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Cabral algemado: criminalistas veem tratamento "animalesco" e defendem punição de agentes

19.jan.2018 - Sérgio Cabral chega ao IML de Curitiba para exame de corpo de delito, com algemas nas mãos e correntes nos tornozelos - Giuliano Gomes/PR Press/Estadão Conteúdo
19.jan.2018 - Sérgio Cabral chega ao IML de Curitiba para exame de corpo de delito, com algemas nas mãos e correntes nos tornozelos Imagem: Giuliano Gomes/PR Press/Estadão Conteúdo

Janaina Garcia

Do UOL, em São Paulo

20/01/2018 04h00Atualizada em 20/01/2018 10h13

O uso de algemas nas mãos e corrente nos tornozelos do ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral (PMDB) no encaminhamento para realização de exames no IML (Instituto Médico Legal) de Curitiba, nesta sexta-feira (19), foi classificada como “abusiva” e “digna de um tratamento animalesco” por especialistas em direito criminal e pela defesa do réu.

Cabral foi transferido à capital paranaense nesta quinta (18) após pedidos feitos pelas forças-tarefa da Lava Jato no Paraná e no Rio tanto ao juiz federal Sérgio Moro quanto ao juiz Marcelo Bretas, de férias no momento --a juíza Caroline o substitui à frente da 7ª Vara Criminal Federal.

Para o advogado do ex-governador, Rodrigo Roca, o emprego das algemas e da corrente será atacado em dois habeas corpus que ele apresentará, no início da próxima semana, no TRF-2 (Tribunal Federal Regional da 2ª Região), por conta da decisão da 7ª Vara Federal Criminal (Rio de Janeiro), e ao TRF-4, que analisará a decisão de Moro, titular da 13ª Vara Federal Criminal (Curitiba).

“Queremos não apenas que ele seja reenviado ao Rio como que instrumentos como algemas e corrente não sejam mais utilizados como foram hoje em Curitiba, de forma arbitrária, desnecessária”, afirmou.

Roca citou o episódio em que policiais do Rio fizeram selfies com o traficante Rogério Avelino da Silva, o Rogério 157, quando ele foi preso, em dezembro passado. Nas fotos, policiais civis posaram sorrindo ao lado de Rogério, que estava algemado.

“Enquanto vemos policiais fazendo selfies com o Rogério --este, sim, pessoa conhecida pelo uso de violência--, o ex-governador é tratado de maneira animalesca”, considerou. “Isso fere a dignidade da pessoa humana, pois a algema, em qualquer hipótese, é uma questão de segurança e uma forma de proteção e preservação da integridade tanto de policiais como do preso, desde que esse preso apresente risco fuga ou de revide --e evidentemente não é esse o caso”, defendeu.

Conforme o advogado, a defesa pedirá “apuração e punição” do episódio. “Trata-se de algo arbitrário, excessivo e ilegal”, concluiu.

Advogada cita súmula do STF

Advogada criminalista em São Paulo, Adriana Filizzola D’Urso citou que, de acordo com a Súmula Vinculante nº 11, do STF (Supremo Tribunal Federal), o uso de algemas em réus presos só é permitido se justificado por escrito.

Pelo dispositivo, só é lícito o uso de algemas em casos de “resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado”.

Adriana assinalou que, via de regra, presos por crimes de natureza financeira e econômica, como Cabral, acabam não apresentando chance de fuga ou de perigo à integridade física própria e alheia.

Não estamos falando do mesmo risco apresentado por um serial killer. Ao se analisar o criminoso econômico, talvez o receio sobre a integridade seja muito menor --bem como a possibilidade de resistência ou receio de fuga.

Adriana Filizzola D’Urso, advogada criminalista

"Coloca o réu contra a opinião pública", avalia ONG

Presidente da ONG IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa) --fundada em 2000 e idealizada pelo ex-ministro Márcio Thomaz Bastos, com um grupo de criminalistas--, o advogado Fábio Tofic Simantob também condenou o aparato de força em torno do ex-governador.

“O Supremo adotou o entendimento sumulado --ou seja, com força de vinculação-- de só autorizar o uso algemas nos casos em que é notório o perigo ao preso e a terceiros ou o risco de fuga. Quando a gente olha o aparato policial que o ex-governador teve, nesse transporte, fica claro que é praticamente impossível ele fugir”, destacou.

Simantob reforçou o argumento da advogada de que a natureza dos crimes pelos quais Cabral é acusado não implica em grave ameaça em uma situação como a do transporte ao IML.

O que houve foi o constrangimento pelo constrangimento. Além do mais, isso transmite de forma subliminar à população e à sociedade que aquele réu oferece um perigo inconsciente, de que se trata de um bandido de alta periculosidade.

Fábio Tofic Simantob, presidente do IDD

“É uma forma de colocar o réu contra a opinião pública, porque as pessoas sentem maior asco, afinal, a algema despersonaliza o sujeito. Mas usar isso colocando a vontade à frente do que determina a lei é abuso de autoridade e constrangimento ilegal”, completou.

"Tratado como bicho", diz advogado do caso Pimenta Neves

Para o criminalista Sergei Cobra Arbex, que atuou, entre outros casos de projeção nacional, na assistência de acusação contra o jornalista Pimenta Neves --condenado pelo assassinato da namorada, a também jornalista Sandra Gomide, em agosto de 2000--, as algemas e a corrente em Cabral “beiram o absurdo”.

Há que se cobrar não apenas que Sérgio Cabral pague pelos crimes que cometeu, mas também processar os agentes que abusaram do poder ao submeter uma pessoa a uma indignidade humana desnecessária, como foi no caso dele. Foi tratado como um bicho.

Sergei Cobra Arbex, advogado criminalista

Na avaliação do advogado, não havia excepcionalidade capaz de justificar o aparato.

“O que se fez foi um espetáculo, e apontar isso nem tem relação com o Cabral, não: é cobrar por princípio da dignidade humana que serve para proteger quaisquer cidadãos”, disse. “É preciso passar o país a limpo e condenar quem precisa ser punido, mas se há que tomar cuidado com as garantias constitucionais --e uma pessoa como Cabral é o que mais precisa desse cuidado: se ele errou, é com ele que temos dar exemplo”, defendeu o advogado.

“É uma sinalização muito ruim em termos de sociedade, de que não estamos evoluindo a medida em que o Estado trata um cidadão que definitivamente não oferece risco como se fosse bicho. Os agentes têm que responder por conduta abusiva”, concluiu.

PF alega ter seguido "todos os parâmetros legais"

Procurada, a assessoria de imprensa da Polícia Federal em Curitiba, que realizou a escolta de Cabral algemado, não comentou as críticas dos advogados até a publicação desta reportagem. Já a Diretoria-Geral da PF em Brasília informou que seguiu rigorosamente "todos os parâmetros legais" no procedimento de condução do ex-governador e explicou que quem define as condições da condução é quem a executa --no caso, os agentes que faziam a escolta do emedebista.

Cabral foi submetido a exames no Instituto Médico Legal da capital paranaense, antes de ser transferido para o Complexo Médico-Penal de Pinhais, a prisão da Lava Jato - onde estão alguns dos principais alvos da investigação, como o ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha (MDB-RJ), e o ex-tesoureiro do PT João Vaccari.

A PF destacou que Cabral "não é um suspeito, é um preso já sentenciado". O ex-governador acumula 87 anos de condenação em três processos. Segundo a PF, a condução do emedebista "seguiu todas as observações necessárias para sua efetiva execução".

A PF avalia que "não há nenhum reparo a ser feito" na forma como o ex-governador foi transferido porque "tudo foi realizado dentro dos parâmetros e do protocolo de segurança". A assessoria da Diretoria-Geral observa que a cautela é exigida diante do "ânimo da população" - com relação a condenados por corrupção, caso de Cabral. A PF disse, ainda, que não pode abrir mão da segurança do próprio prisioneiro em um ambiente público.

* Com Estadão Conteúdo

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