Afastar parlamentares é 'direito constitucional da malandragem', diz Gilmar Mendes
O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes afirmou nesta terça-feira (3) que a possibilidade de deputados e senadores serem afastados do mandato não está prevista na Constituição e seria equivalente a um "direito constitucional da malandragem".
"Nós temos já vários senadores e deputados com denúncia recebida. Nesse caso também nós deveríamos afastá-los? E aí nós podemos afetar a Câmara? A Câmara fica com composição não de 513, mas de 512, 510? O direito constitucional da malandragem permite esse tipo de coisa?", afirmou Gilmar Mendes.
O ministro disse ainda que apenas os parlamentares poderiam mudar as regras da Constituição para passar a permitir o afastamento de parlamentares do mandato por ordem judicial.
"A gente precisa ter muito cuidado com essas questões. [Se] queremos reescrever a Constituição, vamos lá pro Congresso e assumamos a função de legisladores", disse Gilmar Mendes.
Entenda a polêmica STF x Senado
Por decisão da 1ª Turma do STF (Supremo Tribunal Federal), composta por cinco dos 11 ministros da Corte, o senador Aécio Neves (PSDB-MG) foi afastado na semana passada do exercício do mandato e proibido de deixar sua casa à noite.
O senador foi denunciado pela PGR (Procuradoria-Geral da República) por suspeita dos crimes de corrupção e obstrução de Justiça após gravações entregues pelos delatores da JBS apontarem que o senador teria negociado o repasse de R$ 2 milhões com a empresa.
A defesa de Aécio diz que não há crime, pois o caso se tratou de um empréstimo pessoal oferecido pelo empresário Joesley Batista, um dos donos da JBS, após ser recusada uma oferta de Aécio para que o empresário comprasse um imóvel da família do senador.
A decisão do STF de afastar Aécio provocou uma discussão sobre se cabe ao Judiciário proibir um parlamentar de exercer o cargo para o qual foi eleito.
O Senado pretende realizar nesta terça-feira a votação que pode revogar a decisão da 1ª Turma do STF. Uma reunião de líderes acontece nesta tarde para debater a questão.
Na quarta da próxima semana (11), o plenário do STF julgará decide se o afastamento do mandato parlamentar pode ser revogado pela Câmara ou pelo Senado.
"A gente não deve querer acender fósforo"
Ainda sobre a polêmica envolvendo os poderes, Gilmar Mendes afirmou que é preciso ter cautela e não "acender fósforo para descobrir se há gasolina”.
É importante que nós saibamos que estamos vivendo um momento bastante delicado e a gente não deve querer acender fósforo para saber se há gasolina no tanque
Gilmar Mendes
O placar da decisão da 1ª Turma do STF foi 3 a 2. Os ministros Luiz Fux e Luís Roberto Barroso, que votaram a favor das medidas cautelares contra o tucano, afirmam que o artigo 319 do CPP (Código de Processo Penal) permite medidas análogas à prisão, como o recolhimento domiciliar noturno. Rosa Weber acompanhou os colegas. Marco Aurélio e Alexandre de Moraes foram vencidos.
O que diz a Constituição
O afastamento do mandato e a prisão preventiva de parlamentares não são tratados de forma clara pela Constituição.
O que a Constituição diz sobre o tema é que deputados e senadores podem ser presos apenas em casos de flagrante de crime inafiançável. Nesta situação, segundo o artigo 53, o processo judicial deveria ser remetido à Câmara ou ao Senado em 24 horas. A prisão seria confirmada ou revogada pelo voto da maioria dos parlamentares.
A falta de uma clara previsão legal, no entanto, não impediu a PGR (Procuradoria-Geral da República) de pedir a prisão preventiva de Aécio e seu afastamento do mandato.
Os ministros do STF negaram o pedido de prisão, mas já afastaram por duas vezes Aécio do mandato, a primeira por decisão do então relator do caso, ministro Edson Fachin.
Após a decisão de Fachin ser revogada pelo ministro Marco Aurélio, que se tornou relator da investigação contra Aécio, a 1ª Turma do STF atendeu a recurso da PGR e voltou a determinar o afastamento do senador do mandato.
O afastamento do exercício do mandato também foi determinado anteriormente contra o então deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que na época era também presidente da Câmara. O afastamento de Cunha foi determinado por unanimidade pelo STF, com o voto dos 11 ministros, incluindo Gilmar Mendes.
Naquele julgamento Mendes afirmou que o afastamento deveria ser tratado como exceção e que as garantias dadas aos parlamentares pela Constituição, como a proibição de ser preso a não ser em flagrante, dão sustentação ao modelo de democracia representativa.
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