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Com delação-chave contra Cabral, 'gerente da propina' troca revelações por 20 anos de prisão

Carlos Miranda é interrogado pelo juiz Sergio Moro em ação penal na 13ª Vara Federal Criminal (PR), em abril do ano passado - Reprodução
Carlos Miranda é interrogado pelo juiz Sergio Moro em ação penal na 13ª Vara Federal Criminal (PR), em abril do ano passado Imagem: Reprodução

Hanrrikson de Andrade

Do UOL, no Rio

31/01/2018 04h00

O economista Carlos Miranda, apontado como operador financeiro do ex-governador Sérgio Cabral (PMDB), negociou pena total de 20 anos de prisão em delação premiada fechada com a PGR (Procuradoria-Geral da República) e homologada pelo STF (Supremo Tribunal Federal) em dezembro do ano passado. A punição prevista no acordo, que está em segredo de Justiça, foi confirmada ao UOL pela força-tarefa da Lava Jato no Rio. Equivale a um terço da soma das quatro sentenças já aplicadas a Miranda --ele responde, no total, a 14 processos.

Como os termos do acordo de colaboração ainda não chegaram à 7ª Vara Federal Criminal (RJ), os procuradores ainda desconhecem as condições de execução penal. Sabe-se, no entanto, que a pena de 20 anos diz respeito à punição máxima e não contempla os benefícios de progressão de regime e outros pontos da negociação entre as partes.

A Lava Jato atribui ao "gerente da propina" de Cabral função essencial na engrenagem do esquema de corrupção, que teve início, segundo dizem os investigadores, logo quando o ex-governador tomou posse de seu primeiro mandato, em 2007.

A delação de Miranda foi acertada no primeiro semestre do ano passado e só foi homologada cerca de oito meses depois. Os termos e os anexos do documento são guardados a sete chaves porque envolvem políticos com prerrogativas de foro --a autorização pelo Supremo indica menção a senador ou deputado federal.

Procurados, os advogados do acusado, Daniel Raizman e Fernanda Freixinho, não se posicionaram sobre a pena fixada.

Antes da colaboração, Miranda havia sido condenado a 61 anos de prisão (26 a menos do que Cabral) em processos no Rio e no Paraná. Como a soma das penas já aplicadas ultrapassa o que foi negociado na delação, ele não será alvo de novas denúncias no âmbito da Lava Jato.

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Esse é o motivo pelo qual o operador financeiro não foi denunciado junto com Cabral, na última segunda-feira (29), sob acusação de ter lavado dinheiro de corrupção a partir de contratos para prestação de serviços fictícios. A investigação surgiu a partir de informações obtidas nas operações Mascate, Eficiência e Calicute.

Uma das empresas utilizadas no esquema, a Gralc --que depois passou a se chamar LRG Agropecuária-- foi aberta por Miranda e teria lavado, segundo a Lava Jato, quase R$ 7 milhões. O MPF (Ministério Público Federal) narra que os recursos eram injetados em espécie na contabilidade de concessionárias automotivas do Grupo Dirija, que posteriormente contratava serviços que nunca foram realizados.

Miranda está preso desde novembro de 2016 e atualmente ocupa a Cadeia Pública José Frederico Marques, em Benfica, na zona norte carioca. Até duas semanas atrás, Cabral se encontrava preso no mesmo presídio. Em 18 de janeiro, por determinação da Justiça, o ex-governador foi transferido para o Complexo Médico de Pinhais, no Paraná.

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Ao aceitar fazer a delação, Miranda se posicionou "não como um coitadinho", e sim como "uma pessoa responsável e que responde pelos seus atos", segundo afirmou o advogado Daniel Raizman.

"Foi o que ele fez. Assumiu os fatos e, a partir daí, o que ele gostaria de ter é uma oportunidade no futuro. Uma nova vida", disse.

"E para isso ele tinha que dar conta do que foi o seu passado. Isso implicava reconhecer o passado, em primeiro lugar, e depois assumir a responsabilidade. Na perspectiva de algum futuro poder recomeçar a sua vida", completou.

Raizman relatou que o seu cliente teve "altos e baixos" na cadeia e que chegou a "se sentir mal" por conta da demora na homologação do acordo de colaboração. Em uma das audiências realizadas no ano passado, Cabral --até então seu companheiro de presídio-- relatou que o ex-aliado aparentava estar abalado e o chamou de "sujeito introvertido" e "mal resolvido do ponto de vista psicológico".

De acordo com o advogado, Miranda começou a reagir depois que passou a ocupar uma função dentro da cadeia. "Observamos que, se ele tivesse de pronto alguma atividade, ficaria bem melhor. E foi o que aconteceu, ficou bem melhor. Isso foi acordado pelo próprio juiz, que ele tivesse alguma atividade interna. Ele está [trabalhando] na cantina."

Raizman também explicou que o processo de elaboração da delação premiada foi um "trabalho faraônico". Isso porque, como o contato entre cliente e advogado só se dá por meio do parlatório (uma cabine com telefone, onde o diálogo é gravado e monitorado), a interação entre os dois teve de ser feita por meio de manuscritos. À época, Miranda estava detido no Complexo Penitenciário de Bangu, na zona oeste carioca.

"Tudo está sendo escutado, são informações muito sensíveis. Fizemos por via escrita. A gente só escrevia. É interminável. Eu tinha que escrever e mostrar para ele [através do vidro que permite contato visual entre detentos e advogados], e ele escrevia e me mostrava", relatou.

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'Delação-chave'

Economista de formação e casado com uma prima do ex-governador, Miranda teria sido designado para substituir um outro investigado --Sérgio de Castro Oliveira, conhecido como Serjão e Big-- com o objetivo de "gerenciar os recursos ilicitamente auferidos" pela organização criminosa a partir de janeiro de 2007.

Por esse motivo, ele é descrito como "gerente da propina", o homem incumbido da responsabilidade de supervisionar a arrecadação do dinheiro ilícito pago por empreiteiras, prestadoras de serviço e agentes da iniciativa privada.

O relato de Miranda é fundamental para a Lava Jato do RJ porque corrobora uma série de informações narradas nas 20 ações penais contra o ex-governador. "Há um farto conjunto probatório", afirmou uma fonte ligada às investigações.

Um dos processos cujo teor da denúncia é ratificado pelo operador diz respeito à atuação dos irmãos Marcelo e Renato Chebar, doleiros que administravam o dinheiro de Cabral em contas no Brasil e no exterior. Após se tornarem delatores, eles aceitaram devolver à Justiça cerca de US$ 100 milhões.

Em interrogatório na 7ª Vara, Miranda confirmou que ele, Cabral e o ex-secretário de Governo Wilson Carlos, apontado como braço direito do ex-chefe do Executivo, eram os donos do dinheiro.

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O colaborador também forneceu informações valiosas em relação aos processos derivados das operações Unfair Play (primeira fase), Ratatouille e C'est Fini, que apuram fraudes e desvios no setor de serviços terceirizados do Estado.

Miranda disse, por exemplo, que Arthur César de Menezes Soares, conhecido como "rei Arthur", ex-dono do grupo Facility, arrecadava propina de fornecedores e realizava pagamentos a Cabral e outros agentes públicos em troca de vantagens em contratos com o Executivo. O empresário é acusado de pagar US$ 10 milhões em propina.

De acordo com o delator, o esquema abrangia serviços de várias áreas do governo. "Pagamento de propina por parte de alguns empresários interessados em legislação, empresas de ônibus, Fetranspor [Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do RJ], supermercados, construtoras e prestadores de serviço. Serviços de segurança, lavanderia", enumerou.

O depoimento de Miranda tornou-se ainda mais importante para os procuradores da Lava Jato depois que ele, ciente do valor probatório de suas declarações, confirmou à Justiça o percentual de propina destinado ao bolso de Cabral.

Na versão dele, o ex-governador --que negou com veemência a acusação-- tinha por hábito cobrar uma taxa de 5% em cima dos contratos.

O que diz Sérgio Cabral

Nos interrogatórios judiciais, Cabral vem negando sistematicamente as acusações de que teria solicitado ou recebido propina. O ex-governador reconhece, por outro lado, ter feito uso pessoal de "sobras de campanha", o que configura o crime de caixa dois.

Em depoimento ao juiz Marcelo Bretas, em julho, Cabral reagiu indignado à acusação de que ele implementava cobrança padrão de 5% de propina. "Nunca houve 5%. Que 5% é esse? Que maluquice é essa?", afirmou.

O político também vem desqualificando Miranda desde que ele rompeu o silêncio e decidiu responder aos questionamentos feitos nos interrogatórios. Quando soube que o ex-funcionário havia se tornado delator, o peemedebista o classificou como "traidor", "mentiroso", "sujeito sem graça" e "amarra-cachorro" (pessoa que executa tarefas de pouca importância).

"Ele [Miranda] jamais tratou ou participou de reunião minha com empresários para doações. Nunca dei satisfação a ele sobre minha logística e sobre meus acordos políticos. Essa coisa de propina chega a dar pena dele, de inventar essa coisa de propina. Ele era também um amarra-cachorro meu. Ele recebia um salário meu", declarou.

O ex-governador também nega os crimes de lavagem de dinheiro e organização criminosa. No banco dos réus da 7ª Vara, ele já afirmou não possuir contas bancárias no exterior e disse não reconhecer os valores apurados pelas investigações da força-tarefa da Lava Jato.