Sem perícia oficial, discussão sobre veracidade de recibos de Lula entra na reta final
O juiz Sergio Moro abriu nesta terça-feira (19) prazo para alegações finais das partes do processo da Operação Lava Jato aberto exclusivamente para definir a autenticidade dos recibos do pagamento de aluguéis, pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e sua família, de um apartamento em São Bernardo do Campo (SP).
A ação sobre os recibos é um desdobramento do processo da Lava Jato em que Lula é acusado de receber mais de R$ 12 milhões em propina da Odebrecht na forma do apartamento e de um terreno supostamente destinado ao Instituto Lula --a entidade nunca ocupou o local.
Os dois imóveis teriam sido pagos pela Odebrecht em troca de uma atuação do ex-presidente para beneficiar a empresa em oito contratos com a Petrobras. A defesa de Lula afirma que ele nunca teve a posse ou a propriedade do apartamento e do terreno, menos ainda em contrapartida a uma atuação em contratos com a Petrobras.
Na decisão desta terça, o juiz não determinou a realização de uma perícia nos recibos. Moro disse que, depois das audiências da semana passada com o contador João Muniz Leite e o engenheiro Glaucos da Costamarques, analisaria apenas o requerimento de perícia nos recibos feito pelo MPF. No entanto, na segunda-feira (18), os procuradores desistiram do pedido.
Assim, ao abrir o prazo para as alegações finais, o magistrado afirmou que "não cabe mais realizar provas" neste processo.
O MPF terá três dias úteis para se manifestar. Depois, no mesmo prazo, será a vez das defesas de Lula e Costamarques. Com isso, Moro poderá dar sua sentença exclusivamente sobre o assunto dos recibos --nem Lula, nem Costamarques são réus neste processo. Como a Justiça Federal entra em recesso a partir desta quarta-feira (20) até o dia 8 de janeiro, os prazos processuais serão suspensos no período.
A ação penal sobre o terreno e o apartamento, em que Lula é réu por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, já passou da fase de interrogatórios. No momento, as partes aguardam a conclusão da perícia da Polícia Federal sobre o sistema Drousys, usado pela Odebrecht para gerenciar o pagamento de propinas. Depois disso, as partes poderão solicitar diligências complementares e apresentarão suas alegações finais. Só depois disso Moro pode dar sua sentença, o que não tem data para acontecer.
Recibos "ideologicamente falsos" para o MPF
Para o MPF, a perícia não seria mais necessária após os depoimentos concedidos na sexta-feira (15) por Costamarques --o suposto laranja na compra do apartamento-- e Leite. Segundo os procuradores, as audiências mostraram que o engenheiro "firmava recibos ideologicamente falsos em bloco exclusivamente para dar amparo dissimulado à locação do apartamento".
A força-tarefa também cita um laudo da Polícia Federal segundo o qual não há registros dos pagamentos nas contas de Lula e Marisa Letícia, que faleceu este ano e foi quem fez o contrato de locação do apartamento com Costamarques.
Já a defesa de Lula tratou a desistência da perícia como um recuo do MPF. "A defesa juntou as vias originais dos recibos para serem periciados, mas o MPF, após verificar que os documentos são autênticos, desistiu da perícia", disse o advogado Cristiano Zanin Martins em nota. Em outubro, a defesa do ex-presidente disse ao UOL que os pagamentos foram feitos em dinheiro vivo.
Os advogados do petista chegaram a contratar uma perícia privada, anexada ao processo, segundo a qual os recibos não foram impressos e assinados de uma só vez. No despacho de hoje, Moro não abordou a análise entregue pela defesa de Lula.
Em decisão anterior no processo dos recibos, Moro já havia questionado a "adequação de perícia técnica para a solução da controvérsia".
"Rigorosamente, para falsidade ideológica, a prova pericial sequer é a mais apropriada, sendo pertinentes a prova oral ou documental", disse o juiz.
Suposto laranja diz que aluguel não era pago
Costamarques disse à Justiça que só começou a receber aluguéis no fim de 2015, depois da prisão na Lava Jato de José Carlos Bumlai, seu primo e amigo de Lula. Já o contador João Muniz Leite, que fazia o Imposto de Renda de Lula e da ex-primeira-dama Marisa Letícia, declarou que não sabia como os aluguéis eram pagos.
O engenheiro afirmou ainda que assinava os recibos porque tinha um contrato de aluguel do apartamento, declarava o suposto recebimento do valor da locação à Receita e pagava os impostos referentes à suposta renda obtida com o aluguel.
Costamarques disse que, como já não recebia o dinheiro do aluguel, Bumlai se comprometeu a ressarcir os valores dos impostos.
Em nota divulgada na segunda-feira, o advogado Cristiano Zanin Martins afirmou que a versão de Costamarques "é incompatível com os esclarecimentos que ele prestou em 2016 à Receita Federal e à Polícia Federal. Nas suas contas circularam valores em espécie compatíveis com o recebimento dos aluguéis, não tendo ele ou o MPF feito qualquer prova de que tais valores não têm essa origem."
Julgamento e eleição
Além do processo do terreno e do apartamento, Lula é réu em mais seis ações penais e já foi condenado em uma, na qual enfrenta um julgamento decisivo no mês que vem.
O TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região) marcou para 24 de janeiro o julgamento em segunda instância do processo do tríplex, em que o ex-presidente foi condenado a nove anos e meio de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro. A defesa de Lula diz que não há provas dos crimes.
Se o tribunal confirmar a condenação da primeira instância, dada pelo juiz Sergio Moro, Lula pode ficar inelegível, segundo a Lei da Ficha Limpa. Mais que isso, o ex-presidente pode até mesmo ir para a prisão, já que um entendimento do STF permite a execução da pena a partir da segunda instância.
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