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"Eu não soube me conter diante de tanto poder", diz Cabral a Bretas na Lava Jato

Hanrrikson de Andrade

Do UOL, no Rio

08/06/2018 15h42Atualizada em 08/06/2018 19h47

"Eu não soube me conter diante de tanto poder e tanta força política." Assim o ex-governador fluminense Sérgio Cabral (MDB), em tom de autocrítica, definiu a sua conduta no período em que esteve à frente do governo do estado do Rio de Janeiro, entre 2007 e 2014. Segundo ele, chefiar o Executivo não lhe bastava.

"De maneira vaidosa, eu quis fazer prefeitos, fazer vereadores, fazer deputados. Usar recursos", disse.

Cabral foi interrogado presencialmente nesta sexta-feira (8) em uma das ações penais derivadas da Operação Eficiência, uma das fases da Lava Jato. Ao juiz Marcelo Bretas, na 7ª Vara Federal Criminal, no Rio, o emedebista voltou a admitir o crime de caixa dois e disse ter ficado "deslumbrado" com o grande volume de dinheiro supostamente recebido durante campanhas eleitorais.

"Eu errei. Durante 25 anos, fui o político que mais arrecadou recursos no estado do Rio de Janeiro. (...) Eu pedi dinheiro para campanha, sim. E era muito dinheiro, sim", declarou.

Cabral também afirmou que, "em vez de ficar concentrado em seu governo e suas realizações", deixou-se tomar pelo poder. "O poder é algo tão perigoso. O senhor tem poder...", disse ele a Bretas. O juiz interrompeu: "Poder, não. Aqui a gente trata como autoridade".

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"Por ostentação, eu levei inclusive a minha mulher [Adriana Ancelmo, também condenada na Lava Jato] a ser estigmatizada de maneira injusta. (...) Em datas comemorativas, comprei joias de maneira absolutamente errada e ostentatória, o que a prejudicou perante a opinião pública como se ela fosse uma criminosa", desabafou.

Pela primeira vez, Cabral quantificou o uso pessoal de "sobras de campanha". Segundo ele, entre 2007 (ano em que tomou posse do governo) e 2016 ou 2017, ele gastou cerca de R$ 20 milhões de recursos gerados por meio de caixa dois para comprar joias, fazer viagens e outros atos relatados nas denúncias oferecidas pela força-tarefa da Lava Jato.

"É a pura verdade", declarou.

Cabral estimou ter levantado em toda a sua carreira política, desde os anos 1990, aproximadamente R$ 500 milhões em recursos de campanha, dele e de aliados. Os R$ 20 milhões que ele confessou ter utilizado para "fins pessoais" fazem parte desse montante.

Bretas questionou Cabral se, dado o arrependimento do réu, ele abriria mão de bens patrimoniais para reparar os danos provocados ao erário. Cabral disse que está disposto a fazer isso.

"Facilitaria muito o trabalho da Justiça. O senhor tem bens que eu estou tentando antecipadamente leiloar. Abra mão do seu patrimônio e demonstre ao Juízo de forma prática e verdadeira que está arrependido."

Reinterrogatório

Cabral foi ouvido hoje depois de pedir a Bretas para ser reinterrogado no processo. Na primeira oportunidade, em fevereiro deste ano, o ex-governador se recusou a prestar esclarecimentos. Na ocasião, ele estava detido em Curitiba.

Por videoconferência, Cabral reclamou que, no período em que esteve na capital paranaense, não conseguia se reunir com o seu advogado e não tinha acesso aos familiares. Por esse motivo, decidiu ficar em silêncio como forma de protesto.

"Meu direito de defesa está prejudicado. Estou há mais de 30 dias em Curitiba. Não tive oportunidade de estar com meu advogado, que está no Rio respondendo a prazos. Não há nenhum preso em Curitiba com 20 processos no Rio", alegou à época.

Cabral havia sido transferido para Curitiba, em janeiro, por conta das supostas regalias na Cadeia Pública José Frederico Marques, em Benfica, na zona norte carioca. Depois de quase três meses, a defesa obteve no STF (Supremo Tribunal Federal) autorização para que ele voltasse ao Rio de Janeiro.

Desde então, ele ocupa uma cela do presídio Bangu 8, no Complexo Penitenciário de Gericinó, na zona oeste da cidade.

O interrogatório desta sexta diz respeito a ação penal derivada da Operação Eficiência. Após delações premiada, de acordo com a força-tarefa da Lava Jato, há suspeitas de crimes de lavagem de dinheiro, evasão de divisas e corrupção passiva.

Além de Cabral, são réus o operador financeiro do ex-governador, Carlos Miranda, os doleiros Vinicius Claret (Juca Bala) e Cláudio Barbosa (Tony) e outros denunciados. Cabral é réu em 24 ações penais no âmbito da Lava Jato, sendo 23 no Rio de Janeiro e uma em Curitiba. Ele já acumula cem anos em condenações.