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PF acha em sistema da Odebrecht R$ 700 mil em propina atribuída por delator ao sítio de Atibaia

5.fev.2016 - Jorge Araujo/Folhapress
Imagem: 5.fev.2016 - Jorge Araujo/Folhapress

Ana Carla Bermúdez e Bernardo Barbosa

Do UOL, em São Paulo

16/05/2018 17h38Atualizada em 17/05/2018 12h43

Laudo da Polícia Federal apresentado nesta quarta-feira (16) à Justiça mostra que consta da contabilidade do caixa 2 da Odebrecht uma planilha com gastos de R$ 700 mil irrigados com dinheiro de obras provenientes da Petrobras e outras empresas. O exame foi pedido em fevereiro pelo juiz Sergio Moro depois que um dos delatores da empreiteira atribuiu a planilha às reformas no sítio em Atibaia (SP) frequentado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Em novembro de 2017, o engenheiro Emyr Diniz Costa Junior, um dos 77 delatores da Odebrecht, entregou ao MPF uma planilha que afirma foram feitos pagamentos no valor de R$ 700 mil pelo departamento de propinas para custear as reformas no sítio.

A entrega do documento motivou o pedido do juiz para que a PF periciasse os sistemas de propina em busca da planilha. Essa contabilidade foi, então, localizada pelos peritos. No documento enviado à Justiça, entretanto, a PF afirma não ter encontrado explicitamente no sistema menção aos termos “Atibaia”, “Sítio” e “Santa Bárbara”.

No despacho em que ordenou a perícia, Moro chegou a afirmar que o documento "tem uma relevância probatória muito pequena no processo", já que a denúncia apresentada pelo MPF (Ministério Público Federal) tem como base "notas fiscais, recibos e depoimentos de colaboradores e testemunhas" que indicam que a Odebrecht teria arcado com o custeio de reformas no sítio.

Segundo a PF, quatro entradas de recursos que somam R$ 700 mil tiveram como origem um “caixa único”, abastecido por dinheiro de caixa 2 oriundos de diversas obras, inclusive de obras do Aquapolo e da Petrobras, tanto no Brasil como no exterior.

Para Marcos Camargo, presidente da ACPF (Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais), o laudo comprova que dinheiro da Petrobras foi usado para abastecer um caixa de propinas da Odebrecht. "A análise foi feita para responder a questionamentos do juiz Sérgio Moro, do MPF e da defesa do ex-presidente Lula no caso do sítio. A principal conclusão obtida, por meio da análise científica dos dados, é que o caso tem ligação com a Petrobras", afirmou.

De acordo com os peritos da PF, o valor tem como origem a obra “UO011203 – AQUAPOLO” –a mesma fonte de dinheiro que aparece na planilha entregue por Emyr. O Aquapolo foi um projeto de saneamento realizado no ABC paulista em 2010 pela Odebrecht em parceria com a Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo).

Assim como Lula, o engenheiro também é réu no processo que investiga se o ex-presidente foi o beneficiário de reformas no sítio. Lula é acusado de ter recebido propina de R$ 1,02 milhão de Odebrecht, OAS e Schahin por meio das obras.

Além da contabilidade indicada por Emyr, a perícia encontrou outras planilhas que mostram uma série de lançamentos contábeis associados ao valor de R$ 700 mil, inclusive com indicação de que o dinheiro foi entregue a pessoas identificadas como "Marcia" e "MG". Os peritos não confirmam, no entanto, quem seria o beneficiário desses valores.

Segundo a denúncia do MPF, a vantagem indevida seria oriunda da participação da Odebrecht, OAS e Schahin no esquema de corrupção na Petrobras desvendado pela Lava Jato. O MPF também afirma que Lula comandava tal esquema e se beneficiava "não só para enriquecimento ilícito, mas especialmente para alcançar governabilidade com base em práticas corruptas e perpetuação criminosa no poder".

Como funciona a perícia nos sistema de propina

A PF diz ter analisado 11 discos rígidos e dois pen-drives que contêm os dados dos sistemas Drousys e MyWebDay, utilizados pelo Setor de Operações Estruturadas da Odebrecht, que era responsável por administrar o pagamento de propinas da empreiteira. Segundo o laudo pericial, foram analisados mais de 1,9 milhão de arquivos, sendo que 842 deles apresentaram algum tipo de inconformidade –99,9% dos arquivos, portanto, é autêntico.

Os peritos da PF afirmam ainda que os documentos entregues por Emyr são “íntegros” e “autênticos”. Ainda de acordo com os peritos, não foram encontradas informações “que pudessem conter o nome da pessoa, máquina, endereço IP, data e horário” dos lançamentos contábeis realizados nos sistemas de propina.

Outro lado

O advogado de Lula, Cristiano Zanin Martins, disse em nota que o laudo apresentado pela PF "não estabeleceu qualquer vínculo entre uma planilha apresentada por ex-executivo da Odebrecht e o sítio de Atibaia" e voltou a afirmar que Lula "jamais solicitou ou recebeu qualquer vantagem indevida da Odebrecht ou de qualquer outra empresa".

Para Zanin, o laudo tem "claro objetivo de ofuscar" uma decisão proferida pelo STF (Supremo Tribunal Federal) no dia 25 de abril, quando a Corte decidiu enviar para a Justiça Federal de São Paulo, tirando do juiz Sergio Moro, trechos da delação da Odebrecht que tratam do sítio em Atibaia e sobre a compra de um terreno pela empreiteira que supostamente sediaria o Instituto Lula.

"Busca-se com isso, uma vez mais, contornar os critérios legais de competência por meras referências, sem qualquer base concreta, a valores provenientes da Petrobras, exatamente como fez a denúncia", afirma o advogado, que diz ainda que a planilha apresentada pelo delator se refere expressamente a obras realizadas no projeto Aquapolo, que não possui "qualquer relação com Petrobras e muito menos com Lula", e que o laudo pericial "estranhamente silenciou" a respeito desse "relevante fato".

"Como a defesa demonstrou que nenhum valor desses contratos foi destinado ao ex-presidente Lula, agora busca-se criar um “caixa geral” com recursos da Petrobras com base em mera retórica como antídoto à prova da defesa", diz ainda a nota.

Procurada pelo UOL, a Odebrecht não se manifestou sobre o sistema de propinas ou sobre a investigação sobre a reforma do sítio. Em nota, a empreiteira afirmou que está colaborando com a Justiça no Brasil e nos países em que atua. A empreiteira também diz que "implantou um sistema para prevenir, detectar e punir desvios ou crimes" e que valoriza "a ética, a integridade e a transparência".