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Doleiros usavam propina de Cabral para vender dinheiro em espécie a corruptos, diz Lava Jato

Cabral retornou ao RJ na noite de quarta (11). Por decisão do STF, ele deixou o Complexo Médico dos Pinhais (PR) e foi transferido para o presídio Bangu 8, no Rio - Giuliano Gomes/PR Press/Estadão Conteúdo
Cabral retornou ao RJ na noite de quarta (11). Por decisão do STF, ele deixou o Complexo Médico dos Pinhais (PR) e foi transferido para o presídio Bangu 8, no Rio Imagem: Giuliano Gomes/PR Press/Estadão Conteúdo

Hanrrikson de Andrade

Do UOL, no Rio

13/04/2018 04h00

O dinheiro de propina acumulado pelo ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral (MDB), segundo a força-tarefa da Lava Jato, serviu de fluxo de caixa para os doleiros Vinicius Vieira Barreto Claret, o "Juca Bala", e Cláudio Fernando Barbosa, o "Tony", acusados de lavar no exterior recursos obtidos de forma ilícita pelo ex-chefe do Executivo fluminense. Ambos foram presos em março do ano passado.

Os investigadores descobriram que o montante armazenado pelos doleiros era tão grande que permitia a "venda de dinheiro em espécie" para outros esquemas de corrupção e lavagem de ativos, como a engrenagem criminosa revelada na Operação Rizoma, realizada nesta quinta-feira (12) pela Polícia Federal, pelo MPF (Ministério Público Federal) e pela Receita Federal. A ação mirou fraudes nos fundos de pensão Postalis (dos Correios) e Serpros (do Serviço Federal de Processamento de Dados).

De acordo com as denúncias do MPF, Juca Bala e Tony se juntaram ao esquema de Cabral em 2007, quando os então doleiros preferenciais do ex-governador, os irmãos Marcelo e Renato Chebar, não conseguiam mais dar conta sozinhos do controle e da lavagem da propina. Na época, Juca Bala e Tony viviam no Uruguai e, do país vizinho, passaram a realizar, em favor de Cabral, operações chamadas de dólar-cabo -- emissão de valores em reais no Brasil para conversão de créditos em dólar no exterior.

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"O volume de recursos era tão grande que eles [irmãos Chebar] terceirizaram as atividades e contrataram o Juca Bala e o Tony. Eles ficaram então responsáveis por creditar no exterior os valores recebidos no Brasil", comentou o procurador da República Eduardo El Hage, coordenador da força-tarefa da Lava Jato no Rio.

Venda de dinheiro

Com a injeção desenfreada de propina, explicou El Hage, os doleiros passaram a lidar com um "problema": o excesso de dinheiro em espécie. De acordo com o procurador, manter esse tipo de recurso é "algo que custa caro no Brasil" em função das dificuldades logísticas (armazenamento, transporte etc).

Juca Bala e Tony teriam começado então a trabalhar com uma nova engrenagem criminosa: a venda de dinheiro em espécie. "No mercado paralelo da corrupção, eles [corruptos em geral] compram dinheiro em espécie para corromper agentes públicos", afirmou El Hage.

"Os agentes públicos são fontes de dinheiro em espécie, e os corruptores são compradores de dinheiro em espécie. O doleiro, que está no meio, faz essa compra e venda."

Em geral, dinheiro em espécie é a base dos sistemas de lavagem de dinheiro, pois dificulta o rastreamento pelos órgãos de controle financeiro. Os doleiros atuavam, portanto, como caixas dos esquemas de corrupção e, em troca, recebiam outros tipos de ativos, segundo a investigação.

Um dos grupos que formariam a clientela de Juca Bala e Tony atuava justamente na organização responsável por fraudar os fundos Postalis e Serpros, cujo líder era o investidor Arthur Machado, preso na manhã desta quinta na Operação Rizoma.

El Hage disse que o serviço prestado pelos doleiros seria, até o momento, o único fato em comum entre as fraudes nos fundos de pensão e o esquema de Cabral, preso e condenado pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa. O emedebista responde, no total, a 22 processos na Justiça federal e é acusado de receber propinas em obras do Estado desde que tomou posse como governador, em 2007. "Não há nenhum indício de participação do Cabral nesse esquema", afirmou o procurador.

Na operação Rizoma, além de Machado, foram presos Marcelo Sereno, ligado ao PT, Milton Lyra, identificado pela Polícia Federal como operador do PMDB, e outros quatro suspeitos. No total, a Justiça federal expediu, a pedido do MPF, dez mandados de prisão. Os membros da força-tarefa calculam que, desde o começo do esquema, em 2011, foram movimentados cerca de R$ 20 milhões em propina e recompensas a lobistas. A defesa dos suspeitos nega a prática de qualquer ato ilícito.

A reportagem não conseguiu localizar a defesa dos doleiros Juca Bala e Tony. Já o advogado de Cabral, Rodrigo Roca, afirmou que "o ex-governador desconhece qualquer ilícito nesse setor, já que nunca teve contato ou participação nos fatos ou com as pessoas citadas na operação de hoje".

Sofisticação da lavagem de dinheiro

As investigações da Operação Rizoma também revelaram uma modalidade "extremamente sofisticada" de lavagem de dinheiro, segundo o auditor da Receita Federal Cléber Homem da Silva. Para gerar recursos em espécie a fim de alimentar a engrenagem, o grupo pagava faturas diversas de empresas e, paralelamente, embolsava o dinheiro que seria utilizado na quitação dos boletos.

A operação se dava pelo intermédio de transportadoras de valores. Segundo El Hage, em geral, empresas do setor de comércio e serviços, entre outros segmentos, trabalham com grande fluxo de dinheiro em espécie. Por esse motivo, elas costumam contratar transportadoras, que ficam responsáveis pelo deslocamento e armazenamento desses valores, além do pagamento de contas.

Em vez de quitar os débitos no sistema financeiro --isto é, na "boca do caixa"--, as transportadoras encaminhavam os boletos para que os doleiros efetuassem o pagamento. O dinheiro em espécie, então, era distribuído entre os envolvidos. Na versão do procurador, as empresas contratantes sequer conheciam o procedimento. "A transportadora chegava com o boleto pago. Para eles, era isso que importava. Não há indícios de que essas empresas tinham conhecimento do esquema."