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Abrir a casa para ajudar ou cobrar que saiam? Acampamento pró-Lula em Curitiba divide bairro

9.abr.2018 - Barracas de acampamento pró-Lula ocupam jardins de casas do bairro de Santa Cândida, zona norte de Curitiba - RODRIGO FÉLIX LEAL/FUTURA PRESS/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO - RODRIGO FÉLIX LEAL/FUTURA PRESS/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO
Barracas de acampamento pró-Lula ocupam jardins de casas do bairro de Santa Cândida
Imagem: RODRIGO FÉLIX LEAL/FUTURA PRESS/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO

Bernardo Barbosa

Do UOL, em Curitiba

13/04/2018 04h00

De um lado da rua, Gelson. Do outro, Érica. Os poucos metros que separam suas casas, uma em frente à outra, não refletem o tamanho da distância política entre eles.

Gelson dos Santos e Érica, que preferiu não falar o sobrenome, moram em Santa Cândida, bairro de Curitiba em que foi montado um acampamento em apoio ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) desde que ele foi preso, no sábado (7). O petista está detido a duas quadras das casas deles, no prédio da Superintendência da Polícia Federal no Paraná.

Gelson diz que nunca se envolveu com política. Mas ela bateu a sua porta e ele resolveu tomar partido. Abriu sua casa para que os apoiadores de Lula possam usar o banheiro, tomar banho, beber água gelada, recarregar seus celulares.

“Sou funcionário público municipal, trabalhei na rua, muita gente dá água quente pra gente, da torneira. É sofrido, quem passou isso sabe o que é. Tocou meu coração, eu cedi minha casa. Se a gente puder ajudar, a gente ajuda”, contou à reportagem na quinta-feira (12).

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Já Érica, dona de casa, não esconde seu incômodo com os militantes deitados no gramado em frente a sua residência e que a acusaram de jogar água neles; ela nega e diz que estava apenas regando suas plantas.

“Eles acampam e se acham no direito de invadir tudo, o que é isso? Será que não nós temos autoridades aqui em Curitiba para que possam tomar uma atitude para tirar essa gente daqui?”, questionou.

“Aprisionaram nosso presidente”

Gelson e Érica moram em uma das ruas de Santa Cândida que foi tomada por militantes pró-Lula. Há desde barracas de camping a tendas improvisadas com plástico preto. O acampamento conta com 17 cozinhas coletivas, segundo seus organizadores, que não divulgaram uma estimativa de número de pessoas acampadas.

Na noite de quinta-feira, a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), presidente do PT, disse em discurso no acampamento que já havia ali militantes de nove Estados. Entre eles estavam as recém-chegadas Maria Aparecida Alves Monteiro, advogada de 55 anos, e sua irmã Maria de Lourdes Alves, professora de 53 anos. As duas são aposentadas, mas a mais nova abriu uma escola depois da aposentadoria.

As irmãs vieram de São Bernardo do Campo (SP) --cidade onde Lula morava e iniciou sua vida política --no ônibus do diretório do PT paulista. Para Maria de Lourdes, “aprisionaram o nosso presidente para que ele não seja novamente nosso presidente”.

Enquanto se preparava para sua primeira noite na barraca de camping, Maria Aparecida avaliou que a insatisfação de moradores de Santa Cândida com o acampamento se devia a “não pensar no amanhã e não pensar nas pessoas que estão batalhando por uma vida melhor.”

“Ela deve ter conquistado aquilo que ela sonhou, que ela quis, o mundo para ela não importa. O importante é ela estar bem e pronto", opinou sobre os críticos.

8.abr.2018 - Por volta das 9h30, um grupo de cerca de cem pessoas saudou Lula. Os manifestantes são apoiadores do ex-presidente, que, em função de decisão da Justiça paranaense, estão na rua doutor Barreto Coutinho, a cerca de 150 metros do prédio da PF - J.F.Diorio/Estadão Conteúdo - J.F.Diorio/Estadão Conteúdo
Manifestantes ocupam ruas do bairro Santa Cândida, em Curitiba
Imagem: J.F.Diorio/Estadão Conteúdo

“Qualquer manifestação dá receio”

O acampamento foi montado nos limites do isolamento montado pela Polícia Militar, seguindo ordem judicial, em um perímetro de pouco mais de 100 metros no entorno do prédio da PF. Os moradores que ficaram dentro desta área têm que enfrentar uma dupla barreira para sair de casa.

“Desde o bloqueio da PM e a manifestação do PT, a gente tem sentido sim certo transtorno no ir e vir”, conta Fabiano, gerente financeiro de 42 anos, pai de dois filhos em idade escolar e cuja casa fica dentro do perímetro isolado.

Fabiano pediu que nem sua imagem, nem seu sobrenome fossem divulgados. Contou ter se sentido intimidado por olhares de militantes por ter deixado uma bandeira do Brasil em sua janela no dia em que Lula foi preso.

“Já tive o desprazer de ter que passar com o veículo no meio dos manifestantes um dia desses. Queira ou não, a gente se sente mais inseguro. O pessoal está ali gritando, cantando os hinos. Você vai atravessar com o veículo no meio, dá receio. Não só deles, mas de qualquer manifestação dá receio. Dá um medo, uma insegurança.”

Próximos fisicamente, os três moradores estão distantes politicamente. Gelson acha uma “injustiça o que estão fazendo” com Lula e quer que ele seja presidente de novo. Erica dá “graças a Deus” ao falar que tem seu título de eleitor registrado em outra cidade e que nunca o transferiu para Curitiba. Fabiano, por sua vez, tem como causa o combate à corrupção.

“Está sendo feita hoje uma divisão de que quem não apoia o PT, é contra o PT. Eu não apoio o PT, eu sou contra a corrupção. Não sei por que está sendo criada uma ojeriza dessa forma”, diz Fabiano. “O pessoal automaticamente liga Lava Jato a um movimento de direita. Na verdade, a meu ver, o movimento Lava Jato é contra a corrupção.”

"Eles deviam se tocar"

Santa Cândida não é um bairro heterogêneo apenas em termos de preferências políticas. Há casas mais simples, outras de classe média e algumas mais sofisticadas. A de Gelson é uma das que se enquadram na primeira categoria.

“Eu sou da classe pobre. Eu comecei a comer carne depois do primeiro mandato do Lula. Antigamente, comia carne de segunda”, conta.

Erica conversou com a reportagem em seu quintal, diante da porta baixa de sua casa, cuja garagem estava repleta de telhas destinadas a uma obra na residência. Contou que ela e o marido construíram a casa aos poucos, ao longo de anos. Relatou ganhar “um salário mínimo” como aposentada.
    
“Eles deviam se tocar que a gente também é ser humano, trabalhamos a vida inteira para ter o que a gente tem.”

Com policiais de prontidão em frente à sua casa, Fabiano deu entrevista com o portão fechado.

“Tem vizinhos que já estão ficando um pouco mais revoltados. A gente vê que qualquer hora vai começar a sair briga. Não é interessante para ninguém. Nenhum de nós está interessado em briga”, afirma.

Até mesmo Gleisi Hoffmann admitiu na quinta-feira que “ter um acampamento na frente da sua casa não é a melhor coisa do mundo”. Mas voltou a dizer que a militância só sai dali com Lula solto.

“Eu, particularmente, também não acharia nada agradável”, disse a senadora, em discurso. “Mas a gente não está aqui porque a gente quer, não está aqui para infernizar o vizinho. A gente está aqui por uma necessidade. Trouxeram o Lula para cá, nós viemos para cá. Para onde levarem o Lula, nós iremos. Nós só desistiremos quando liberarem o Lula.”