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Três pontos para entender o pedido de impeachment de Crivella no Rio

Hanrrikson de Andrade

Do UOL, no Rio

12/07/2018 04h00Atualizada em 12/07/2018 15h29

A Câmara Municipal do Rio de Janeiro começa a debater nesta quinta-feira (12), em sessão extraordinária, a admissibilidade do pedido de impeachment do prefeito Marcelo Crivella (PRB). O pleito é baseado nas facilidades oferecidas por Crivella a um grupo de evangélicos durante reunião fechada no Palácio da Cidade, a sede do governo, na semana passada.

O caso foi revelado pelo jornal "O Globo", na última quinta (5), e provocou a interrupção do recesso na Casa. Os parlamentares analisam hoje se há ou não indícios que dão fundamento a um eventual processo de impeachment. Na manhã de hoje, a Procuradoria da Câmara definiu que, para admitir a possibilidade da cassação, será necessária maioria simples de votos, isto é, metade mais um dos vereadores presentes. O quórum mínimo para abrir a sessão é de 26 parlamentares.

Crivella, que é bispo licenciado da Igreja Universal, nega ter cometido qualquer irregularidade e diz ser vítima de perseguição religiosa.

Dois pedidos de impeachment chegaram à Mesa Diretora, sendo um por iniciativa da bancada do PSOL, que encabeça a oposição, e outro pelas mãos do vereador Átila Alexandre Nunes (MDB) --um terceiro foi enviado por servidores ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. As alegações são de crime de responsabilidade e de improbidade administrativa.

Na reunião com os evangélicos, intitulada "Café da Comunhão", Crivella disse a pastores e líderes de igrejas que procurassem uma funcionária do gabinete do prefeito a fim de agilizar o agendamento de cirurgias de catarata e varizes na rede pública.

Então se os irmãos tiverem alguém na igreja com problema de catarata, se os irmãos conhecerem alguém, por favor falem com a Márcia. É só conversar com a Márcia que ela vai anotar, vai encaminhar, e daqui a uma semana ou duas eles estão operando.

Marcelo Crivella (PRB), prefeito do Rio de Janeiro

O prefeito também ofereceu ajuda para resolver problemas relacionados à cobrança do IPTU nos templos. Segundo ele, é necessário "dar um fim nisso". "Tem pastores que estão com problemas de IPTU. Igreja não pode pagar IPTU, nem em caso de salão alugado. Mas, se você não falar com o doutor Milton, esse processo pode demorar e demorar. Nós temos que aproveitar que Deus nos deu a oportunidade de estar na prefeitura para esses processos andarem. Temos que dar um fim nisso."

  • O crime de responsabilidade

A leitura dos requerentes do impeachment é que Crivella desrespeitou um artigo específico de um decreto-lei federal de 1967, que dispõe sobre as responsabilidades de prefeitos e vereadores. Para a oposição, o gestor municipal "procedeu de modo incompatível com a dignidade e o decoro do cargo" ao oferecer privilégios a determinado grupo de pessoas, o que ensejaria o crime de responsabilidade e daria lastro à cassação do mandato.

Ocorre, no entanto, que o artigo que veda ações incompatíveis com "a dignidade e o decoro do cargo" é interpretativo e dá margem a leituras genéricas. "É algo totalmente elástico. Qualquer comportamento indevido pode se enquadrar nesse dispositivo", definiu Manoel Peixinho, professor de Direito Administrativo da PUC-Rio (Pontifícia Universidade Católica).

A discussão quanto ao crime de responsabilidade ocorrerá exclusivamente na esfera política. Ou seja, em caso de abertura de processo de impeachment, o futuro de Crivella estaria nas mãos dos 51 membros do Parlamento municipal, independentemente do entendimento jurídico. O prefeito só poderia recorrer à Justiça para abordar questões formais, como cerceamento ao direito a defesa e o cumprimento do rito processual.

O conceito é amplo e permite uma interpretação em que tudo pode encaixar e nada pode encaixar. Quem vai dizer se houve violação são os vereadores. O que prevalece é o posicionamento político dos vereadores.

Manoel Peixinho, professor de Direito Administrativo

Os pedidos de impeachment também argumentam que Crivella teria cometido crimes de improbidade administrativa e propaganda eleitoral antecipada. Na ocasião do encontro com os evangélicos, o prefeito discursou por mais de uma hora ao lado do colega de partido Rubens Teixeira, pré-candidato a deputado federal pelo PRB. A Procuradoria Regional Eleitoral do RJ apura se houve, de fato, a irregularidade.

  • A improbidade administrativa

Além de enfrentar acusações no âmbito político, Crivella também está vulnerável a uma ação criminal na Justiça comum. Promotores do Ministério Público Estadual investigam se o político pode ser acusado de improbidade administrativa, uma vez constatado o descumprimento dos princípios norteadores da gestão pública (honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições). Nesse caso, se condenado futuramente, o político do PRB ficaria inelegível por oito anos.

A provocação foi apresentada ao MP pelos mesmos requerentes do impeachment na Câmara. Os vereadores entendem que o prefeito agiu de forma parcial e desonesta ao oferecer vantagens a evangélicos, privilegiando um determinado grupo de afinidade, sobretudo na questão do agendamento de cirurgias.

Os parlamentares fizeram uma consulta ao Sisreg (Sistema de Regulação do Rio) e verificaram que, atualmente, mais de 7.000 pessoas estariam na fila da cirurgia de catarata na rede pública. À medida que Crivella teria prometido atendimento em "uma semana ou duas" aos pastores e líderes de igrejas presentes no encontro, apura o MP, os beneficiados poderiam, em tese, furar a fila do Sisreg.

"Precisamos checar: alguém no Sisreg [sistema de regulação das unidades de saúde] foi operado pela Márcia? Quando ele diz aos que estavam na reunião que basta procurar a Márcia, ele está desrespeitando a população que aguarda na fila de cirurgia. Será que a fila foi zerada mesmo, conforme ele fala? É isso que a gente precisa avaliar", declarou Paulo Pinheiro (PSOL).

  • Admissibilidade do impeachment

O rito da sessão extraordinária ainda está sendo estudado pela Procuradoria da Câmara Municipal, segundo informou a assessoria da Casa. Essa é apenas a segunda vez que o Parlamento pode admitir processo de impeachment contra governante da cidade --no fim dos anos 1980, o ex-prefeito Saturnino Braga escapou da cassação por um voto.

Segundo entendimento da Procuradoria divulgado nesta quinta-feira, o prefeito não seria afastado do cargo durante um possível processo de impeachment na Câmara tampouco em eventual aprovação da admissibilidade. Crivella só deixaria o cargo no caso da aprovação final do impedimento.

crivella - Marcelo Regua/Agência O Globo - Marcelo Regua/Agência O Globo
Marcelo Crivella (PRB) pode ser o segundo prefeito do Rio a encarar processo de impeachment
Imagem: Marcelo Regua/Agência O Globo
A pauta desta quinta será definida pelo presidente da Câmara, Jorge Felippe (MDB). Ele conduzirá os debates e encaminhará a votação, relativa à admissibilidade, de um dos dois pedidos de impeachment protocolados na Mesa Diretora. Os favoráveis à cassação precisam da maioria simples dos presentes no Parlamento (metade mais um). A sessão só poderá ser aberta com, no mínimo, 26 vereadores.

Apesar da confiança do bloco de oposição, o governo Crivella possui maioria na Casa e já se articula no sentido de enterrar o assunto. O primeiro movimento foi a manutenção no cargo do secretário da Casa Civil, Paulo Messina (PROS), que venceu a queda de braço com o agora ex-secretário de Educação Cesar Benjamin --os dois tinham desavenças pessoais e trocavam farpas publicamente.

Depois, a base governista resolveu apresentar um requerimento similar ao da oposição para que a Câmara convocasse uma sessão extraordinária. O documento teve, de acordo com a Casa Civil, 26 declarações de apoio e 17 assinaturas (mesmo número de assinaturas obtido pela oposição).

Se o impeachment for aprovado, será formada uma Comissão Processante com três membros sorteados, os quais elegerão, desde logo, o presidente e o relator. A partir daí, o denunciado terá dez dias para apresentar, por escrito, a sua defesa prévia, além de indicar as provas que pretender produzir e arrolar até dez testemunhas. Todo o processo deve durar, no máximo, três meses.

Na ausência do prefeito eleito, Felippe assumiria a gestão provisoriamente, já que o vice, Fernando Mac Dowell, morreu em 20 de maio deste ano. Confirmado o impeachment, o presidente do Legislativo teria que convocar eleições diretas em até 90 dias.

Os parlamentares da oposição afirmam que o objetivo da sessão extraordinária é iniciar o debate.

"Não queremos definir o impeachment na quinta. O que queremos é discutir e debater as denúncias que estão no áudio do Palácio da Cidade [as promessas do prefeito foram gravadas pela reportagem de "O Globo"]. Não significa que isso tem que ser avaliado, pesado, votado e resolvido logo na quinta", explicou Reimont (PT). "O mais importante agora é fazer o debate, até para dar condições à base do governo de se defender", completou Tarcísio Motta (PSOL), que é pré-candidato ao governo fluminense.

O que diz Crivella

A reportagem do UOL solicitou entrevista com o procurador-geral de Justiça do RJ, Eduardo Gussem, mas o Ministério Público informou não ser possível porque as investigações estão em curso.

Em nota, o órgão informou que o expediente entregue pelos parlamentares já foi despachado para "adoção das providências cabíveis". Três promotorias foram mobilizadas (Eleitoral, Saúde e Cidadania), além da Subprocuradoria-Geral de Justiça de Assuntos Criminais e de Direitos Humanos.

Em entrevista ao "SBT" exibida na terça, Crivella se disse vítima de perseguição religiosa e afirmou que reuniões na prefeitura são uma "coisa normal". "Já recebi lá moradores de comunidade, garçons, taxistas", observou.

O prefeito também defendeu que "toda igreja no Brasil inteiro tem imunidade constitucional", em relação à cobrança do IPTU. "O prefeito tem dever de ajudar", declarou ele, observando que o benefício também vale para centros espíritas e para a Igreja Católica.

Crivella negou que a fila para o atendimento de saúde no Rio, gerenciada pelo Sisreg (Sistema de Regulação), tenha sido furada. Segundo ele, no caso do tratamento de catarata, o prefeito disse ter contratado 15 mil cirurgias --9.000 pacientes foram convocados, 3.000 já foram operados e 30% não compareceram. "Eu disse para procurar a Márcia justamente para ter informações de como se inscrever no Sisreg."

Em nota, a Secretaria da Casa Civil informou que a gestão municipal recebeu com "tranquilidade a notícia de que o impeachment será avaliado pela Câmara Municipal".

A reportagem do UOL enviou um pedido de entrevista à assessoria de imprensa da prefeitura, mas ainda não obteve retorno.