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Operação contra fraudes na saúde do RJ prende 20 suspeitos e bloqueia R$ 1,2 bi

Movimentação na sede da Polícia Federal no Rio durante a Operação Ressonância, desdobramento da Fatura Exposta, deflagrada na manhã desta quarta-feira (4) - Jose Lucena/Futura Press/Estadão Conteúdo
Movimentação na sede da Polícia Federal no Rio durante a Operação Ressonância, desdobramento da Fatura Exposta, deflagrada na manhã desta quarta-feira (4) Imagem: Jose Lucena/Futura Press/Estadão Conteúdo

Nathan Lopes

Do UOL, em São Paulo*

04/07/2018 06h46Atualizada em 04/07/2018 15h15

A Polícia Federal cumpriu 20 mandados de prisão nesta quarta-feira (4) da Operação Ressonância, derivada da Fatura Exposta (desdobramento da Lava Jato no Rio de Janeiro), realizada no ano passado --dos 22 mandados expedidos pela Justiça, dois não foram cumpridos porque seus alvos se encontram fora do país.

A operação investiga contratos na área da saúde celebrados pelo governo do Estado do Rio de Janeiro e pelo Into (Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia Jamil Haddad).

Entre os alvos de decreto de prisão, estão o empresário Miguel Iskin, que foi solto por decisão do ministro do STF Gilmar Mendes, o executivo da Philips Frederik Knudsen e Daurio Speranzini Júnior, ex-executivo da Philips e atual CEO da GE para a América Latina.

A operação apura desvios na compra de equipamentos e insumos hospitalares no Rio de Janeiro. A operação é realizada em conjunto com o MPF (Ministério Público Federal), Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), TCU (Tribunal de Contas da União) e CGU (Controladoria Geral da União).

De acordo com os investigadores, havia uma "organização criminosa voltada à formação de cartel e à fraude em licitações para o fornecimento de equipamentos médicos e materiais hospitalares para a secretaria de Saúde e para o Into". O cartel teria operado entre 1996 e abril de 2017 no instituto.

Segundo o Cade, está na mira da investigação a aquisição de equipamentos médicos importados de alta complexidade.

Na ação de hoje, são investigadas 37 empresas e os crimes de formação de cartel, corrupção, fraude em licitações, organização criminosa e lavagem de dinheiro. Segundo o MPF, a empresa Oscar Iskin, do empresário Miguel Iskin, era a líder do cartel. Algumas das empresas envolvidas atuavam como laranjas das outras, que se organizavam no chamado “clube do pregão internacional”. 

Entre os alvos da operação, estão, além de Iskin, Gustavo Estellita, empresário que também atua no setor de saúde. Eles e o ex-secretário estadual de Saúde do Rio de Janeiro Sérgio Côrtes haviam sido presos na Fatura Exposta, em abril de 2017, e foram soltos em fevereiro deste ano após serem beneficiados por habeas corpus julgado por Gilmar Mendes.

Na ação de hoje, Iskin e Estellita são alvos de mandados de prisão preventiva, que não tem prazo, e Côrtes foi intimado a prestar esclarecimentos.

Dos mandados de prisão, 13 são preventivos e outros nove temporários (de até cinco dias). Segundo a PF, há ainda 43 mandados de busca e apreensão sendo cumpridos no Distrito Federal e nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Paraíba e Minas Gerais.

As ordens judiciais foram autorizadas pelo juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal Criminal no Rio de Janeiro. Ele também determinou o bloqueio de R$ 1,2 bilhão dos investigados.

Outro lado

Alexandre Lopes, advogado de Miguel Iskin, afirmou que a prisão é "ilegal" e criticou o uso de informações de delator.

“Mais uma prisão ilegal que será revogada pelos tribunais brasileiros. Trata-se de repetição de operação anterior, na qual custódia preventiva já foi afastada pelo Supremo Tribunal Federal. Causa perplexidade a utilização como base da prisão depoimentos de um delator chamado Cesar Romero, que ouvido em Juízo, anteriormente, foi flagrado em várias mentiras. Suas delações deveriam ser anuladas, e não usadas como arrimo de prisão ilegal", afirmou.

A reportagem busca contato com as defesas dos suspeitos e empresas citadas.

Esquema

De acordo com o MPF, o núcleo do esquema era formado por funcionários de confiança da empresa Oscar Iskin. Eles eram responsáveis por fazer a ligação entre o setor público e os empresários envolvidos no cartel para direcionar as demandas públicas e as contratações, mediante a desclassificação ilícita de concorrentes que não faziam parte do cartel.

Segundo o Cade, a prática anticompetitiva se deu, principalmente, por meio de acordos de fixação de preços, condições e vantagens em licitação pública. Havia divisão de mercado entre os concorrentes e troca de informações no cartel com o objetivo de diminuir o número de outras empresas na disputa.

Procuradores dizem que ações irregulares no núcleo administrativo-político eram compradas com "vantagens indevidas milionárias, as quais eram custeadas com base na arrecadação de valores com as empresas beneficiárias das licitações".

Comissões no exterior chegaram ao patamar de 40% dos contratos afetados. Quando os pagamentos eram feitos no Brasil, os valores oscilavam entre 10% e 13%. O "grande caixa da propina", segundo o MPF, era administrado por Miguel Iskin "de forma a retroalimentar o sistema e permitir a sua hegemonia no mercado da saúde pública durante décadas”.

Para receber os valores, Miguel Iskin montou uma "rede complexa de lavagem de dinheiro", apontam os procuradores. Ele usava offshores no exterior e empresas no Brasil para o esquema, que funcionava de maneira similar na Secretaria de Saúde.

Etapa anterior

Dados colhidos na etapa anterior da Fatura Exposta, realizada em abril de 2017, foram utilizados nas investigações que resultaram na operação desta quarta-feira. O ex-secretário estadual de Saúde do Rio e os empresários Iskin e Estellita foram acusados de participar de fraudes em licitações para o fornecimento de próteses para o Into. 

A Fatura Exposta também indicou aos investigadores a atuação de uma grande empresa do ramo de fornecimento de materiais e equipamentos médicos no sentido de manter sob influência a diretoria do Into.

"O objetivo dessa atuação seria direcionar os vencedores e os valores a serem pagos nos contratos de fornecimento do Instituto", diz a PF. Outras empresas interessadas em participar das licitações precisavam passar a integrar o cartel coordenado por essa grande empresa do ramo para ampliar as chances de sucesso, aponta a polícia. 

O governo do Rio disse que não irá comentar a operação. O UOL entrou em contato com o Into e a empresa Oscar Iskin a respeito da operação desta quarta-feira, mas ainda não obteve retorno.

*Com informações de Hanrrikson de Andrade, do UOL, no Rio