depois de o próprio Mendes ter concedido um habeas corpus a ambos.

"Isso é atípico. E em geral o rabo não abana o cachorro, é o cachorro que abana o rabo", afirmou Gilmar, em rápida entrevista a jornalistas na sede do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) em Brasília.

Roberto Veloso, presidente da Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil), condenou a declaração de Gilmar e disse que toda a magistratura se sentiu ofendida. Para ele, Gilmar faz coro ao que chamou de "processo de intimidação de juízes".

"Ninguém pode comparar ninguém, seja um ministro ou um juiz, a um animal. Um membro da mais alta Corte está denegrindo os próprios membros do Judiciário. Isso é inaceitável", afirmou.

Roberto Veloso diz esperar que a presidente do Supremo se posicione a respeito. Questionado se as declarações de Mendes seriam suficientes para causar o impeachment do ministro, ele afirmou que cabe às instâncias responsáveis analisarem o pedido.

"É um ato em defesa das investigações no Brasil. Há uma orquestração contra a Lava Jato. O caso do juiz Bretas não é um caso isolado. Estão se criando diversas medidas para enfraquecer o Judiciário. Já soltamos inúmeras notas contra as atitudes do ministro Gilmar Mendes. Chegamos a um ponto em que cansamos de emitir notas", afirmou Veloso, acrescentando que Gilmar tem "extrapolado". "Ele [Gilmar] tem todo o direito de ir contra uma decisão, mas isso se faz nos autos", completou.

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, solicitou na última segunda-feira (21) à ministra Cármen Lúcia a suspensão de Gilmar dos casos envolvendo os empresários do setor de transportes Jacob Barata Filho e Lélis Marcos Teixeira. O pedido foi feito após a Lava Jato no Rio apontar que o ministro e os empresários têm vínculos sociais e profissionais.

Nesta quinta, a ANPR (Associação Nacional de Procuradores da República) divulgou carta aberta na qual cobra do STF que "contenha" o ministro Gilmar Mendes, abrindo nova página no confronto público entre representantes do Ministério Público Federal e o magistrado. Na carta, a associação questiona a Corte em relação aos pedidos de suspeição e impedimento feito por Janot.

"No nosso ofício nós aprendemos a discordar sem ofender", afirmou a representante da Associação dos Procuradores da República, Maria Cristina Cordeiro. Para ela, as ações em curso sinalizam uma forma de enfraquecer a Lava Jato. "É urgente que a ministra Cármen Lúcia [presidente do STF] coloque o pedido de suspeição do ministro Gilmar Mendes em julgamento", cobrou.

O procurador da República e integrante da Lava Jato no Rio Sérgio Pinel disse ver com preocupação as declarações de Gilmar Mendes. "Esse ato é um ato em preservação da independência do Judiciário. É grave o ministro adjetivar membros do MP. Mais grave é se expressar fora dos autos."

Sérgio Pinel contou que a equipe da Lava Jato no Rio preferiu responder com bom humor ao ministro do STF. Uma das primeiras ações dos promotores foi trocar o nome do grupo da força-tarefa no WhatsApp para "trêfegos e barulhentos", adjetivos usados por Mendes para falar dos procuradores.

O ator Marcelo Serrado, que representa o juiz Sergio Moro em filme sobre a Lava Jato, afirmou que "Gilmar Mendes conseguiu unir pessoas que pensam muito diferente e estão aqui hoje. Essa questão do Gilmar Mendes mexeu com a alma. É uma questão maior".

A reportagem do UOL entrou em contato com a assessoria do ministro Gilmar Mendes sobre as críticas, mas ainda não obteve resposta.

'Duelo' de decisões

Na semana passada, o ministro do STF concedeu habeas corpus ao empresário Jacob Barata Filho, conhecido como "Rei do Ônibus” e que estava preso preventivamente por suspeita de corrupção na Operação Ponto Final, desdobramento da Lava Jato no Rio. A operação desmantelou suposto esquema da cúpula do transporte coletivo que, segundo investigações, pagava propina em troca de vantagens junto ao governo fluminense, à época do governo de Sérgio Cabral (PMDB).

Pouco depois, o juiz Bretas determinou nova prisão preventiva contra Barata Filho. Na sexta (18), Gilmar apresentou nova decisão e soltou o empresário.

Após a sucessão de habeas corpus, a Procuradoria-Geral da República pediu a suspeição de Gilmar Mendes nesse caso, que ainda não foi julgada pela presidente do STF, ministra Cármen Lúcia.

Na quarta-feira passada (23), Gilmar concedeu habeas corpus a mais três pessoas ligadas a suposto esquema de corrupção do ex-governador Cabral, também investigado pela Ponto Final.

Além de Barata, foram beneficiados com medidas alternativas à prisão o ex-presidente do Detro (Departamento Estadual de Transporte Rodoviário) Rogério Onofre, sua mulher Dayse Debora e David Augusto Sampaio. Nesta quinta-feira, novo pedido de prisão contra Onofre foi encaminhado à Justiça pelo MPF.

No total, nove investigados da Ponto Final já foram beneficiados por habeas corpus de Gilmar.