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Justiça do DF aceita denúncia, e Lula vira réu por MP do setor automotivo

Do UOL, em São Paulo e em Brasília*

19/09/2017 20h03Atualizada em 19/09/2017 22h53

O juiz Vallisney de Souza Oliveira, da 10ª Vara Federal em Brasília, aceitou denúncia oferecida pelo Ministério Público e tornou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva réu pela sétima vez, agora por corrupção passiva em um caso envolvendo a edição de uma MP (Medida Provisória) favorável a empresas do setor automotivo em 2009, quando Lula ainda era o chefe do Poder Executivo.

A denúncia foi apresentada pelo MPF-DF (Ministério Público Federal no Distrito Federal) no dia 8 de setembro e é parte do desdobramento da operação Zelotes. Também foram denunciados e viraram réus o ex-chefe de gabinete de Lula, Gilberto Carvalho, por corrupção passiva; e os lobistas Mauro Marcondes e Alexandre Paes dos Santos, o APS, o ex-conselheiro do Carf José Ricardo da Silva e os executivos das montadoras Carlos Alberto de Oliveira Andrade e Paulo Arantes Ferraz, todos por corrupção ativa.

Lula já é réu em outras cinco ações penais (duas no Paraná e três em Brasília), foi condenado em outro processo a nove anos e meio de prisão em Curitiba e é alvo de duas denúncias apresentadas pela PGR (Procuradoria-Geral da República) por organização criminosa e obstrução de justiça.

Na decisão, o magistrado argumenta que há elementos suficientes para a abertura de uma ação penal. Para ele, está "demonstrada a plausibilidade" das alegações contidas na denúncia em face da "circunstanciada exposição dos fatos tidos como criminosos" e a "descrição das condutas em correspondência aos documentos" levantados no inquérito da Polícia Federal.

O juiz explicou ainda que a peça de acusação atende aos requisitos do Código do Processo Penal, descrevendo "de modo claro e objetivo" os fatos imputados aos denunciados.

"Assim, nesse juízo preliminar, não vislumbro qualquer elemento probatório cabal capaz de infirmar a acusação, sem prejuízo da análise particularizada, com a eventual contraprova, quando poderá eventualmente ocorrer absolvição sumária, se for o caso", escreveu Oliveira. Ele fixou prazo de dez dias para as defesas apresentarem questões preliminares e alegarem o que for de seu interesse, além de arrolarem testemunhas.

A denúncia

De acordo com os procuradores, as investigações apontaram que irregularidades foram praticadas no período de elaboração e edição da MP (Medida Provisória) 471, que prorrogou por cinco anos benefícios tributários destinados a empresas do setor automobilístico. A medida foi editada em 2009, quando Lula ainda exercia o cargo de presidente da República. Segundo os investigadores, R$ 6 milhões foram prometidos ao ex-presidente Lula e a Gilberto Carvalho em troca da mudança na lei.

Os procuradores sustentam que o ex-conselheiro do Carf, José Ricardo, recebeu cópia da redação final da MP antes mesmo de a norma ser numerada e publicada.

Ainda de acordo com a denúncia, os recursos foram usados para garantir a edição e a aprovação da MP no Congresso e também para "comprar o cancelamento de um débito de R$ 265 milhões que era objeto de um recurso no Carf". Esta acusação é objeto de outra ação penal em tramitação na 10ª Vara da Justiça Federal do DF.

A denúncia cita documentos que comprovariam a promessa de pagamentos de vantagens indevidas a intermediários do esquema e a agentes políticos, dentre os quais R$ 6 milhões teriam sido prometidos a Lula e a Carvalho. Os procuradores apontaram que o destino do dinheiro seria o custeio de campanhas eleitorais do PT.

Na ação enviada à Justiça Federal do DF, o Ministério Público pediu que aos envolvidos paguem R$ 12 milhões para ressarcir os cofres públicos, além de multa por danos morais coletivos.

Metade do valor acertado teria sido repassado pela montadora MMC à empresa M&M, pertencente ao empresário Mauro Marcontes, que teria atuado em parceria com o ex-conselheiro do Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais), José Ricardo Silva, e o lobista Alexandre Paes dos Santos. Os três foram denunciados por corrupção ativa.

A empresa teria sido o canal utilizado para viabilizar o recebimento e a distribuição da propina.

Provas

De acordo com o MPF, a investida do grupo junto ao governo começou em junho de 2009 quando José Ricardo Silva recebeu do diretor jurídico da M&M duas cartas endereçadas ao então presidente da República com os pedidos de alteração na lei.

Os documentos foram elaborados pelo diretor jurídico da M&M, Ricardo Rett e chegaram a sugerir que a mudança legislativa fosse efetivada por meio de Medida Provisória, o que acabou ocorrendo.

Entre as provas mencionadas pelo MPF estão manuscritos, e-mails e até atas de reuniões apreendidas com os envolvidos. Para o MPF, as expressões “kit de material enviado a Gilberto Carvalho e “café Gilberto Carvalho” que constam de documentos apreendidos evidenciam a relação do grupo criminoso com os agentes públicos.

Outro lado

Procurada pela reportagem, a defesa do ex-presidente Lula afirmou que "a inocência dele deverá ser reconhecida também neste processo porque ele não praticou qualquer ilícito".

"A denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal não tem materialidade e deve ser compreendida no contexto de 'lawfare' que vem sendo praticado contra Lula, usando de processos e procedimentos jurídicos para fins de perseguição política", diz a nota dos advogados do ex-presidente. "O ex-presidente jamais solicitou, aceitou ou recebeu qualquer valor em contrapartida a atos de ofício que ele praticou ou deixou de praticar no cargo de Presidente da Republica", completa.

Ex-chefe de gabinete de Lula, Gilberto Carvalho criticou a decisão e afirmou, ironicamente, que a aceitação da denúncia coincide com a divulgação de nova pesquisa eleitoral. "Mais uma vez recebo com revolta e indignação a notícia da aceitação desta absurda denúncia apresentada contra mim e o presidente Lula. ‘Coincidentemente’ essa decisão foi dada no mesmo dia em que mais uma pesquisa eleitoral demonstra o inquebrantável apoio do povo ao ex-presidente”, diz o ex-ministro de Lula em nota.

Carvalho afirma ainda que vai “lutar até o fim” e que não há provas que sustentem as denúncias, mas “ilações e interpretações forçadas de fatos”. As medidas provisórias que são alvo da denúncia “foram a viabilização de uma política de governo que obteve ótimos resultados ao promover a descentralização da indústria automobilística e dos empregos para as regiões Nordeste e Centro-Oeste”. 

Também em nota, a defesa de Alexandre Paes dos Santos, representada pelo advogado Daniel Gerber, afirmou que ele é "um empresário respeitado no país e irá demonstrar, nos autos, a inexistência de qualquer ilícito no desenvolver de suas atividades".

A defesa de José Ricardo da Silva informou que vai aguardar ser citada e ter conhecimento da acusação para se pronunciar.

A defesa de Paulo Arantes Ferraz ainda não retornou às ligações da reportagem do UOL. Roberto Podval, advogado de Mauro Marcondes Machado, também não foi localizado, assim como a defesa de Carlos Alberto de Oliveira Andrade. A assessoria da montadora MMC informou que a direção não comentará o caso.

* Com Estadão Conteúdo