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Filho de Picciani recolhia propina no gabinete do presidente do TCE para lavagem, diz MPF

Felipe Picciani chegou à sede da PF para prestar depoimento por volta das 18h - FÁBIO MOTTA/ESTADÃO CONTEÚDO
Felipe Picciani chegou à sede da PF para prestar depoimento por volta das 18h Imagem: FÁBIO MOTTA/ESTADÃO CONTEÚDO

Paula Bianchi

Do UOL, no Rio

14/11/2017 19h48

Preso provisoriamente nesta terça-feira (14) pela manhã, o empresário Felipe Picciani, filho do presidente da Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro), Jorge Picciani, recolhia propina em nome do pai direto no gabinete do então conselheiro e presidente do TCE (Tribunal de Contas do Estado), Jonas Lopes, segundo informações do MPF (Ministério Público Federal). Felipe e Jorge Picciani são alvos da Operação Cadeia Velha, desdobramento da Lava Jato no Rio de Janeiro --enquanto Felipe foi detido, seu pai foi levado para depor coercitivamente.

Lopes, que é delator e réu em ação penal da Lava Jato, relatou em depoimento ao MPF que negociou pessoalmente com Felipe o superfaturamento da venda de gado, uma das maneiras que seriam usadas por Picciani para lavar dinheiro. O ex-conselheiro diz que Felipe ia ao seu gabinete e à sua residência recolher os valores, frutos mascarados sob a compra de gado da empresa Agrobilara, em que ele e o pai são sócios.

A operação era uma forma de o ex-conselheiro "limpar" o dinheiro de propinas recebidas de empresas de ônibus, entre outras companhias, em função do seu cargo e da influência que exercia como presidente do TCE, e negociadas, segundo o MPF, com a intermediação de Jorge Picciani.

De acordo com a força-tarefa da Lava Jato, setores do Executivo, do Tribunal de Contas e do Legislativo, "valendo-se de suas respectivas atribuições, passaram a receber vantagem patrimonial de forma sistemática das empresas contratadas pelo ente público para a realização de obras ou prestação de serviços, como o de transporte coletivo".

Jorge Picciani, diz Lopes, tinha consciência da origem ilícita do dinheiro “porque sabia especificamente que ele ajustava o recebimento de vantagens indevidas para o TCE”. O ex-conselheiro deixou formalmente a presidência do TCE em setembro em função do acordo de delação premiada que assinou com a Justiça.

Felipe é visto pelos investigadores como um colaborador "indispensável" para a operação de lavagem de dinheiro que existiria na Alerj. Segundo os investigadores, "fica patente nos e-mails trocados entre eles que Felipe age em consonância com o principal propósito da empresa: a lavagem de ativos dos crimes praticados por seu pai e por outras pessoas da esfera de conhecimento de seu pai (empresários e funcionários públicos)".

Um dos quatro filhos do chefe do Legislativo estadual, Felipe foi localizado em Minas Gerais, onde a família tem uma fazenda, e recebeu voz de prisão por volta das 6h; ele chegou à PF para depor pouco antes das 18h.

Único dos três filhos do primeiro casamento de Picciani que não fez carreira política, o zootecnista é sócio e administrador da Agrobilara Comércio e Participações, holding que opera sete propriedades, distribuídas no Rio de Janeiro, Minas Gerais e Mato Grosso.

“Os negócios no ramo de gado de Jorge Picciani servem para lavagem do produto de crimes antecedentes de corrupção praticados por ele, mas também, em demonstração de grande sofisticação, praticados por terceiros, para pagamento de propina em espécie a [Sérgio] Cabral e para lavagem do produto do crime de corrupção de outros funcionários públicos”, afirma o MPF.

O MPF pediu ao Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2) o bloqueio de R$ 154,46 milhões de Jorge Picciani (PMDB) e de Felipe. Os procuradores pedem que bloqueio atinja ainda as empresas da família Picciani.

Em nota, Jorge Picciani negou as acusações e definiu a prisão do filho como "uma covardia" com objetivo de atingi-lo.

A Cadeia Velha investiga os também deputados estaduais Paulo Melo (PMDB) e Edson Albertassi (PMDB) e outros dez suspeitos por corrupção e outros crimes envolvendo a Alerj. A Procuradoria da República pediu o bloqueio de R$ 108,61 milhões de Paulo Melo e de R$ 7,68 milhões de Edson Albertassi.

TRF-2 analisará pedidos de prisão de deputados do PMDB

A pedido do Núcleo Criminal de Combate à Corrupção da Procuradoria da República na 2ª Região, o desembargador federal Abel Gomes, relator dos processos da força-tarefa da Lava Jato no Rio, no âmbito da Corte Federal, ordenou as conduções coercitivas dos parlamentares, seis prisões preventivas e quatro temporárias e buscas e apreensões nos endereços de 14 pessoas físicas e sete pessoas jurídicas. A condução coercitiva dos deputados foi ordenada como alternativa inicial à prisão deles.

Os investigadores apuram o uso da presidência e outros postos da Alerj para a prática de corrupção, associação criminosa, lavagem de dinheiro e evasão de divisas.

O Ministério Público Federal sustentou ao Tribunal que são inafiançáveis os crimes supostamente praticados pelos deputados, que seguem em flagrante delito, sobretudo de associação criminosa e lavagem de ativos, e que não é preciso a Alerj avaliar suas prisões. 

Em sua representação, o MPF pede as prisões e o afastamento dos cargos parlamentares dos deputados Picciani, Melo e Albertassi. O desembargador entendeu que esses pleitos devem ser analisados pela Primeira Seção Especializada do TRF-2, que ele integra.

O magistrado pediu a convocação de sessão extraordinária, “com a urgência que a natureza dos requerimentos requer”. A Primeira Seção Especializada tem sessões ordinárias na quarta quinta-feira de cada mês, mas na próxima quinta (16) pode se reunir para analisar os pedidos da Lava Jato.

As investigações apontaram que o presidente da Alerj, seu antecessor, Paulo Melo, e o segundo vice-presidente, Edson Albertassi, formam uma organização integrada ainda pelo ex-governador Sérgio Cabral e que vem se estruturando de forma ininterrupta desde a década de 1990.

Outro lado

Em nota, Picciani afirmou que acusações contra ele e sua família são falsas. “Em toda a minha carreira jamais recebi qualquer vantagem em troca de favores. A Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro não atua a serviço de grupos de interesse, não interfere em aumento de tarifas (que é autorizado pela Agetransp) e não votou isenção de IPVA para ônibus, porque isso foi feito por decreto pelo ex-governador (decreto 44.568 de 17/01/2014), quando eu nem sequer tinha mandato”, afirmou.

Segundo o peemedebista, “Felipe é um zootecnista, bom pai, bom filho, bom amigo, que trabalha de sol a sol e não tem atuação política. Todos que o conhecem o respeitam e sabem do seu caráter e correção”.

Picciani disse ainda que a indicação de Albertassi para o TCE foi feita pelo governador Pezão e que determinou sua suspensão por decisão da Justiça.

O deputado Paulo Melo (PMDB-RJ), disse estar à disposição da Justiça e pronto para contribuir com as investigações. "Não tenho nada a esconder. Minha vida política sempre foi muito clara, todas as contribuições recebidas foram legais e declaradas na justiça eleitoral", afirmou, em nota.

O deputado Edson Albertassi disse, por meio de nota, que as acusações contra ele serão contestadas por sua defesa, que ainda não teve acesso ao inquérito.
"Albertassi confia na Justiça e está à disposição para esclarecer os fatos", diz o comunicado.

Com relação à indicação para vaga de conselheiro do Tribunal de Contas, o deputado enviou nesta terça um oficio à Mesa Diretora da Alerj, declinando da indicação e solicitando a devolução da mensagem 38/2017 ao governador.

A Alerj informou apenas que, por decisão de Jorge Picciani, a votação da indicação de Albertassi para vaga de conselheiro no TCE-RJ foi suspensa. A Casa não se manifestou quanto às acusações contra os parlamentares.

O PMDB do Rio de Janeiro disse que não vai se manifestar sobre as acusações da Operação Cadeia Velha.

Procurada, a defesa de Jacob Barata Filho afirmou que ainda não teve acesso ao teor do pedido de prisão preventiva e, por esse motivo, não tem condições de se manifestar a respeito.

Os advogados informaram que pretendem recorrer da decisão a fim de restabelecer as medidas alternativas decretadas pelo ministro Gilmar Mendes --recolhimento noturno domiciliar, entrega do passaporte, entre outras. A Fetranspor disse em nota que "permanece à disposição para prestar os esclarecimentos necessários às investigações".

UOL procurou também os advogados do presidente do órgão, Lelis Teixeira, mas eles ainda não se manifestaram.

A reportagem tenta contato com a defesa dos demais suspeitos para que eles possam comentar a investigação.