Ministros do STF citam Idade Média e Inquisição ao criticar algemas em Cabral
Durante análise do inquérito instaurado em abril pela 2ª Turma do STF (Supremo Tribunal Federal) para apurar eventual abuso de autoridade na “exibição” do ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral (MDB) com algemas nas mãos e uma corrente nos pés, ocorrida em janeiro, os ministros Gilmar Mendes e Dias Toffoli citaram a Idade Média e a Santa Inquisição da Igreja Católica para criticar o procedimento, nesta terça-feira (12).
O exame do caso foi interrompido por um pedido de vista do ministro Edson Fachin, depois que Gilmar Mendes, relator do inquérito, votou no sentido de que os autos fossem submetidos à PGR (Procuradoria-Geral da República), ao Ministério de Segurança Pública, ao Conselho Nacional de Justiça e ao Conselho da Justiça Federal para que sejam tomadas as “providências devidas”.
“Atar as mãos algemadas à cintura [...] remonta à Santa Inquisição”, declarou o ministro durante sua manifestação. “O escárnio do estado policial com as leis desse país me parece patente”, complementou. Mendes afirmou ainda que o Supremo precisa evitar que “em pouco nós tenhamos tortura em praça pública”, alertando que “caminha-se para isso”.
“Esse é um caso que nos enche de vergonha. Quem perpetra esse tipo de caso não é órgão de Estado, é delinquente”, comentou. “Fazer do homem o objeto do processo estatal, [...] decretado por policiais, talvez por juízes, isso precisa ser verificado”, declarou.
Já Toffoli, que não chegou a votar, interveio e disse que tratou-se de “um desacato, uma desobediência flagrante”, que remete à Idade Média e contraria a súmula vinculante número 11, decisão do STF que limitou o uso de algemas a “casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros”.
Segundo determinou o Supremo, qualquer excepcionalidade deve ser justificada por escrito, “sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado”.
A investigação foi aberta pela 2ª Turma no mesmo dia em que o colegiado decidiu por maioria anular a transferência de Cabral do Rio de Janeiro para Curitiba. Em depoimento no inquérito, o ex-governador disse ter se sentido "sequestrado". Seu advogado, Rodrigo Roca, disse que ele foi tratado de "maneira selvagem".
Ainda em abril, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, enviou parecer ao STF pedindo o arquivamento da investigação por falta de previsão legal de abertura de inquérito de ofício, sem a participação do Ministério Público, e porque já havia inquérito em tramitação na Polícia Federal do Paraná.
Presente na sessão como representante da PGR, o procurador Carlos Alberto Carvalho de Vilhena leu parte do documento de Dodge. Gilmar rebateu dizendo que, apesar de a apuração ter sido determinada em 20 de fevereiro, "não houve investigação", e que seria "um abuso em si mesmo" invocá-lo.
Dias Toffoli lembrou que o inquérito determinado pelo colegiado investiga "eventual atentado à decisão desta corte" e lembrou que o regimento interno prevê que, sempre que tiver conhecimento de desobediência ou desacato a ordem emanada, o presidente do Supremo comunicará o fato ao órgão competente do Ministério Público, "provendo-o dos elementos de que dispuser para a propositura da ação penal".
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