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Dodge pede que STF receba denúncia e transforme Aécio Neves em réu

Aécio Neves é investigado por suspeita de pedir propina de R$ 2 milhões - Walterson Rosa/Estadão Conteúdo
Aécio Neves é investigado por suspeita de pedir propina de R$ 2 milhões Imagem: Walterson Rosa/Estadão Conteúdo

Leandro Prazeres

Do UOL, em Brasília

27/03/2018 16h15Atualizada em 28/03/2018 19h58

A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, pediu que o STF (Supremo Tribunal Federal) receba uma denúncia contra o senador Aécio Neves (PSDB-MG), sua irmã, Andrea Neves, e outras duas pessoas no inquérito que investiga o suposto pagamento de propina ao tucano por executivos da J&F. O pedido consta de uma manifestação anexada na última segunda-feira (26) a um dos inquéritos que tramitam contra o senador. Se o STF receber a denúncia, Aécio virará réu. 

O advogado de Aécio Neves, Alberto Toron, disse discordar dos argumentos apresentados por Dodge e voltou a defender que as provas obtidas e que dão base ao inquérito são ilícitas (veja mais abaixo).

Aécio Neves é alvo do inquérito 4506, que apura o pedido de R$ 2 milhões feito pelo tucano ao empresário Joesley Batista, da J&F. O senador nega que o dinheiro acordado entre ele e Joesley se tratasse de propina. Ele diz que o dinheiro foi resultado de um empréstimo firmado entre ele e o empresário.

A conversa em que Aécio agradece a Joesley pelo valor foi gravada pelo executivo e fez parte do material entregue durante seu acordo de delação premiada com a PGR (Procuradoria-Geral da República).

A defesa do tucano havia pedido a anulação do processo alegando, entre outras coisas, que a colaboração premiada da J&F seria ilegal porque não teria ocorrido de forma “voluntária” por ter contado com a participação do ex-procurador da República Marcelo Miller.

A procuradora rebateu a tese da defesa de Aécio afirmando que a participação do ex-procurador no processo de delação não significa que os executivos da J&F não tenham aderido ao acordo de livre e espontânea vontade.

“A circunstância de Marcello Miller [...] ter prestado ‘assessoria informal’ aos executivos da J&F, orientando-os acerca das colaborações premiadas que viriam a celebradas em maio do mesmo ano, não retira de tais colaborações a condição de serem manifestações livres e conscientes de vontade dos colaboradores”, disse a procuradora em seu despacho. 

Pelo exposto, a Procuradora-Geral da República requer a rejeição das preliminares suscitadas pelos denunciados e o integral recebimento da denúncia, com a citação dos acusados e o início da instrução processual penal, até final condenação.

Trecho de relatório de Raquel Dodge sobre o inquérito 4506, que investiga Aécio Neves, Andrea Neves, Frederico Pacheco de Medeiros e Medherson Souza Lima 

Procuradora-geral descarta "flagrante provocado"

Dodge também rebateu a tese de que a PGR induziu os executivos da J&F a forjarem um “flagrante provocado” contra Aécio no episódio em que sua irmã, Andrea Neves, pediu R$ 2 milhões a Joesley Batista.

Segundo Dodge, não foi a PGR ou mesmo o ex-procurador Marcelo Miller que induziu Batista a procurar Aécio para lhe oferecer dinheiro.

“Deu-se exatamente o contrário: Joesley Batista foi espontaneamente procurado, em 18 de fevereiro de 2017, por Andrea Neves da Cunha [...] ocasião em que ela lhe solicitou, em favor do seu irmão, o pagamento de R$ 2 milhões”, diz a procuradora.

Dodge diz que não há provas de que Janot soubesse da atuação de Miller

Em outro trecho do documento, a procuradora-geral da República diz que não há evidências de que o ex-PGR Rodrigo Janot e o seu gabinete soubessem da atuação de Marcelo Miller junto aos executivos da J&F.

Após a divulgação do acordo de colaboração premiada da J&F, veio à tona que o ex-procurador da República Marcelo Miller havia orientado o escritório Trench Rossi Watanabe, que atendia os executivos do grupo, antes de ter se desligado oficialmente da PGR.

Em seu despacho, Dodge cita que as investigações que apuram se Janot e membros do seu gabinete sabiam da atuação de Miller junto ao escritório que defendia a J&F ainda não reuniram elementos que comprovem essa tese.

“Não se localizou, até o momento, nos dados telemáticos de Marcelo Miller e nos dados telefônicos de Joesley Batista, Ricardo Saud, Francisco de Assis, nos e-mails e nas mensagens de WhatsApp trocadas entre Marcelo Miller e Esther Flesh, então advogada do escritório TRW nos meses que antecederam à celebração das colaborações premiadas e após, indícios de ciência e anuência da PGR no que tange à atuação ilícita de Marcelo Miller quanto a tais colaborações”, disse Raquel Dodge.

Em outro trecho do documento, Dodge critica o relatório da Polícia Federal relativo à Operação Tendão de Aquiles, que apura se os irmãos Batista usaram informações privilegiadas sobre o mercado financeiro (insider trading) para lucrar com a divulgação da delação premiada da J&F.

O relatório sustenta que o gabinete de Janot tinha conhecimento de que Miller trabalhava para a JBS e que havia atuado de “forma indireta” durante a celebração do acordo de delação premiada com a PGR.

Para Dodge, as conclusões do relatório não passam de “opinião pessoal” do delegado responsável pelo documento.

“Este inquérito (Operação Tendão de Aquiles) jamais investigou eventual crime praticado por Marcelo Miller [...] exatamente por isso, a afirmação do delegado não caracteriza conclusão a respeito de tal fato, de modo que a afirmação constante do relatório, acima transcrita, é opinião pessoal e não resultado oficial daquelas investigações”, disse a procuradora.

Os irmãos Joesley e Wesley Batista foram presos em setembro de 2017 quando os acordos de delação premiada firmados com a PGR foram rescindidos. No início deste ano, os dois foram soltos.

Dodge finaliza o despacho pedindo que o STF aceite a denúncia e inicie a instrução do processo na esfera penal "até final condenação". 

"As provas foram obtidas de forma ilegal", diz advogado

Alberto Toron, advogado de Aécio, disse discordar do relatório apresentado por Dodge ao STF. Segundo ele, os diálogos gravados por Joesley Batista envolvendo Aécio e Andrea Neves fizeram parte de uma "ação controlada" instigada por um agente público. No caso, ele se refere a Marcelo Miller.

"As provas foram obtidas de forma ilegal porque o ex-procurador orientou os executivos a fazerem as gravações. Discordamos da tese da procuradora", disse o advogado.

Em nota após a publicação desta reportagem, a defesa de Aécio Neves disse que a “manifestação da PGR foge dos argumentos centrais da defesa e se limita a repetir termos genéricos da denúncia” o que revelaria “fragilidade da acusação”.

A nota diz ainda que Aécio “está convicto de que o STF promoverá a análise justa do caso, que demonstrará que ele e seus familiares não comentaram atos ilícitos”.

Procurada pela reportagem do UOL para se manifestar sobre as críticas de Dodge ao relatório da Operação Tendão de Aquiles, a assessoria de imprensa da PF informou que a instituição não iria se manifestar sobre o assunto.