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MPF-SP pede à Polícia Civil investigação de ameaças a Sakamoto relacionadas a fake news

26.out.2014 - Jornalista e Blogueiro do UOL Leonardo Sakamoto - Flávio Florido/UOL
26.out.2014 - Jornalista e Blogueiro do UOL Leonardo Sakamoto Imagem: Flávio Florido/UOL

Janaina Garcia

Do UOL, em São Paulo

11/07/2018 15h56Atualizada em 11/07/2018 17h07

O Ministério Público Federal em São Paulo encaminhou à Polícia Civil nesta quarta-feira (11) um pedido para que ela investigue ameaças que o jornalista e blogueiro do UOL Leonardo Sakamoto tem recebido dentro e fora do ambiente virtual.

No ofício à polícia, o MPF encaminhou um depoimento prestado por Sakamoto à Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão em maio deste ano. Nele, o jornalista relatou que as ameaças tiveram início desde que começaram a circular, na internet, notícias falsas afirmando que ele seria o dono de agências de checagens de notícias contratadas pelo Facebook a fim de diminuir a disseminação de fake  news na rede social.

Ativista de defesa dos direitos humanos, diretor da ONG Repórter Brasil e professor de jornalismo da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), Sakamoto tem atuação também contra o trabalho escravo e é conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão.

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No depoimento, o jornalista relatou ao procurador Pedro Antônio de Oliveira Machado que a ofensiva dos haters (como são chamados perfis que propagam mensagens de ódio ou perseguição) sobre a suposta relação dele com as agências de checagem se intensificou após a iniciativa do Facebook de anunciar a apuração das fake news. Com isso, disse, seu nome passou a circular em informações difundidas por perfis de diferentes redes sociais associado à figura de "responsável pela censura no Facebook".

A checagem para o Facebook no Brasil, entretanto, não é feita por Sakamoto, mas pelas agências Lupa e Aos Fatos –das quais jornalistas e outros colaboradores também foram alvo de ataques virtuais não apenas na rede, como em plataformas como Twitter e WhatsApp. Na ocasião, a Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) repudiou os ataques e lembrou que os critérios de checagem das agências são públicos e atendem aos requisitos da International Fact Checking Network (IFCN) -- um deles, o apartidarismo.

Entre os perfis que difundiram as notícias falsas sobre Sakamoto, segundo o MPF, estão autoridades públicas como o deputado federal e filho do presidenciável Jair Bolsonaro (PSL), Eduardo Bolsonaro (PSL), e o procurador de Justiça do Rio de Janeiro, Marcelo Rocha Monteiro.

Após a difusão desse conteúdo, o jornalista passou a receber ameaças nas redes sociais --inclusive, ameaças de morte. Posteriormente, ameaças virtuais desencadearam ações físicas –com abordagem dele na rua, por pessoas desconhecidas, em tom ameaçador, com questionamento sobre a suposta "censura".

Ao MPF, Sakamoto apresentou também reproduções de algumas das ameaças recebidas no ambiente digital. Em uma delas, o teor foi explícito: "É só me dar uma arma que meto uma bala no meio da cara desse Filho da P*!".

"Fui acusado falsamente não apenas de ser responsável por agências de checagem, mas também de estar usando-as para, em parceria com empresas de redes sociais, censurar pessoas e grupos. Isso atiçou ódio contra mim, gerando ameaças na internet e agressões verbais nas rua. Ainda bem que não houve violência física, por enquanto”, afirmou o jornalista ao MPF.

O procurador classificou o caso como grave por se tratar de ameaça a jornalista. “As fake news, para além dos prejuízos decorrentes da própria veiculação de informações falsas, ganharam proporções ainda mais graves no caso relatado pelo jornalista. Isto nos mostra que junto com os benefícios de ampliação da comunicação, as redes sociais e aplicativos de mensagens instantâneas podem também gerar efeitos negativos muito graves, incitando situações que põem em risco a integridade física de pessoas. O caso ganha especial gravidade e preocupação porque trata-se de intimidação de jornalista, pois a liberdade de imprensa é um dos pilares da democracia”, afirmou.

Não é a primeira vez que o jornalista aciona o MPF em função desse tipo de ataque. Em 2016, por exemplo, mensagens nas redes afirmavam que o jornalista defendia “a morte de aposentados”. No mesmo ano, documentos produzidos por ordem judicial sugeriram que as empresas JBS e 4Buzz promoveram, por meio de anúncio pago no Google, a exposição de um texto difamatório contra o jornalista, que já havia publicado artigos sobre a falta de segurança em frigoríficos do grupo. Em função do episódio, chegou a ser agredido. 

Na avaliação do procurador, ameaças não devem ser confundidas com liberdade de expressão. “A liberdade de expressão é uma garantia constitucional que obviamente há de ser exercida com responsabilidade, não existindo imunidade para quem abusa e pode ser responsabilizado pelo poder Judiciário”, definiu. “Esta é uma questão que tem merecido a preocupação do Ministério Público Federal. Estamos atentos para, quando for cabível e necessário, adotar medidas de responsabilização que sejam de atribuição do MPF”, concluiu o procurador.

Blogueiro cobra responsabilização: "internet não é terra sem lei"

Ao UOL, Sakamoto afirmou que o problema nem foi tanto a associação do nome dele às agências de checagem, de maneira falsa, mas a propagação da ideia de que ele estaria mancomunado a elas para censurar pensamentos diversos dos dele.

“Esse é o problema, no final das contas: a desinformação em cascata que acaba por abrir uma caixa de pandora em que tudo pode acontecer. Você não precisa necessariamente dizer: ‘matem essa pessoa’. Mas pode atribuir a ela malfeitos a ponto de outros acharem ok fazerem algo contra ela”, afirmou o jornalista, lembrando que vários dos perfis que replicaram as notícias falsas contra ele também são falsos.

Na avaliação do jornalista, é fundamental que vítimas de fake news acionem as autoridades, como ele fez, a fim de que os agressores sejam responsabilizados – sobretudo quando há risco à integridade física e/ou psicológica.

“Os autores desses ataques precisam ser responsabilizados e entender que a internet não é um lugar sem lei: as leis regem as relações humanas offline também regem as relações online”, definiu. “Não vou censurar ninguém e nem pedi para que algo fosse tirado do ar: pedi apenas que as pessoas que foram irresponsáveis sejam responsabilizadas. O que se tentou [no caso da associação dele às agências de checagem] foi atacar o combate à notícia falsa, à desinformação usando da liberdade de expressão deles para ferir a minha integridade”, concluiu.