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Mais jovem deputado federal do MDB propõe lei para beneficiar empresas de sua família

No 1º mandato, o deputado Newton Cardoso Jr. (MDB-MG) é da bancada ruralista - MDB
No 1º mandato, o deputado Newton Cardoso Jr. (MDB-MG) é da bancada ruralista Imagem: MDB

Ana Magalhães

Da Repórter Brasil

16/03/2018 12h00

Mais jovem deputado federal do MDB, Newton Cardoso Júnior (MG) ganhou holofotes nos principais jornais do país no ano passado, quando se descobriu que suas empresas tinham dívidas milionárias com a União. O deputado então atuava como relator da medida provisória do Refis, programa de refinanciamento que aumentou vantagens e descontos para empresas que devem impostos ao fisco.

Ao cruzar sua atuação como parlamentar e seus negócios, a Repórter Brasil descobriu uma série de conflitos de interesses. O levantamento foi feito a partir do Ruralômetro, ferramenta que mede como a ação dos deputados impacta o meio ambiente e os povos do campo.

O parlamentar está no seu primeiro mandato, é integrante da bancada ruralista, a Frente Parlamentar Agropecuária, e carrega o nome e o legado do pai, conhecido como "Newtão". Empresário rural, ele foi foi governador de Minas Gerais de 1987 a 1991 e deputado federal por três mandatos. É dono de 145 fazendas e tem um patrimônio total de R$ 2,5 bilhões, segundo afirmou à revista "Veja" em em 2009.

O patrimônio declarado por "Newtão" ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) em 2010 foi de R$ 78 milhões. Já o filho declarou ao TSE em 2014, quando de sua eleição, R$ 1.797.026,57 em bens, quase sua totalidade representada por um apartamento avaliado em R$ 1,5 milhão em Nova Lima (MG).

Newtão - Valter Campanato/Agência Brasil - Valter Campanato/Agência Brasil
Newton Cardoso, ou "Newtão", como é conhecido, é empresário rural, foi governador de Minas Gerais de 1987 a 1991 e deputado federal por três mandatos
Imagem: Valter Campanato/Agência Brasil

O Grupo Newton Cardoso, que se define como "um dos maiores do Brasil", tem uma ampla gama de atuação: se expande pelas áreas de "siderurgia, agropecuária, reflorestamento, indústria e serviços". 

Uma das empresas do grupo cultiva plantações de eucalipto no interior de Minas Gerais, caso da Rio Rancho Agropecuária. Não coincidentemente, o Projeto de Lei 6411/2016, de autoria de Cardoso Júnior, propõe acabar com a necessidade do licenciamento ambiental prévio e dos estudos de impacto para áreas de reflorestamento.

O projeto, que ainda não foi analisado pelas comissões da Câmara, também beneficiaria outra empresa que tem Cardoso Júnior como presidente e que pertence ao grupo Newton Cardoso. A Siderúrgica Pitangui utiliza carvão vegetal, geralmente produzido a partir do eucalipto, como matéria-prima para a produção de ferro gusa. Ou seja, ao facilitar a aprovação de novas áreas de plantio de eucalipto, o projeto de lei estaria beneficiando indiretamente a indústria que consome esse produto.

Deputado diz atuar contra "desburocratização"

Cardoso Junior nega atuar em benefício próprio. O deputado informou, por meio de nota enviada por sua assessoria, que "defende a desburocratização do licenciamento ambiental, com o objetivo de agilizar o processo, já que os produtores enfrentam lentidão e restrições da legislação que impedem o desenvolvimento" (veja a íntegra ao final da reportagem).

A nota afirma ainda que o parlamentar representa os interesses do setor de eucalipto devido à sua importância econômica para Minas Gerais, ressaltando que o estado tem a maior área plantada de florestas do Brasil. "A manutenção dessa atividade é de fundamental importância para a economia do estado, tendo em vista que o setor gera 379 mil empregos diretos e indiretos e responde por 9% do PIB mineiro."

O projeto sofre críticas por ser considerado prejudicial ao meio ambiente. O texto partiria de um princípio errado: a ideia de que "plantar árvores", não importa o tipo e a quantidade, seria sempre algo positivo para o meio ambiente.

"Toda plantação de monocultura em grandes extensões produz um ecossistema artificial e gera impactos ambientais", avalia o coordenador do Programa Xingu do Instituto Socioambiental, Rodrigo Junqueira. "Uma plantação de eucalipto deve ser vista como uma plantação de soja --é uma monocultura."

Outro problema ainda mais grave apontado por Junqueira seria que, caso aprovada, a lei abriria brecha para que outros setores demandem a extinção do licenciamento ambiental.

Ao justificar a elaboração do projeto, o deputado afirma que "a atividade de plantio florestal cada vez mais é reconhecida por sua capacidade de proporcionar benefícios ambientais e sociais". O texto argumenta que a legislação brasileira está "equivocada" ao considerar a silvicultura como uma atividade que causa degradação ambiental.

Eucalipto caído - Gui Gomes/Repórter Brasil  - Gui Gomes/Repórter Brasil
Deputado defende a capacidade de gerar emprego do plantio de eucaliptos
Imagem: Gui Gomes/Repórter Brasil

Parlamentar tem atuação desfavorável ao meio ambiente

Em outras frentes de conflito de interesse, a Rio Rancho Agropecuária, que deve R$ 850 mil ao INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), é suspeita de ter falsificado documentos para forjar posse de terras públicas no interior de Minas.

O MPF (Ministério Público Federal) investiga a empresa pela chamada "grilagem" de terras da União, invadindo o território de uso tradicional das comunidades geraizeiras. 

Apesar da sua empresa ser investigada por esse crime, o deputado se manifestou de modo favorável à única votação nominal dentro do processo de aprovação da chamada "MP da Grilagem".

A Medida Provisória 759/2016 foi amplamente criticada por ambientalistas justamente porque ela amplia as situações em que se permite legalizar áreas públicas invadidas, abrindo caminho para a piora do desmatamento e dos conflitos de terras.

Cardoso Junior votou "sim" a uma emenda específica dentro da MP, analisada em junho de 2017, que ampliava o desconto para produtores rurais com dívidas referentes ao crédito rural.

Além da sua atuação em benefício de suas empresas rurais, o Ruralômetro revela ainda que o deputado teve uma atuação parlamentar desfavorável ao meio ambiente. Como resultado final do balanço de sua atuação parlamentar, o deputado ficou com a temperatura de 39,7º C, indicando a "febre ruralista".

Eucalipto - Gui Gomes/Repórter Brasil  - Gui Gomes/Repórter Brasil
Imagem: Gui Gomes/Repórter Brasil

Cardoso foi mal avaliado porque, além da proposta sobre as plantações de eucaliptos, o deputado teve nove votos considerados desfavoráveis ao meio ambiente, trabalhadores rurais, indígenas e comunidades tradicionais.

A ferramenta calcula a temperatura a partir de cada voto e proposta dos parlamentares, considerando a avaliação de organizações do setor socioambiental como o ISA, o Greenpeace e a Comissão Pastoral da Terra.

O Ruralômetro aponta ainda que, durante a eleição de 2014, o deputado recebeu R$ 51 mil em doações de empresas autuadas pelo Ibama por infrações ambientais --entre elas, a própria Siderúrgica Pitangui. 

Mais dívidas e questões trabalhistas

Em Pitangui, no interior de Minas, a siderúrgica que leva o nome da cidade é famosa por ter mão de obra qualificada e por empregar cerca de 200 trabalhadores.

A empresa, no entanto, nem sempre cumpre suas obrigações trabalhistas. Segundo o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos de Pitangui, José Vantuir Ferreira, além de não repassar ao INSS as contribuições previdenciárias dos trabalhadores, há diversos casos de funcionários que são obrigados a entrar com ações na Justiça anualmente para cobrar o reajuste salarial.

Além disso, segundo Ferreira, a empresa atrasa o pagamento de FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço) com alguma frequência.

Além de ter desconto e condições especiais de parcelamento das suas dívidas com o poder público, Newton Cardoso Júnior conseguiu também, com a MP do Refis alterada em benefício próprio, se livrar de uma ação penal que transitava no STF (Supremo Tribunal Federal) e que pedia o bloqueio de seus bens por conta da inadimplência da Siderúrgica Pitangui.

Em decisão do último 6 de março, o ministro Celso de Mello decretou a extinção da punibilidade, sob o argumento de que a dívida estava sendo negociada e parcelada.

Como os valores totais dos débitos ainda não foram totalmente quitados, a empresa continua inscrita na dívida ativa da União, de acordo com dados disponibilizados à Repórter Brasil pela PGFN (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional) em março deste ano.

Ao todo, a Siderúrgica e outras seis companhias ligadas ao deputado possuem dívidas de R$ 18 milhões apenas à Previdência Social (dos quais R$ 15,3 milhões referem-se ao INSS Rural) --valores que não incluem outros tributos federais, como Imposto de Renda, PIS, Cofins ou FGTS.

Sobre as dívidas previdenciárias, o deputado explica que são provenientes de "questionamentos judiciais por parte das empresas, por entenderem não ser devido".

Além de se definir, em seu site oficial, como "um dos maiores do Brasil", o Grupo Newton Cardoso afirma que suas 14 empresas são administradas com "profissionalismo, modernidade e rigor no cumprimento às obrigações tributárias e trabalhistas".

Foi também com firmeza de discurso que, no debate para a aprovação da MP do Refis, no ano passado, o deputado foi ao microfone do plenário e disse que tem absoluta convicção que seu trabalho na relatoria na MP "foi voltado para interesses nacionais, jamais privilegiando qualquer interesse particular".

Veja a íntegra das perguntas e as respostas da defesa do deputado Newton Cardoso Jr.:

Repórter Brasil - O deputado tem uma empresa em Minas –-a Siderúrgica Pitangui-– compradora de carvão vegetal; sua família é proprietária de áreas que plantam eucalipto (para a produção de carvão vegetal). E o deputado é autor de um projeto de lei que acaba com licenciamento ambiental para áreas de reflorestamento. Gostaria de saber: com base em que interesses e por que o deputado elaborou o PL 6411/2016?

Como Membro do Conselho Fiscal da AMS (Associação Mineira de Silvicultura) e presidente da Frente Parlamentar de Silvicultura, o deputado Newton Cardoso Jr. defende a desburocratização do licenciamento ambiental, com o objetivo de agilizar o processo, já que os produtores enfrentam lentidão e restrições da legislação que impedem o desenvolvimento.

O deputado representa os interesses do setor de eucalipto, que gera milhares de emprego e renda para o país, mas sempre com respeito às leis, e ressalta que Minas Gerais, tem a maior área plantada de florestas do Brasil.

Newton Jr. disse que a manutenção dessa atividade é de fundamental importância para a economia do estado, tendo em vista que o setor gera 379 mil empregos diretos e indiretos e responde por 9% do PIB (Produto Interno Bruto) mineiro.

O que o parlamentar tem a dizer sobre as dívidas de suas empresas ao INSS?

Oriundos de questionamentos judiciais por parte das empresas, por entenderem não ser devido. Está em discussão na Justiça, conforme a lei. 

O deputado e a Siderúrgica Pitangui são alvo de uma ação no STF, de autoria do Ministério Público, que o denuncia por falsificar notas fiscais na compra de carvão vegetal. Segundo a denúncia, o deputado forjou notas fiscais --dizendo que comprava carvão vegetal de fazendas com reflorestamento--, mas o Ministério Público não encontrou tais fornecedores e suspeita que as compras de carvão vinham de florestas nativas. Algum comentário a respeito?

Inocentado. 

O Grupo Newton Cardoso se define como "um dos maiores do Brasil", com atuação nas áreas "de siderurgia, agropecuária, reflorestamento, indústria e serviços". E que as 14 empresas do grupo "são administradas com profissionalismo, modernidade e rigor no cumprimento às obrigações tributárias e trabalhistas". Segundo o Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos de Pitangui, anualmente funcionários têm que entrar com ações na Justiça cobrando o reajuste salarial. É frequente também a siderúrgica atrasar o pagamento de FGTS. Gostaria de um comentário sobre essa questão trabalhista.

Falsa afirmação do sindicato.