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Moro libera acesso do MPF a recibos de Lula e pede esclarecimento sobre perícia

24.out.2017 - Hélvio Romero/Estadão Conteúdo
Imagem: 24.out.2017 - Hélvio Romero/Estadão Conteúdo

Nathan Lopes

Do UOL, em São Paulo

25/10/2017 11h08Atualizada em 25/10/2017 18h06

Após a defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ter entregado os originais dos recibos de pagamento de aluguel de um apartamento usado pelo petista, o juiz federal Sergio Moro decidiu liberar o acesso da força-tarefa da Operação Lava Jato no MPF (Ministério Público Federal) aos documentos. 

Atendendo pedido dos procuradores, Moro pediu a entrega do original dos recibos. Eles foram entregues pessoalmente pelos defensores do ex-presidente na sede da Justiça Federal no Paraná na terça-feira (24).

Na mesma decisão, publicada nesta quarta-feira (25), Moro pediu que os procuradores esclareçam que tipo de perícia sugerem para os recibos, que o MPF considera como "ideologicamente falsos". "Há dúvida, tratando-se de suposto falso ideológico, quanto à adequação de perícia técnica para a solução da controvérsia. De todo modo, requereu o MPF perícia grafoscópica e documentoscópica quanto aos documentos originais".

O juiz também disse que, se desejar, a defesa de Lula poderá formular questões a respeito da perícia e indicar um assistente técnico para acompanhar os procedimentos.

No documento, Moro diz que só irá definir a respeito de um pedido sobre nova prova oral, também solicitado pelo MPF, após a definição a respeito da perícia. Os procuradores querem ouvir novamente o engenheiro Glaucos da Costamarques, proprietário do imóvel que, assim como Lula, também é réu no processo.

A Lava Jato também quer a realização de audiência com o contador João Muniz Leite, que prestou serviços a Costamarques relativos ao pagamento pela locação. Ele não foi ouvido durante a fase de instrução do processo.

À tarde, a defesa de Lula entrou com embargos de declaração sobre a decisão de Moro. Entre outros pedidos, os advogados do ex-presidente querem que o magistrado esclareça se será feita perícia, qual será a modalidade da mesma e os documentos que farão parte dela, antes que haja necessidade de formulação de quesitos e indicação de assistente técnico.

Indagadas pelo juiz, a defesas dos outros réus, inclusive a de Costamarques, não se manifestaram sobre o pedido do MPF.

O UOL procurou a defesa do engenheiro para comentar o despacho de Moro, mas não obteve retorno até o momento. A força-tarefa da Lava Jato só se manifesta no processo.

Aluguel de apartamento foi pago em dinheiro, diz defesa de Lula

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Pagamento foi feito em dinheiro, diz defesa

Em entrevista ao UOL na semana passada, os defensores do ex-presidente disseram que o pagamento pela locação do imóvel, localizado em São Bernardo do Campo, foi feito em dinheiro vivo entre 2011 e 2015. O valor pago pelo aluguel no período é de cerca de R$ 189 mil. “A única conclusão possível, a conclusão inequívoca é de que o pagamento foi feito em dinheiro”, disse Zanin na última quinta-feira (19).

De acordo com a denúncia do MPF, apresentada em dezembro de 2016, houve desvios de R$ 75,4 milhões em oito contratos entre a empreiteira Odebrecht e a Petrobras.

Em função do esquema de corrupção, que, segundo os procuradores, envolveu Lula, o ex-presidente teria recebido como vantagem indevida um terreno em São Paulo, que serviria de sede para do instituto que leva seu nome, e o apartamento vizinho ao imóvel onde vive o petista. Lula é acusado de cometer os crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

Apartamento alugado é vizinho ao em que vive o ex-presidente Lula - 2.jan.2011 - Alessandro Shinoda/Folhapress - 2.jan.2011 - Alessandro Shinoda/Folhapress
Apartamento alugado é vizinho ao em que vive o ex-presidente Lula
Imagem: 2.jan.2011 - Alessandro Shinoda/Folhapress

Esse imóvel foi comprado, em 2010, por Costamarques, primo do pecuarista José Carlos Bumlai, amigo de Lula. O MPF considera o engenheiro um "laranja" e que o imóvel seja, na verdade, do ex-presidente. A defesa de Lula nega a acusação.

Costamarques mudou sua versão a respeito do pagamento do aluguel do apartamento no período de pouco mais de um ano. Ele foi interrogado em setembro deste ano pelo juiz federal Sergio Moro, que conduz a ação penal, e, na ocasião, negou que tivesse recebido o aluguel pelo imóvel entre 2011 e 2015. Costamarques disse que só começou a receber o aluguel depois que Bumlai foi preso pela Polícia Federal, em novembro de 2015

Antes, o engenheiro, em depoimento à Receita Federal e à PF (Polícia Federal), em junho e outubro de 2016, respectivamente, havia afirmado que recebeu os aluguéis e que os valores haviam sido pagos em dinheiro vivo. A Moro, ele disse que mentiu nas ocasiões.

O contrato de locação do apartamento era entre o engenheiro e a ex-primeira-dama Marisa Letícia, que faleceu em fevereiro deste ano, de acordo com a defesa do petista e Costamarques.

Lula atribui a Marisa responsabilidade sobre apartamento vizinho

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Erros e polêmicas

A polêmica sobre pagamento pela locação está em torno dos recibos. Apresentados pela defesa de Lula no final de setembro, alguns deles tinham datas inexistentes. A defesa diz que isso não diminui o valor da prova. Já Costamarques informou que os recibos foram assinados em um mesmo dia.

“Quando você verifica, é só um erro de digitação em relação ao período a que se refere alguns dos recibos. De qualquer maneira, eles foram elaborados pelo próprio emissor deles, que é o Glaucos”, pontua a advogada. "Os recibos são prova suficiente de que os aluguéis foram devidamente pagos", disse Valeska.

Em entrevista ao blogueiro do UOL Josias de Souza nesta semana, o procurador Deltan Dallagnol, chefe da força-tarefa da Lava Jato, reafirmou acreditar que os recibos são “ideologicamente falsos”.

“Existem provas mostrando que o dinheiro que gerou a compra daquele apartamento é o dinheiro que veio da Odebrecht”, afirmou o procurador, que diz não haver “nenhuma transação financeira” que comprove o pagamento do aluguel.

Os defensores de Lula dizem que não há relação entre o imóvel e o esquema de corrupção relatado na denúncia. "Não vamos esquecer que nós estamos falando de oito contratos da Petrobras", ressalta Valeska. Por esse motivo, eles evitam discutir particularidades sobre os pagamentos, como a maneira em que ele era feito, por exemplo.

Não existe prova de que Lula pagou os aluguéis, diz Deltan

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Lula e Glaucos

Interrogado por Moro em 13 de setembro, Lula disse que a ex-primeira-dama Marisa Letícia era quem administrava as “questões da casa”. “E a dona Marisa ficou com a responsabilidade de fazer o contrato e acertar aluguel, condomínio, IPTU e outras coisas da casa, era tudo ela que fazia”.

Dias antes, Glaucos havia sido interrogado e disse que nunca recebeu os valores referentes à locação entre 2011 e 2015.

Lula, porém, disse que nunca chegou a ele “qualquer reclamação de que não estava se pagando aluguel”. “Porque ele declarava no Imposto de Renda dele que pagava aluguel e eu declarava no meu Imposto de Renda que a dona Marisa mandava para o procurador o pagamento do aluguel”.

Segundo o engenheiro, o imóvel foi adquirido em agosto do mesmo ano por R$ 504 mil. Bumlai teria pedido ao primo para que comprasse o apartamento para que “ninguém estranho se mudasse para lá”.

"Não me pagaram o primeiro mês, não me pagaram o segundo mês", declarou Glaucos. "Aí fui falar com o Zé Carlos [Bumlai], perguntar o que acontecia. [Ele disse:] 'Olha, Glaucos, não esquenta com isso. Mais para frente a gente acerta. Não fica preocupado'".

Não me pagaram, diz Glaucos, primo de amigo de Lula

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Glaucos disse não ter se preocupado com o não pagamento do aluguel porque queria, na verdade, era que seu primo lhe pagasse pela propriedade do imóvel. O réu, porém, declarou à Receita Federal que havia recebido os aluguéis.

"Não reclamei. E nunca reclamei do aluguel porque o foco era o apartamento." Ele tinha medo que, caso reclamasse, não fosse receber o valor do imóvel pelo primo.

O réu disse que só começou a receber o aluguel depois que Bumlai foi preso pela Polícia Federal em novembro de 2015. O pecuarista já foi condenado por Moro a nove anos e dez meses de prisão por corrupção e gestão fraudulenta de instituição financeira.

Um ponto do interrogatório que coloca em dúvida a fala do engenheiro é de que, no final de novembro, ele disse ter recebido a visita do advogado e amigo de Lula, Roberto Teixeira, também réu no processo, durante sua internação no Hospital Sírio-Libanês. Segundo seu relato, Teixeira teria lhe dito: "Olha, nós vamos pagar. De hoje em diante, nós vamos pagar o aluguel para você". Contudo, as contas em atraso não foram pagas, ainda segundo o dono do imóvel.

O Sírio-Libanês, porém, em comunicado a Moro negou que Teixeira tenha visitado Glaucos no hospital. O advogado também rebate a versão e disse que só o encontrou no hospital, por casualidade, em 2016. Na quinta-feira (19), o MPF disse que houve 12 contatos telefônicos entre o advogado e o engenheiro durante o período de internação. “Essa frequência de contatos se apresenta atípica para aquele ano”, segundo os procuradores.

Condenação e processos

Neste processo, o ex-presidente observa agora os últimos movimentos dos acusadores e defensores antes de Moro abrir prazo para as alegações finais, última etapa antes que ele dê a sentença. Perícias e novas provas estão sendo incluídas na ação penal antes que as partes façam suas conclusões. Além do apartamento, Lula também é acusado de receber como vantagem indevida um terreno em São Paulo para instalação do Instituto Lula. A defesa também nega este ponto.

Lula já foi condenado por Moro a nove anos e seis meses de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro em um processo que envolve um apartamento tríplex como pagamento de vantagem indevida.

O ex-presidente ainda responde a um terceiro processo, a respeito de um sítio no interior de São Paulo, suspeito de ser pagamento por corrupção na Petrobras. Esta ação penal ainda está em sua fase inicial, com as partes apresentando a defesa prévia.

Lula diz que está 'lascado' e quer desculpas de Moro

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