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Não conceder habeas corpus é covardia, diz Gilmar Mendes

Felipe Amorim e Gustavo Maia

Do UOL, em Brasília

23/11/2017 18h30Atualizada em 23/11/2017 18h57

Envolvido em sucessivas polêmicas nos últimos meses por ter concedido habeas corpus (liberdade) a réus da Operação Lava Jato como, por exemplo, o empresário Eike Batista, o ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal) declarou que o critério de que quem condena é melhor do que quem absolve lhe parece "medida de tribunal nazista".

As declarações foram feitas durante julgamento de ação que pode levar à restrição das regras do foro privilegiado para políticos, nesta quinta-feira (23), que oi interrompido por conta do pedido de vista do ministro Dias Toffoli. placar, antes da interrupção, foi de 8 a 0 pela limitação dos efeitos da prerrogativa para deputados federais e senadores.

Mendes ainda não votou, mas já falou diversas vezes durante o julgamento, interrompendo votos dos colegas. "Essa é uma questão prenha de lendas urbanas. Nós vimos, não faz muito tempo, um relatório da FGV (Fundação Getúlio Vargas) que chamava atenção para o fato de que no Supremo havia mais absolvições do que condenações. Primeiro que o critério aqui parece-me um pouco como medida de tribunal nazista, que quem condena é melhor do quem absolve", afirmou.

"Nós que temos compromisso com a Constituição não podemos adotar esse tipo de critério. 'Ah, eu prendo mais, fico muito alegre porque eu prendo mais'", completou, mudando a voz como se imitasse alguém. "Então essa figura vira um assanhado Madame Satã. Isto não faz sentido."

"Negar habeas corpus passou a ser virtude cívica", enfatizou o ministro, argumentando que "a construção do Supremo Tribunal Federal se deu exatamente na doutrina do habeas corpus e não com a covardia de não conceder habeas corpus".

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No dia em que o STF retomou julgamento sobre foro privilegiado, grupo pequeno de manifestantes fez protesto em frente à Corte
Imagem: Gustavo Maia/UOL

Do lado de fora do STF, cinco manifestantes protestaram contra ministros da Corte. "Sigam o exemplo do juiz Sergio Moro", gritou o representante comercial Joaquim José Gomes e Silva, 50, que disse ter contratado um "macumbeiro" contra Mendes. Uma das faixas que ele exibia a quem entrava na Corte dizia "Gilmar traidor".

"Gilmar Mendes está sempre soltando bandido. Se depender do macumbeiro que eu contratei, ele não vai viver muito tempo não", brincou o manifestante, dizendo que era uma "força de expressão. Ele defendeu ainda que "ninguém" tem que ter foro privilegiado.

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Joaquim José Gomes e Silva, 50, protesta no STF
Imagem: Gustavo Maia/UOL

Mais cedo, antes da sessão, o ministro afirmou que o julgamento sobre a restrição ao foro privilegiado trata de um tema “complexo” e que devem ser evitados argumentos que ele comparou a “lendas urbanas”.

“Essa é uma questão muito complexa, ela tem uma série de implicações e deve ser pautada com toda a serenidade como devem decidir os tribunais”, disse.

“Nós temos que melhorar a Justiça como um todo, e sobretudo a justiça criminal. Então, há muita lenda urbana nesse tema que precisa ser considerada. E, claro, o Congresso tem toda legitimidade de fazer essa avaliação”, afirmou o ministro.

O Congresso Nacional analisa uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que restringe o foro privilegiado. O projeto já passou pelo Senado e na quarta-feira (22) foi aprovado na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara.

O foro privilegiado, oficialmente chamado de “foro por prerrogativa de função”, estabelece que ocupantes de determinados cargos públicos, como políticos e autoridades, sejam julgados por tribunais e não por juízes de primeira instância. Deputados federais, senadores e ministros de Estado, por exemplo, são julgados pelo STF.

Para Mendes, o foro sobrecarrega o Supremo.

“Eu tenho a impressão, e essa é a opinião que já externei muitas vezes, que o foro por prerrogativa de função, tal como ele está dimensionado hoje, ele traz um supertrabalho para o Supremo Tribunal Federal, uma sobreoneração”, disse.
“Não se imaginava quando se aprovou o foro por prerrogativa de função que nós teríamos uma coisa como 400, 500 investigados e denunciados no Supremo Tribunal Federal, se considerarmos apenas os membros do Congresso Nacional. E claro que isso é uma conta bastante complicada de o Supremo digerir”, afirmou o ministro.