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Força política de Lula aguça ódio de adversários, diz Tarso Genro

Tarso Genro já foi ministro da Justiça, Educação e das Relações Institucionais  - Mauro Pimentel/Folhapress
Tarso Genro já foi ministro da Justiça, Educação e das Relações Institucionais Imagem: Mauro Pimentel/Folhapress

Leandro Prazeres

Do UOL, em Brasília

14/01/2018 04h00Atualizada em 14/01/2018 09h20

Aos 70 anos de idade, Tarso Genro é uma das vozes mais ativas do PT. Ex-prefeito de Porto Alegre (1993 a 2004), ex-governador do Rio Grande do Sul (2011 a 2015) e ex-ministro da Educação, Justiça e Relações Institucionais, Genro já foi cogitado a suceder o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições de 2010. Longe de cargos públicos desde 2015, ele é um dos principais defensores da candidatura de Lula à Presidência da República em 2018.

Lula, no entanto, corre o risco de ficar inelegível caso o TRF-4 (Tribunal Regional da 4ª Região) confirme, no próximo dia 24, a condenação por corrupção passiva e lavagem de dinheiro pelo caso referente a um apartamento tríplex no Guarujá (SP)

Em entrevista ao UOL, Genro analisa a atual conjuntura, diz que "a força política de Lula aguça o ódio dos seus adversários" e que o ex-presidente é o único nome na esquerda capaz de chegar ao segundo turno das eleições presidenciais deste ano. Confira os principais trechos da entrevista: 

O ex-presidente Lula foi condenado em primeira instância, responde a outros processos e está prestes a ser julgado em segunda instância por crimes de corrupção. Na sua opinião, ele deve ser candidato do PT à presidência?

Sim, deve ser candidato. [Lula] tem a obrigação de submeter-se à soberania popular e contestar as acusações que lhe são feitas, que compartilham, na verdade, de um processo de liquidação política de todo o reformismo de esquerda e centro esquerda, que começará a vingar no país.

Assim como o presidente Lula tem a obrigação e o dever de responder, no devido processo legal, às acusações que lhe são feitas pelo Ministério Público, ele, como liderança maior que é do campo popular, deve ter o direito de submeter-se ao crivo eleitoral, de onde emana, constitucionalmente, todo o poder.

A manutenção da candidatura de Lula é uma estratégia do PT para protegê-lo?

Não creio que seja, pois a demonstração de força política de Lula aguça o ódio dos seus adversários e dos primários promotores de Curitiba, como se tem visto ultimamente.

Em que medida a manutenção da candidatura de Lula está impedindo a formação de uma frente ampla de esquerda?

Na minha opinião, nas circunstâncias atuais, esta frente 'ampla' só se formará num segundo turno. Se ela puder ser formada no período atual, e Lula é o único que poderá chegar lá [segundo turno], com capacidade de aglutinar pela esquerda, logo, ele não impede esta frente, mas a viabiliza.

O deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL-RJ) disse em entrevista que talvez não seja a hora de se unificar a esquerda. Qual sua opinião em relação a essa declaração? É momento de se unificar a esquerda?

Tenho conversado muito com Freixo, Boulos [Guilherme Boulos, coordenador do Movimento do Trabalhadores Sem-Teto], Manuela [D'Àvila, pré-candidata à Presidência da República pelo PCdoB] e outras lideranças do campo da esquerda. Pelo que conheço das opiniões de Freixo, o que ele defende é que os partidos da esquerda têm o direito de lançar candidatos, para firmar-se no cenário eleitoral e apresentar seus desenhos programáticos, o que eu aliás concordo.

Temos que lutar para formar uma esquerda plural, sem hegemonismos pré-concebidos e isso só se consegue com várias vozes da esquerda falando para a sociedade, não necessariamente a mesma linguagem, mas defendendo os mesmos ideais libertários e democráticos que estão na nossa história comum.

A falta de unidade entre a social-democracia e o bolchevismo, no primeiro terço do século passado, deu uma contribuição fundamental para formatar os erros da esquerda que, ao fim e ao cabo, dissociaram democracia e socialismo no senso comum e nas experiências de Governo.

O PT corre risco de perda de protagonismo nas eleições de 2018 se Lula for considerado inelegível?

[O PT] pode perder [protagonismo], mas esse não será o principal problema do país, pois o PT poderá recuperá-lo processualmente. O principal problema para o país é que, se Lula não concorrer, o próximo presidente, que será provavelmente de centro-direita --um fenômeno tipo Collor, mas ainda mais despreparado--, perderá a legitimidade para governar, pois terá chegado ao poder sem vencer o principal candidato ao posto presidencial. 

Uma eventual condenação de Lula em segunda instância é uma possibilidade real. Por que o PT hesita em apresentar um "plano B" à população?

Falar em 'plano B' seria chancelar os métodos de 'exceção' que estão na raiz dos processos contra Lula, nos quais uma parte do Ministério Público e do Judiciário alinhou-se politicamente e perdeu a neutralidade formal que deve presidir estas instâncias republicanas.

O senhor está pronto para ser o candidato do PT à Presidência caso Lula seja impedido de se candidatar?

Não sou candidato e sou suficientemente maduro para saber que não tenho chance de sê-lo. Se Lula não for candidato, ele vai indicar ao partido quem deve ser o candidato, e ele não será do Rio Grande Sul e muito menos uma liderança que não combina bem com o grupo dirigente atual [O PT é presidido pela senadora Gleisi Hoffmann, que pertence à corrente interna do partido chamada "Construindo um Novo Brasil". Tarso Genro é um dos líderes da corrente chamada "Mensagem ao Partido"].

Em 2016, o PT viu o número de prefeitos e vereadores encolher significativamente. O partido aprendeu alguma lição com o que aconteceu em 2016? O que ele pretende fazer para que isso se repita em 2018?

O PT entrou na eleição de 2016 profundamente desgastado, pois até ali foi alvo principal dos processos e investigações policiais, justas e injustas, que se desenvolveram no período imediatamente anterior, bem como foi alvo de uma campanha da mídia, orquestrada pela direita, como se ele fosse o ninho de toda a corrupção no Estado brasileiro.

Grande parte do partido deve ter aprendido muito, ou seja, a não cair em práticas tradicionais que vêm caracterizando todos os partidos na sua história até aqui. Isso tem a ver em parte com o sistema político e, em parte, com o sistema de alianças. Logo veremos se aprendemos algo em relação a esta segunda parte [sistema de alianças], cuja decisão está nas nossas mãos.

Por que o povo não saiu às ruas em 2017 contra Temer como saiu em 2016 contra a ex-presidente Dilma Rousseff, apesar da ampla cobertura da mídia nos dois casos?

Na minha opinião a sua premissa não confere com o mundo real: a mídia oligopólica fez uma campanha contra Dilma para derrubá-la e para colocar um presidente compromissado para fazer as 'reformas' contra o estado social. Reformas que estão sendo feitas, aliás.

Contra a Dilma, as classes médias --grande parte delas diz que 'sonegar é legítima defesa'-- saiu às ruas massivamente contra as políticas sociais ofertadas aos pobres porque suas condições econômicas estavam se deteriorando. Não saiu às ruas contra a corrupção, que, como se sabe, aumentou exponencialmente os seus representantes no governo.

A mídia que controla a formação de opinião ataca o governo Temer nos 'detalhes', mas não na sua legitimidade para fazer as reformas ou para governar, pois, como insistem, o governo Temer 'já começou a melhorar o Brasil'. As classes médias superiores e altas preferem a guerra social do governo Temer às políticas sociais da esquerda e do PT. Por isso não se movem nem se tornam vanguarda mobilizadora contra o governo atual.

Em um artigo seu, o senhor diz que Lula será julgado no TRF-4 por sua "grandeza" e não pelos seus defeitos e erros. Na sua avaliação, qual o principal defeito de Lula e qual foi seu principal erro na presidência?

Neste momento que estamos passando, não vou apontar nenhum defeito em Lula. Ele é vítima de uma campanha brutal já há muitos anos e apontar seus defeitos em momentos como este --já que na minha opinião suas virtudes são superiores ao seus defeitos, como ser humano e quadro político-- é colaborar com este massacre.

O senhor diz que Lula não é populista, mas usa o termo "populismo pós-moderno" em alguns de seus artigos. Por que Lula, para o senhor, não é populista? E quem seriam os "populistas pós-modernos" da política brasileira?

Os populistas pós-modernos são líderes como Dória [João Dória, prefeito de São Paulo] e Marchezan Jr [Nelson Marchezan Jr, prefeito de Porto Alegre]. Em última instância, enfrentam a disputa política criando dois estereótipos: que os servidores públicos são ineficientes e corruptos e a iniciativa privada não é; e que promovem a ideologia de que o melhor dos mundos é cada um ser 'patrão de si mesmo', o que tem um apelo fortíssimo na classe média baixa, espremida entre a insegurança pública, o preço da vida e a baixa qualidade dos serviços público de educação e saúde.

O deputado Jair Bolsonaro seria um deles? 

Bolsonaro é um fascista tradicional, com pouco talento e muita violência na linguagem. Lida somente com o ódio, não com categorias políticas assimiláveis na democracia

O deputado Jair Bolsonaro aparece em segundo lugar nas pesquisas mais recentes. Na sua avaliação, após 13 anos de governo de um partido da centro-esquerda (PT), como explicar a popularidade de Bolsonaro?

Como dizia Gramsci [Antonio Gramsci, filósofo italiano de orientação marxista do século 20], entre uma época que morre e a outra nova época que custa a nascer se criam e crescem os monstros.

O prefeito de Porto Alegre, Nelson Marchezan Júnior, do PSDB, pediu ajuda de tropas federais para o julgamento de Lula no TRF-4. O senhor considera o pedido apropriado? Há risco de conflitos?

Eis um exemplo do populismo pós-moderno. [Marchezan Jr.] não tem competência constitucional nem autoridade moral para isso. Não tem nenhum risco de conflito que a Brigada Militar [Polícia Militar do Rio Grande do Sul] não possa intervir e controlar caso isso ocorra.

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