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Fraudes, apartamento e instituto: entenda a ação pela qual Lula será interrogado nesta 4ª

Dida Sampaio/Estadão Conteúdo
Imagem: Dida Sampaio/Estadão Conteúdo

Nathan Lopes

Do UOL, em Curitiba

13/09/2017 04h00

Quatro meses após ser interrogado pelo juiz Sérgio Moro na ação penal que ficou conhecida como a do ‘tríplex no Guarujá (SP)’ e na qual foi condenado a 9 anos e meio de prisão em julho, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltará a ser ouvido pelo magistrado nesta quarta-feira (13), em Curitiba.

Desta vez, o petista será interrogado no processo em que é réu por suspeita de envolvimento em um esquema de corrupção envolvendo oito contratos, firmados de 2004 a 2012, entre a empreiteira Odebrecht e a Petrobras. Sobre ele recaem acusações de nove crimes de corrupção passiva e 94 de lavagem de ativos. A defesa do petista nega as incriminações.

Segundo denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal, o ex-presidente teria recebido a promessa de um terreno para a instalação do Instituto Lula. A oferta, ainda de acordo com o MPF, foi feita pelo ex-presidente da Odebrecht, Marcelo Odebrecht, em função de Lula ter mantido os executivos Renato Duque e Paulo Roberto Costa em diretorias da Petrobras. Isso teria permitido fraudes e desvios de R$ 75,4 milhões em licitações que contavam com a participação da empreiteira. Desse valor, R$ 12,4 milhões estariam ligados ao caso do terreno.

Terreno na zona sul de São Paulo foi comprado para ser a sede do Instituto Lula - 20.dez.2016 - Adriano Vizoni/Folhapress - 20.dez.2016 - Adriano Vizoni/Folhapress
Terreno na zona sul de São Paulo foi comprado para ser sede do Instituto Lula
Imagem: 20.dez.2016 - Adriano Vizoni/Folhapress

Lula também teria recebido da Odebrecht R$ 504 mil “por meio de expedientes de ocultação e dissimulação de propriedade de bens e valores, isto é, mediante atos de lavagem de dinheiro”, diz o MPF. Essa quantia seria referente ao apartamento vizinho àquele em que ele vive, em São Bernardo do Campo (SP).

A origem: "Esquema estrondoso" na Petrobras

Tanto esta denúncia quanto a primeira, que levou o ex-presidente a ser condenado, partem de um mesmo ponto: um “estrondoso esquema criminoso capitaneado por Lula não só para enriquecimento ilícito, mas, especialmente, para alcançar governabilidade com base em práticas corruptas e perpetuação criminosa no poder”, diz a força-tarefa da Operação Lava Jato.

Segundo o MPF, os benefícios chegariam a Lula “direta e indiretamente” para manter o poder no governo. “Nesse contexto, a expansão de novos e grandiosos projetos de infraestrutura, incluindo a reforma e a construção de refinarias, de plataformas e sondas, criou um cenário propício para o desenvolvimento de práticas corruptas”.

Ainda de acordo com os procuradores, o ex-presidente “agiu para que Duque e Costa fossem nomeados e mantidos em altos cargos da Petrobras”. “Isso foi feito com o intuito de que tais funcionários permanecessem comprometidos com a arrecadação de vantagens indevidas decorrentes de contratos entre a Petrobras e empreiteiras, como a Odebrecht”, afirma a força-tarefa.

Em seu primeiro interrogatório, no dia 10 de maio, Lula negou a Moro que tivesse influência na rotina da Petrobras. “O presidente da República não participa do dia a dia, da semana, do mês a mês. Como eu disse ao senhor, o presidente da República ele participa de raríssimas reuniões”, disse o petista.

Apesar da negativa de Lula, Moro concluiu, na sentença do primeiro processo, que havia sido provado “o esquema criminoso que vitimou a Petrobras e que envolvia ajustes fraudulentos de licitação e o pagamento de vantagem indevida a agentes da Petrobras, a agentes políticos e a partidos políticos”. Sobre Lula, ele disse que o ex-presidente “tinha um papel relevante no esquema criminoso”.

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As licitações fraudadas

A Lava Jato aponta que os benefícios pagos pela Odebrecht por meio de seu “caixa geral de propinas” visavam quitar gastos de campanha de integrantes do PT “e também viabilizar o enriquecimento ilícito de membros da agremiação, dentre os quais Lula”.

A força-tarefa ainda afirma que o ex-presidente “recebeu vantagens indevidas durante e após o término de seu mandato presidencial” por causa de contratos de longa duração e de aditivos.

Nesse esquema, a Odebrecht foi beneficiada nos seguintes consórcios, aponta o MPF:

  • CONPAR: contratado pela Petrobras para a execução de obras na Repar (Refinaria Getúlio Vargas); desvios de R$ 35,6 milhões
  • CONSÓRCIO REFINARIA ABREU E LIMA: contratado pela Petrobras para a execução da terraplanagem da área destinada à construção e montagem da RNEST (Refinaria do Nordeste); desvios de R$ 4 milhões
  • CONSÓRCIO TERRAPLANAGEM COMPERJ: contratado pela Petrobras para a execução de serviços de terraplenagem, drenagem e anel viário da área do futuro Comperj (Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro); desvios de R$ 11,7 milhões
  • ODEBEI: contratado pela Petrobras para a execução das obras de construção e montagem da UPCGN 2 (Unidade de Processamento de Condensado de Gás Natural 2) e seus off-sites, e da ampliação dos Sistemas de Compressão, Ar Comprimido e de Água de Resfriamento do TECAB (Terminal de Cabiúnas): desvios de R$ 1,6 milhão
  • ODEBEI PLANGÁS: contratado pela Petrobras para a execução dos serviços de Implementação da UPCGN 3 (Unidade de Processamento de Gás Natural 3), seus Offsites, Interligações e Utilidades (Torre de Resfriamento e Sistema de Ar Comprimido) do TECAB (Terminal de Cabiúnas): desvios de R$ 4,5 milhões
  • ODEBEI FLARE: contratado pela Petrobras para a construção e montagem do novo sistema de Tocha do tipo Ground Flare e suas interligações no TECAB (Terminal de Cabiúnas): desvios de R$ 1,4 milhão
  • ODETECH: contratado pela TAG S.A. (Transportadora Associada De Gás S.A.), subsidiária integral da Petrobras GÁS S.A, para a execução das obras de construção e montagem do gasoduto GASDUC III – Pacote 1: desvios de R$ 7,5 milhões
  • CONSÓRCIO RIO PARAGUAÇU: contratado pela Petrobras para a construção das plataformas de perfuração autoelevatórias P-59 e P-60: US$ 4,8 milhões

As vantagens por esses desvios foram “prometidas e oferecidas, direta e indiretamente, por Marcelo Odebrecht a Lula, Renato Duque, Paulo Roberto Costa e Pedro Barusco [os últimos três, executivos da Petobras] para determiná-los a, infringindo deveres legais, praticar e omitir atos de ofício no interesse dos referidos contratos”, pontuaram os procuradores, que contabilizaram desvios de ao menos R$ 75,4 milhões. O ex-presidente teria “ciência acerca do uso dos cargos para a arrecadação, junto a empresários com contratos públicos, de propinas para distribuição a agentes e partidos políticos”.

O petista é responsabilizado pelos procuradores por agir pela “manutenção do esquema e a permanência desses diretores [Duque, Costa e Barusco] nos respectivos cargos”. Na denúncia, os procuradores inclusive dedicam um item apenas para “a ação criminosa de Lula”. De acordo com eles, o ex-presidente “dominava toda a empreitada criminosa, com plenos poderes para decidir sobre sua prática, interrupção e circunstâncias”.

Os atos de Lula, quando analisados em conjunto e em seu contexto, revelam uma ação coordenada por ele, desde o início, com a nomeação de agentes públicos comprometidos com o desvio de recursos públicos para agentes e agremiações políticas, como foi o caso dos diretores da Petrobras, até a produção do resultado, isto é, a efetiva corrupção para atingir aquelas três finalidades [enriquecer ilicitamente, obter recursos para um projeto de poder e garantir a governabilidade].

Trecho da denúncia da força-tarefa da Lava Jato

O terreno

Segundo a denúncia, um imóvel para a instalação do Instituto Lula foi oferecido e prometido por Marcelo Odebrecht ao ex-presidente, que teria solicitado e aceitado a oferta. A vantagem indevida seria no valor de R$ 12,4 milhões. A quantia “servia, ainda, como forma de permitir que os pleitos ilícitos da Odebrecht, trazidos ao conhecimento do petista por intermédio de Antonio Palocci [ex-ministro dos governos de Lula e Dilma Rousseff (PT)], continuassem a ser bem atendidos perante a Administração Pública Federal”.

A Polícia Federal encontrou, na casa de Lula, uma cópia do contrato de opção de compra do terreno em que o pecuarista José Carlos Bumlai, amigo do ex-presidente, figurava como comprador.

O petista ainda esteve por uma vez na área em que seria instalado o instituto, ocasião em que desistiu da ideia e acabou transformando o Instituto Cidadania no Instituto Lula.

Além disso, em um sítio em Atibaia (SP), que é objeto de investigação em outra denúncia contra Lula aceita por Moro, a PF encontrou, em uma pasta com o nome da ex-primeira-dama Marisa Letícia, um projeto arquitetônico do prédio do instituto que seria levantado no terreno comprado pela DAG Construtora a pedido da Odebrecht.

A DAG, por sua vez, havia comprado o direito de adquirir o terreno do Instituto Lula de Glaucos da Costamarques --primo de Bumlai--, que fora o primeiro a tentar comprar a área, pertencente a uma empresa de publicidade. Pela cessão, que funcionou como uma espécie de revenda do terreno, Glaucos ganhou R$ 800 mil.

Mas, segundo o MPF, esse valor “foi determinado por Lula com o propósito de assegurar, ao mesmo tempo, a remuneração de Glaucos por atuar no interesse do ex-presidente”.

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O apartamento e o aluguel

De acordo com a força-tarefa, o petista ainda queria que o primo de Bumlai usasse a verba para comprar o apartamento vizinho ao em que ele vive em São Bernardo do Campo (SP), que custou R$ 504 mil. Glaucos, porém, serviria como laranja na compra do imóvel, que pertenceria efetivamente a Lula.

Durante as investigações, policiais encontraram um apartamento mobiliado, limpo e que aparentava ser frequentado por Lula e sua família, “tendo em vista a presença de itens e documentos a eles relacionados”. “Constatou-se, ainda, que os apartamentos eram conectados diretamente por uma porta”.

Lula e Marisa ainda teriam mentido à Receita Federal ao afirmarem que pagaram o aluguel do apartamento a Glaucos entre 2011 e 2015. Apesar de terem lançado os valores na declaração de Imposto de Renda, não há movimentação que comprove os pagamentos. E Glaucos também admitiu à Justiça que ficou esse período sem receber pelo aluguel.

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As empresas e os valores

A relação de proximidade entre Lula e Marcelo Odebrecht fica comprovada, de acordo com os procuradores, a partir da verificação de “aportes milionários nas instituições que levam o seu nome, como é o caso do Instituto Lula e da L.I.L.S. Palestras, Eventos e Publicações Ltda. [empresa que recebe os pagamentos pelas palestras feitas pelo ex-presidente]”. Eles apontam que Lula sabia da “origem espúria dos recursos que lhe eram destinados”.

“Como o ex-presidente da República garantiu a existência do esquema que permitiu a conquista de vários contratos por licitações fraudadas, as vantagens indevidas foram pagas pelo Grupo Odebrecht de forma contínua ao longo do período de execução dos referidos contratos”, diz o MPF, explicando os pagamentos após dezembro de 2010, quando ele deixou o Planalto.

A Lava Jato ainda aponta que, entre 2011 e 2014, 60% dos valores recebidos pelo Instituto Lula --cerca de R$ 20,7 milhões-- vieram de empreiteiras como a Odebrecht, investigadas pelo MPF. No mesmo período, 47% do que a L.I.LS. recebeu, cerca de R$ 9,9 milhões, são das empresas envolvidas na Lava Jato. E a L.I.L.S. distribuiu R$ 7,5 milhões de lucro a Lula nesses três anos. Dessa quantia, R$ 5,6 milhões foram pagos em 2014, ano em que a Lava Jato começou.

Defesa fala em perseguição

A defesa de Lula diz reiteradamente que “a verdade é que Lula jamais recebeu a propriedade ou a posse de qualquer dos imóveis indicados pelo MPF, muito menos em contrapartida de qualquer atuação em contratos firmados pela Petrobras”.

Os defensores também apontam que o petista “jamais tratou de vantagens indevidas com a Odebrecht ou com qualquer pessoa ou empresa”.

“Não há respaldo mínimo que possa lastrear as acusações lançadas pelo órgão acusador [MPF]”, disse a defesa sobre a denúncia. “De fato, o processo em questão constitui apenas mero formalismo, com o exclusivo objetivo de disfarçar, em trajes de processo criminal, a perseguição política em face do ex-presidente”.

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