Topo

Em voto a favor de Temer, Gilmar ataca PGR e diz que Janot é "indivíduo sem nenhum caráter"

Gustavo Maia e Felipe Amorim*

Do UOL, em Brasília

20/09/2017 20h22Atualizada em 20/09/2017 21h20

Em pouco mais de uma hora de voto no julgamento de questão de ordem apresentada pela defesa do presidente Michel Temer (PMDB), o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes mirou sua artilharia no ex-procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que deixou o cargo no último domingo (17).

Dentre os ataques desferidos ao desafeto nesta quarta-feira (20), Gilmar disse que o ex-procurador-geral, que “vivia de dedo em riste”, poderia ter tido “um desfecho mais glorioso, pedindo a sua própria prisão provisória” ao ministro Edson Fachin, relator da denúncia contra Temer.

“Mas ele não teve coragem para isso”, continuou o ministro. “Seria mais digno do que o que ele acabou por fazer nessas tantas trapalhadas”, completou. Ao citar Janot tantas vezes, Gilmar se viu obrigado a justificar a escolha do alvo constante à presidente da Corte, a ministra Cármen Lúcia.

“Presidente, só estou fazendo essas menções ao ex-procurador-geral em nome da historicidade, porque minha religião não permite falar mal de mortos”, disse, em tom de ironia.

Ele reforçou ainda que Janot é um "indivíduo sem nenhum caráter", ao criticar a atuação de Janot no acordo de colaboração premiada de executivos do grupo J&F. Gilmar Mendes é um dos ministros mencionados por delatores da J&F em áudios entregues pelos delatores. A conversa não traz evidências de irregularidades cometidas por eles e revela plano para arrancar confissões do ex-ministro José Eduardo Cardozo.

Substituta de Janot, Raquel Dodge, que estreou no cargo no STF nesta quarta, acompanhou o julgamento mas não se manifestou sobre as alfinetadas ao antecessor.

Gilmar também criticou Janot por não ter apurado antes as suspeitas contra o ex-procurador da República Marcello Miller, classificado pelo ministro como “cérebro” da Procuradoria.

"Mesmo diante da gravidade das suspeitas, [Janot] optou deliberadamente por não adotar nenhuma medida séria de investigação dos fatos [...] Antes, buscou sempre minimizar e mesmo ridicularizar tais suspeitas, reiteradamente chamando de hipócritas os críticos dos heterodoxos métodos adotados pelo Ministério Público Federal e associando a defesa do Estado de Direito com interesses escusos”, declarou o ministro.

Gilmar também se baseou em fatos publicados pela imprensa sobre o ex-procurador para ironizar atitudes que julgou suspeitas. Em um desses casos, o ministro fez referência a um encontro tratado como casual entre o então procurador e o advogado de Joesley Batista, Pierpaolo Bottini.

O encontro ocorreu no dia seguinte ao pedido de investigação que colocou sob suspeita a delação dos executivos da JBS. "O advogado e o Procurador tinham todos os bons motivos para encontrar, tendo em vista a relevância do caso, o ineditismo da suspensão de um acordo firmado pela PGR e as demais circunstâncias envolvidas."

Ele mesmo trata de narrar e rebater os argumentos da Procuradoria para o encontro. "Ambos confirmaram o encontro, muito embora tenham negado que a conversa tocou o processo em questão. Em nota, a Procuradoria-Geral da República esclareceu que Rodrigo Janot Monteiro de Barros “frequenta o local rotineiramente. O local, no entanto, fica fora do circuito de bares do centro da capital federal”.

E continua: “Na foto tirada por passante, o conceituado professor da USP e advogado de uma das maiores causas criminais do país degusta uma cerveja gourmet, de costas para o salão. Do outro lado da mesa, em um canto espremido entre caixas de cerveja, cilindros de gás e manqueiras de chope, de costas para a parede, o Procurador-Geral da República está sentado, com os olhos protegidos por óculos de sol."

 

Pouco antes de proferir seu voto, Gilmar criticou os métodos de trabalho da PGR e, sem citar o nome de Janot, sugeriu que há corruptos envolvidos no trabalho da Procuradoria.

"É disso que se cuida aqui, corruptos num processo de investigação. Essa pecha a procuradoria não merecia", completou o ministro. "Fico a imaginar o constrangimento que hoje cai sobre a PGR em relação a este episódio, a esse grande e valente procurador da República, que usava métodos policialescos para fazer a investigação”, afirmou o ministro durante voto em plenário.

O voto de Gilmar em favor de Temer determina que a denúncia volte à Procuradoria para que seja formulada uma nova acusação, apenas com fatos ligados ao período do mandato do presidente, e também que a tramitação da denúncia, e seu envio à Câmara, seja suspenso até o fim da investigação sobre a delação da JBS.

Temer foi denunciado por obstrução de Justiça e organização criminosa, com base em distintas investigações contra políticos do PMDB. A acusação diz que a prática criminosa teve continuidade com a ascensão de Temer à Presidência. O presidente tem negado qualquer prática ilegal.

Apesar do voto de Gilmar, sete dos 11 ministros do STF já votaram a favor de encaminhar a denúncia contra Temer à Câmara dos Deputados. 

*Colaborou Daniela Garcia, do UOL em São Paulo