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Lava Jato aponta "propinolândia" de R$ 54 mi na Alerj e diz que desvio custeou até carnaval

Gabriel Sabóia e Nathan Lopes

Do UOL, no Rio e em São Paulo*

08/11/2018 12h27Atualizada em 08/11/2018 20h03

O MPF (Ministério Público Federal) apontou que houve o pagamento de ao menos R$ 54,5 milhões em propinas a deputados da Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro) ao longo do segundo mandato de Sérgio Cabral (MDB) no governo fluminense (2011-2014). Dez deputados estaduais foram presos na Operação Furna da Onça, desdobramento da Cadeia Velha, no âmbito da Lava Jato --ao todo, o TRF2 (Tribunal Regional Federal da 2ª Região) autorizou 22 prisões (às 16h todos já haviam sido presos). Também foram autorizados 47 mandados de busca e apreensão no Palácio Guanabara, sede do governo fluminense, e na Alerj.

O esquema, envolvendo fornecedores do estado e deputados estaduais, teria transformado a Alerj em uma “verdadeira propinolândia”, conforme definiu o procurador regional da República Carlos Aguiar. Os investigadores dizem que cargos em órgãos públicos eram usados como "moeda de troca" e que os valores da propina chegaram até mesmo a custear o carnaval da Mangueira, uma das mais tradicionais escolas de samba do Rio.

“A Alerj se transformou numa verdadeira propinolândia tamanha a quantidade de benefícios que eram repassados para esses deputados em troca do apoio”, disse Aguiar. “Volto a dizer, não apoio ao governo propriamente, apoio para a organização criminosa. E tudo isso em detrimento da população do Rio de Janeiro.”

Segundo a Lava Jato, "a organização criminosa chefiada por Cabral" pagava propina mensal ("mensalinho") a deputados estaduais em troca de apoio. Cabral está preso desde novembro de 2016, com condenações que ultrapassam 180 anos de prisão. De acordo com a procuradora Renata Ribeiro Baptista, os mensalinhos variavam de R$ 20 mil e R$ 900 mil. Segundo a Lava Jato, parte dos R$ 54,5 milhões movimentados envolvia sobrepreço de contratos.

Entre os deputados alvos da operação está Chiquinho da Mangueira (PSC), que é presidente da escola de samba Mangueira e atualmente corregedor da Alerj, responsável por abrir procedimentos para investigar parlamentares. Segundo a procuradora, Chiquinho teria recebido mais de R$ 3 milhões e parte do valor teria sido usado para custear o carnaval em 2014.

“São valores provenientes de propina, de desvio de verba federal, desvio de verba estadual, para custear carnaval [da escola de samba]”, disse Renata. “As investigações contam uma história e é a história de como o Executivo cooptou o Legislativo e isso gerou a absoluta falência dos serviços públicos e dos controles, dos mecanismos de controles entre poderes do estado”.

Sobre a origem da propina, a delegada da Polícia Federal Xênia Soares disse que parte dos valores vinha da Odebrecht. Outras fontes dos valores que viraram propina ainda são investigadas. “A ponta que a gente localiza no sistema dos doleiros é uma ponta que vem da Odebrecht, mas existiam uma série de outros pagamentos que não estão nesse sistema”, comentou. Os valores da empreiteira viriam do abastecimento de contas de Cabral que “serviram para fazer esses pagamentos”, segundo a delegada.

Os alvos da operação

Dos dez deputados, sete são alvos de mandado de prisão pela primeira vez. Jorge Picciani, ex-presidente da Alerj, Edson Albertassi e Paulo Melo, todos do MDB, já tinham sido presos em novembro do ano passado na Operação Cadeia Velha. Picciani passou a cumprir prisão domiciliar por motivos de saúde em 28 de março, após decisão do STF (Supremo Tribunal Federal). Já Albertassi e Melo estão presos em Bangu.

Dos outros 7 deputados alvos de mandado de prisão, 5 foram reeleitos este ano:

Também foi preso Affonso Monnerat, secretário de Governo de Luiz Fernando Pezão (MDB) e responsável pela interlocução entre Alerj e prefeituras. Ele é responsável pela articulação entre o gabinete do governador e as secretarias de estado.

O atual presidente do Detran, Leonardo Silva Jacob, seu antecessor Vinícius Farah, recém-eleito deputado federal pelo MDB, e a subsecretária de Ciência, Tecnologia, Inovação e Desenvolvimento Social do Rio, Shirley Aparecida Martins Silva, também foram alvo de mandados de prisão. À noite, Pezão anunciou a exoneração de Monnerat, Jacob, Shirley e também da servidora Carla Adriana Pereira.

Também tiveram prisão temporária decretada assessores e ex-chefes de gabinetes dos deputados detidos --eles são apontados pela Lava Jato como operadores financeiros dos parlamentares.

'Quem não deve não teme', diz deputado ao chegar à PF

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Foram autorizadas pelo TRF2 três prisões preventivas contra Picciani, Melo e Albertassi --os demais mandados são de prisão temporária (cinco dias).

O procurador Carlos Aguiar afirmou que, dessa vez, as prisões de deputados não serão submetidas ao plenário da Alerj --no ano passado, quando foram presos Melo, Picciani e Albertassi (MDB), as prisões foram revertidas por votação da Casa. Posteriormente, eles foram detidos novamente.

"A prisão temporária não será submetida à Alerj. Esses deputados que foram hoje presos tiveram uma postura clara em defender os outros três [Picciani, Mello e Albertassi], na ocasião das prisões. Em momento algum a Alerj se manifestou pela cassação desses deputados. Não está escrito na Constituição, mas a Constituição é feita para ser interpretada. Quando a votação é viciada, ela passa a ser prescindível", defendeu o procurador.

O desembargador federal Abel Gomes destacou que, tratando-se de prisões preventivas, de natureza judicial, somente o Judiciário pode revogá-las. Ele afirmou que o Legislativo somente pode atuar sobre outras questões decorrentes das prisões, como abrir processo ético-disciplinar. Abel Gomes lembrou que, até o momento, a Alerj não tomou medida nesse sentido, em relação aos presos da Operação Cadeia Velha.

Cargos públicos como moeda de troca, diz MPF

De acordo com Aguiar, a relação entre os deputados e o Executivo foi pautada pela “promiscuidade”. “Uma relação em que preponderava o ‘toma lá, dá cá’, o pagamento reiterado de propina para que esses deputados, de alguma maneira, atuassem no interesse da organização criminosa”, complementou o procurador regional. “Não estamos investigando deputados, a Alerj, estamos investigando pessoas que se valeram dos cargos para viabilizarem seus interesses ilícitos.”

Segundo o procurador, os envolvidos lotearam o estado fluminense. “E, não por acaso, temos notícia de corrupção em diversas agências, do Detran sobretudo”, disse. “Há um esquema que não envolve só pagamento em espécie, mas também a entrega de cargos públicos como moeda de troca”. De acordo com a Lava Jato, o deputado Paulo Melo teria tanto domínio no órgão que era considerado "o rei do Detran".

Para Aguiar, isso não pode ser tratado com naturalidade. “Fisiologismo não faz parte da democracia, fisiologismo é a receita para a corrupção.”

O grupo Prol, ligado ao empresário Arthur Soares, também teria sido utilizado para alocar essas indicações, de acordo com as investigações. Soares, que era conhecido como "Rei Arthur" por ser o principal fornecedor do estado durante as gestões de Cabral, é considerado foragido pela Justiça. Ele teve a prisão preventiva decretada em 2017 pelo juiz Marcelo Bretas, responsável pela Operação Lava Jato no Rio, por suposta participação num esquema que envolvia a compra de votos para eleger o Rio como sede dos Jogos Olímpicos de 2016.

As investigações têm por base a delação premiada de Carlos Miranda --apontado como o principal operador de Sérgio Cabral--, cruzamentos de dados contábeis e investigações de outras fases da Lava Jato no Rio.

Outro lado

A reportagem do UOL entrou em contato com alvos da Furna da Onça e aguarda retorno sobre a operação.

Por meio de sua assessoria, Chiquinho da Mangueira afirmou que as suspeitas contra ele são "infundadas e totalmente inverídicas". Segundo o advogado Pablo Andrade, a medida foi "completamente desarrazoada e ficará demonstrado que não houve qualquer ato ilícito praticado pelo deputado".

O deputado reeleito André Corrêa se pronunciou ao chegar à PF. "Quem não deve não teme. Sigo deputado e mantenho a minha candidatura à Presidência da Alerj. E sigo com a minha promessa de tirar o PSOL da Presidência da Comissão de Direitos Humanos. Estou tão confiante da minha inocência que não tenho nem advogado", disse ele.

"O deputado nunca participou de qualquer ato criminoso durante seus mandatos e reafirma sua inocência”, informou a defesa de Albertassi.

A assessoria do deputado Marcus Vinícius Neskau afirma que o parlamentar recebeu a ordem de prisão temporária "com muita indignação e estranheza, justo em um período de articulações políticas sobre a votação para a próxima composição da Presidência da Alerj". Segundo sua assessoria, Neskau já havia se manifestado a favor do deputado André Corrêa, também preso na operação. "O parlamentar segue seu compromisso com a população de dar transparência a seu mandato, afirmando sua inocência e colaborando com todas as investigações", diz a nota.

A defesa de Vinicius Farah afirmou que ele confia na Justiça e que a situação será elucidada. Farah se apresentou à PF em Brasília, onde cumpria agenda de trabalho.

O UOL também procurou a assessoria de imprensa do governo Pezão, que afirmou: "o governo desconhece os fatos e não teve acesso aos autos do processo".

Procurado, o Detran disse que está "à disposição das autoridades para qualquer esclarecimento".

A Odebrecht afirmou, por meio de nota, que "continua colaborando com a Justiça e reafirma o seu compromisso de atuar com ética, integridade e transparência”.

*Com colaboração de Marcela Lemos, no Rio, e informações do Estadão Conteúdo