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Ministros do STF citam Idade Média e Inquisição ao criticar algemas em Cabral

Sérgio Cabral chega ao Instituto Médico Legal para realizar exame de corpo de delito - Giuliano Gomes/PR Press/Estadão Conteúdo
Sérgio Cabral chega ao Instituto Médico Legal para realizar exame de corpo de delito Imagem: Giuliano Gomes/PR Press/Estadão Conteúdo

Gustavo Maia

Do UOL, em Brasília

12/06/2018 17h19

Durante análise do inquérito instaurado em abril pela 2ª Turma do STF (Supremo Tribunal Federal) para apurar eventual abuso de autoridade na “exibição” do ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral (MDB) com algemas nas mãos e uma corrente nos pés, ocorrida em janeiro, os ministros Gilmar Mendes e Dias Toffoli citaram a Idade Média e a Santa Inquisição da Igreja Católica para criticar o procedimento, nesta terça-feira (12).

O exame do caso foi interrompido por um pedido de vista do ministro Edson Fachin, depois que Gilmar Mendes, relator do inquérito, votou no sentido de que os autos fossem submetidos à PGR (Procuradoria-Geral da República), ao Ministério de Segurança Pública, ao Conselho Nacional de Justiça e ao Conselho da Justiça Federal para que sejam tomadas as “providências devidas”.

“Atar as mãos algemadas à cintura [...] remonta à Santa Inquisição”, declarou o ministro durante sua manifestação. “O escárnio do estado policial com as leis desse país me parece patente”, complementou. Mendes afirmou ainda que o Supremo precisa evitar que “em pouco nós tenhamos tortura em praça pública”, alertando que “caminha-se para isso”.

“Esse é um caso que nos enche de vergonha. Quem perpetra esse tipo de caso não é órgão de Estado, é delinquente”, comentou. “Fazer do homem o objeto do processo estatal, [...] decretado por policiais, talvez por juízes, isso precisa ser verificado”, declarou.

Já Toffoli, que não chegou a votar, interveio e disse que tratou-se de “um desacato, uma desobediência flagrante”, que remete à Idade Média e contraria a súmula vinculante número 11, decisão do STF que limitou o uso de algemas a “casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros”.

Segundo determinou o Supremo, qualquer excepcionalidade deve ser justificada por escrito, “sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado”.

A investigação foi aberta pela 2ª Turma no mesmo dia em que o colegiado decidiu por maioria anular a transferência de Cabral do Rio de Janeiro para Curitiba. Em depoimento no inquérito, o ex-governador disse ter se sentido "sequestrado". Seu advogado, Rodrigo Roca, disse que ele foi tratado de "maneira selvagem".

Ainda em abril, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, enviou parecer ao STF pedindo o arquivamento da investigação por falta de previsão legal de abertura de inquérito de ofício, sem a participação do Ministério Público, e porque já havia inquérito em tramitação na Polícia Federal do Paraná.

Presente na sessão como representante da PGR, o procurador Carlos Alberto Carvalho de Vilhena leu parte do documento de Dodge. Gilmar rebateu dizendo que, apesar de a apuração ter sido determinada em 20 de fevereiro, "não houve investigação", e que seria "um abuso em si mesmo" invocá-lo.

Dias Toffoli lembrou que o inquérito determinado pelo colegiado investiga "eventual atentado à decisão desta corte" e lembrou que o regimento interno prevê que, sempre que tiver conhecimento de desobediência ou desacato a ordem emanada, o presidente do Supremo comunicará o fato ao órgão competente do Ministério Público, "provendo-o dos elementos de que dispuser para a propositura da ação penal".