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Venezuela dá calote em dívida com credores e União assume pagamento de quase R$ 1 bilhão

O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro: país vizinho parou de pagar dívida com BNDES em janeiro - AFP
O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro: país vizinho parou de pagar dívida com BNDES em janeiro Imagem: AFP

Aiuri Rebello

Do UOL, em São Paulo

20/03/2018 14h01Atualizada em 20/03/2018 21h40

Em grave crise política, econômica e social, a Venezuela deixou de pagar R$ 901 milhões, ou US$ 274 milhões no câmbio desta segunda-feira (19), referentes a uma parcela de empréstimos feitos junto ao BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e a outros bancos privados vencida em janeiro. Foram US$ 130,9 milhões contratados diretamente com o BNDES e US$ 143,7 milhões junto aos credores privados. Com isso, foi acionado o FGE (Fundo Garantidor de Exportações) para ressarcir a parcela não paga.

Na prática, quem assume o prejuízo de quase R$ 1 bilhão é o governo brasileiro, por meio do seguro vinculado ao fundo. Pelo menos até o pagamento da dívida pelos venezuelanos. O FGE é um fundo do Tesouro Nacional ligado ao Ministério da Fazenda e tem como finalidade dar cobertura às garantias prestadas pela União nas operações de crédito à exportação.

O objetivo é "segurar as exportações brasileiras de bens e serviços contra os riscos comerciais, políticos e extraordinários que possam afetar as transações econômicas e financeiras vinculadas a operações de crédito à exportação", segundo o texto da Lei 9.818/1999, que instituiu o fundo, dotado de recursos públicos acrescidos de "prêmios pagos pelos próprios importadores", conforme afirma o BNDES em nota.

Como estes empréstimos foram tomados pela Venezuela para contratar empresas brasileiras, foram segurados pelo FGE. Ou seja, além de emprestar o dinheiro, o Brasil também é o fiador da transação.

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De acordo com o BNDES, a Venezuela pagou desde 2002 mais de 50% do total de empréstimos concedidos pelo banco aos governos de Hugo Chávez (que governou o país vizinho de 1999 a 2013, quando morreu) e Nicolás Maduro (que assumiu depois de Chávez e continua no poder até hoje) --ou o equivalente a R$ 4,92 bilhões entre principal da dívida, juros e encargos financeiros.

A Venezuela ainda deve para o banco público brasileiro o equivalente a R$ 3,15 bilhões. Destes, R$ 2,36 bilhões referentes a apenas obras de empreiteiras brasileiras no país, mais de 90% delas tocadas por empresas envolvidas na Operação Lava Jato.

Em janeiro, a Venezuela pagou US$ 262 milhões, ou R$ 860 milhões no câmbio de segunda-feira, ao BNDES e aos bancos privados referentes a outra parcela da dívida, vencida em setembro do ano passado, e evitou o calote. Na ocasião, o BNDES aguardou o pagamento prometido pelos venezuelanos e não cobrou sua parte na dívida do FGE (US$ 115 milhões dos US$ 262 milhões).

Moçambique já deu calote no Brasil

Esse não é o primeiro calote de governos estrangeiros junto ao BNDES e outros credores. Em novembro de 2017, a União ressarciu US$ 22 milhões ao banco, referentes a um financiamento concedido a Moçambique que não foi pago. Ao todo, o país africano deve cerca de R$ 1,5 bilhão ao BNDES.

O apoio aos negócios de empresas brasileiras no exterior fez parte do projeto das chamadas "campeãs nacionais", nos governos dos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, ambos do PT. Neste período, as empreiteiras brasileiras expandiram sua presença na África e na América Latina graças a empréstimos do BNDES, que ajudou a elevar as exportações brasileiras sob risco de calotes.

O BNDES informa que "os governos do Brasil e da Venezuela vêm se empenhando para a retomada dos pagamentos". Afirma também que, desde que foi instituído, o FGE "já arrecadou mais de US$ 1,3 bilhão em prêmios e desembolsou apenas US$ 58 milhões em indenizações, dos quais US$ 18 milhões foram recuperados". "Em reais, o superavit do Fundo Garantidor de Exportações está em torno de R$ 4,5 bilhões, mesmo após o pagamento, ao BNDES, do valor devido não pago pelo governo de Moçambique referente às exportações brasileiras de bens e serviços de engenharia para o aeroporto de Nacala."

A reportagem não localizou representantes do governo venezuelano para comentar a situação.

O Ministério da Fazenda confirmou que há uma parcela de US$ 274,6 milhões em atraso, mas que, "enquanto não houver indenização pela União, o crédito pertence ao banco financiador, sendo coberto por sigilo bancário e não sendo possível prestar informações específicas sobre as operações". Também acrescentou haver conversas entre o governo brasileiro, o governo da Venezuela e seus advogados para a regularização da pendência.

Segundo a Fazenda, "quando os bancos públicos ou privados não recebem o pagamento do devedor, a operação passa por um processo de regularização de sinistro e os recursos que seriam recebidos do importador são pagos pelo segurador", diz a nota enviada pela assessoria de imprensa. No caso, o segurador é o FGE do Tesouro Nacional, acionado pelo BNDES. "Em janeiro de 2018, o BNDES acionou o Seguro de Crédito à Exportação, garantidor da operação, dado que a última parcela vencida das operações com o país está em atraso", afirma a nota do banco federal enviada ao UOL.

A pasta da fazenda frisa que o FGE ainda não pagou a conta. Que não há prejuízo ao contribuinte brasileiro, já que o fundo tem recursos próprios, que ficam apartados das verbas do orçamento da União, e assim como o BNDES reforça que o fundo é superavitário, ou seja, dá lucro.

"A próxima compensação é devida em abril, com pagamento em maio de 2018. O FGE arrecadou historicamente mais de US$ 1,2 bilhão em prêmios líquidos para serem utilizados em indenizações. O montante arrecadado em prêmios pelo fundo foi pago pelos garantidos (bancos e exportadores) e tem superado eventuais necessidade de indenização", finalizou.