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Decreto não permite manifestação política de militares

General Eduardo Dias da Costa Villas Bôas não citou nenhum político em sua opinião, mas integrantes da cúpula do Exército admitem que foi para "reforçar" posição contrária contra revisão de prisão de Lula - Fátima Meira/Futura Press/Estadão Conteúdo
General Eduardo Dias da Costa Villas Bôas não citou nenhum político em sua opinião, mas integrantes da cúpula do Exército admitem que foi para "reforçar" posição contrária contra revisão de prisão de Lula Imagem: Fátima Meira/Futura Press/Estadão Conteúdo

Luís Adorno

Do UOL, em São Paulo

04/04/2018 13h02Atualizada em 04/04/2018 15h11

Um decreto federal de agosto de 2002 que regula o comportamento de militares das Forças Armadas Brasileiras não permite a manifestação pública, sem uma autorização prévia, sobre política.

Trata-se do item 57 do anexo sobre a relação de transgressões: "Manifestar-se, publicamente, o militar da ativa, sem que esteja autorizado, a respeito de assuntos de natureza político-partidária." O texto foi assinado pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB).

A regulação vale para toda a hierarquia, incluindo general. Nesta terça-feira (3), véspera do julgamento do recurso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para evitar sua prisão, o general-comandante Eduardo Villas Bôas escreveu no Twitter que o Exército "se mantém atento às suas missões institucionais".

O general, que está no maior posto do Exército brasileiro, não citou Lula em sua opinião e não deixou claro a que ela refletia. Segundo ele, o Exército "julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade". Os comentários foram feitos no momento em que milhares de brasileiros estavam nas ruas pedindo a prisão do petista.

Após manifestar a opinião, Villas Bôas não voltou a se posicionar no microblog. Nesta quarta-feira (4), o presidente Michel Temer (MDB) disse defender a liberdade de expressão e o cumprimento rigoroso à Constituição.

O UOL ouviu cinco oficiais da ativa e da reserva que pediram para não serem identificados sobre as declarações. Três oficiais do Exército disseram à reportagem ter entendido as palavras do comandante como uma tomada de posição em relação ao julgamento no Supremo.

Em nota, o Ministério da Defesa informou que o comandante "mantém a coerência e o equilíbrio", "reafirmando o compromisso da Força Terrestre com os preceitos constitucionais, sem jamais esquecer a origem de seus quadros que é o povo brasileiro."

Ainda segundo o ministério, Villas Bôas "manifesta sua preocupação com os valores e com o legado que queremos deixar para as futuras gerações." Procurado sobre o decreto federal, Ministério da Defesa não se manifestou. Já o Exército afirmou que "não haverá pronunciamento sobre o assunto."

O presidente do Congresso Nacional, o senador Eunício Oiveira (MDB-CE), afirmou que, "nos momentos de tensão social e política, a missão dos líderes que têm responsabilidade institucional é transmitir serenidade à população". Ainda segundo ele, o melhor é "garantir que a Constituição, as Leis e a Democracia serão respeitadas. Sem atalhos."

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse que “cada órgão do Estado deve seguir exercendo suas funções nos limites estabelecidos por ela”.

ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot reagiu à declaração. "Isso definitivamente não é bom. Se for o que parece, outro 1964 será inaceitável. Mas não acredito nisso realmente", escreveu o ex-PGR fazendo uma referência ao golpe de 1964, quando o então presidente João Goulart foi deposto e teve início a ditadura militar no Brasil.

Em nota, o PT afirmou que o comentário do general faz parte de uma pressão para pressionar os ministros do STF hoje. "Não é natural da democracia que chefes militares se pronunciem sobre questões políticas ou jurídicas, como vem ocorrendo nos últimos dias", disse o partido, em nota.

"Mais estranho ainda é que uma manifestação do comandante do Exército, general Villa Boas, em rede social, seja divulgada e manipulada no decorrer de uma edição do Jornal Nacional especialmente dedicada (23 minutos) a pressionar os ministros do STF", complementou o PT.

Após a opinião de Villas Bôas, generais do Exército também usaram o Twitter para declarar apoio ao comandante. Por volta das 11h desta quarta-feira, a publicação do general tinha 45 mil curtidas, 17 mil compartilhamentos e 9 mil comentários.

O general Paulo Chagas, que é pré-candidato ao governo do Distrito Federal, prestou continência virtual a Villas Bôas e declarou que tem "a espada ao lado, a sela equipada, o cavalo trabalhado e aguardo suas ordens".

O general José Luiz Dias Freitas, Comandante Militar do Oeste, afirmou que o comandante do Exército "mais uma vez" expressa "preocupações e anseios dos cidadãos brasileiros que vestem fardas".

O General Antonio Miotto, do Comando Militar do Sul, respondeu Freitas e declarou estar firme e leal a Villas Bôas, "na mesma trincheira". "Brasil acima de tudo!!! Aço!!!", disse.

O general de Brigada Cristiano Pinto Sampaio citou Gustavo Barroso: "Todos nós passamos. O Brasil fica. Todos nós desaparecemos. O Brasil fica. O Brasil é eterno. E o Exército deve ser o guardião vigilante da eternidade do Brasil". Depois, ele ainda acrescentou que está "sempre pronto".