"Abusos" não podem comprometer uso de delações, diz Gilmar Mendes
O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes afirmou nesta quinta-feira (16) que eventuais “erros” cometidos em acordos de colaboração premiada não devem impedir seu uso em investigações e servem para que seja discutido o aperfeiçoamento da prática, com a eventual correção de “abusos”.
"É importante que eventuais erros que ocorram não contaminem o próprio instituto, porque daqui a pouco nós passamos a cogitar da sua própria extinção por conta dos abusos. É preciso corrigir os abusos", disse o ministro, em entrevista após evento no TSE (Tribunal Superior Eleitoral), Corte atualmente presidida por Mendes.
O ministro fez a afirmação ao ser perguntado sobre a decisão do colega de STF ministro Ricardo Lewandowski, que na terça-feira (14) rejeitou homologar a delação do marqueteiro Renato Pereira, que atuou em campanhas do PMDB no Rio, e pediu que a PGR (Procuradoria-Geral da República) fizesse alterações nos termos da colaboração.
Gilmar Mendes elogiou o uso de delações no combate à corrupção, mas afirmou que o instituto precisa ser aperfeiçoado.
“Na verdade nós estamos discutindo há muito tempo no Supremo [Tribunal Federal] o aperfeiçoamento da delação premiada. É inegável que a delação teve um conteúdo, especialmente nos últimos anos, quase que revolucionário, no que diz respeito ao combate à impunidade, ao combate à criminalidade”, afirmou o ministro.
O marqueteiro narrou irregularidades em campanhas do PMDB no Rio de Janeiro. Segundo a "Folha de S.Paulo", Pereira afirmou em sua delação que o governador do Rio, Luiz Fernando Pezão, seu antecessor no cargo, Sérgio Cabral, e o ex-prefeito do Rio Eduardo Paes, todos do PMDB, participaram diretamente de negociações para direcionar licitações de publicidade.
Lewandowski afirmou em sua decisão não concordar com cláusulas do acordo de delação. O ministro não aceitou, por exemplo, que a Procuradoria acordasse com o réu o tempo de cumprimento da pena e o perdão de parte dos crimes.
A proposta de acordo previa que Pereira cumpriria apenas um ano em reclusão domiciliar noturna. A punição seria relativa apenas pelas supostas irregularidades na campanha de 2014, em que trabalhou pela reeleição do governador Luiz Fernando Pezão (PMDB) no Rio de Janeiro.
A Procuradoria se comprometeu a não denunciar Pereira pelos supostos crimes delatados em outras campanhas políticas.
O ministro também não concordou com a cláusula que permitira a Pereira fazer viagens a trabalho ou para visitar parentes até o 3º grau, no Brasil ou para o exterior.
Segundo afirma Lewandowski, tanto o estabelecimento da pena quanto a autorização para viagens deve ser definida posteriormente pelo juiz do caso.
Nesta quinta-feira, Gilmar Mendes afirmou que a decisão de Lewandowski seguiu o entendimento do STF, de que cabe ao relator da delação decidir sobre a legalidade das cláusulas do acordo e pedir sua eventual adequação.
"O Tribunal está em um processo de aperfeiçoamento desta questão. Isso teve grande repercussão, mas eu sei que vários ministros já devolveram [delações] para aperfeiçoamento", disse Mendes.
PGR recorre contra retirada de sigilo
Apontando omissão e contradição, a PGR recorreu da decisão de Lewandowski de retirar o sigilo da colaboração premiada ainda não homologada (sem validação judicial) de Pereira. Para a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, a decisão do ministro traz risco à segurança do delator e atrapalha enormemente as investigações.
O ministro retirou na última terça o sigilo da delação do marqueteiro sob a alegação de que "vazamentos ilícitos" já revelaram seu conteúdo sigiloso.
Dodge se insurgiu contra a decisão, apresentando embargos de declaração, alegando que ela não leva em conta a segurança do delator, que deve ser resguardada pela Justiça. Ela pede a restauração imediata do segredo de justiça da delação.
Em crítica direta, ela afirma que, com o levantamento do sigilo promovido pelo ministro, "o bom êxito das investigações estará irremediavelmente comprometido".
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