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Presidente do STF pode derrubar decisão do ministro Marco Aurélio? Entenda

Ministro Dias Toffoli, presidente do STF - AFP
Ministro Dias Toffoli, presidente do STF Imagem: AFP

Mirthyani Bezerra*

Do UOL, em São Paulo

19/12/2018 17h23

Se o STF (Supremo Tribunal Federal) seguir sua jurisprudência, a decisão do ministro Marco Aurélio Mello de suspender a possibilidade de prender condenados em segunda instância antes do trânsito em julgado, não será revogada. Segundo especialistas ouvidos pelo UOL, uma decisão monocrática (ou seja, de um só ministro) não costuma ser revista durante um plantão judiciário da Corte, que já começou nesta quarta-feira (19). O presidente do STF, Dias Toffoli, está encarregado do plantão durante o recesso do Judiciário, que termina apenas em fevereiro.

"A jurisprudência é clara: não se pode mexer em decisão monocrática. Apenas o pleno da Corte poderia rever a decisão ou o próprio ministro Marco Aurélio, da mesma maneira como aconteceu com [Luiz] Fux, que reviu seu próprio entendimento sobre o auxílio-moradia de juízes", explicou Humberto Fabretti, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Além disso, segundo o conselheiro federal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e professor de direito penal na USP, Luiz Flávio Borges D'Urso, determinar ou manter prisão não costuma ser matéria de plantão judiciário. "Nos casos de obtenção de liberdade, o plantão examina, mas determinar ou manter a prisão não é matéria do plantão do STF, porque o plantão cuida de situações emergenciais. Se a pessoa está presa e busca liberdade, o plantão aprecia", disse.

O criminalista e professor do curso de direito penal do IDP-São Paulo, João Paulo Martinelli, explica que a decisão de Mello busca antecipar uma decisão da Corte sobre as ações que estão prontas para serem julgadas pelos ministros do STF. "O julgamento foi marcado para abril de 2019, o que Marco Aurélio fez foi entender que existe a possibilidade de que se mude o entendimento sobre início da execução da pena antes do trânsito em julgado [quando se esgotam os recursos] e, liminarmente, decidiu que esses presos devem aguardar em liberdade", disse.

Os próprios ministros do STF, no entanto, acreditam que Toffoli irá derrubar a liminar do colega, por duas razões: porque a liminar de Marco Aurélio foi vista como "muito abrangente" e porque o julgamento das ações que tratam da prisão em segunda instância pelo plenário já tem data marcada, 10 de abril de 2019.

A decisão de Marco Aurélio não significa que todos os presos que possuem condenação em segunda instância deverão ser soltos. Da conversa com os três especialistas em direito penal, o UOL preparou esse "perguntas e respostas". Confira.

Todos os presos condenados em 2ª instância serão soltos?

Não. Apenas aqueles que já começaram a cumprir a pena, determinada pelos tribunais, sejam eles estaduais ou federais.

Em outras palavras, mesmo que o preso tenha sido condenado em segunda instância, se não há contra ele um processo de execução penal, e ele está preso devido a um mandado de prisão preventiva, ele não deverá ser solto.

"Se a motivação da custódia preliminar não diz respeito à condenação em segunda instância, a pessoa vai continuar presa. No caso das pessoas que estavam presas preventivamente e começaram, dentro a prisão, a cumprir a pena após decisão colegiada, a liminar de Marco Aurélio se estende a elas", explicou D'Urso.

Martinelli diz que deverão ser soltas pessoas cuja prisão foi decretada automaticamente após decisão do tribunal.

"Lula teve a execução automática da pena decretada pelo TRF-4 [Tribunal Regional Federal da 4ª Região], numa decisão inclusive contrária ao entendimento do STF, que entendeu ser possível o início do cumprimento da pena, mas não diz que ela deve ser automática", explicou.

Fabretti explica que em 2016 o STF decidiu que as pessoas poderiam cumprir a pena após decisão de corte colegiada, mas que caberia aos tribunais decidirem se o condenado começaria a cumprir a pena ou se o tribunal aguardaria a resolução dos recursos nas instâncias superiores (STF e STJ).

"Não ficou algo automático, o STF apenas permitiu que algumas começassem a cumprir ainda que tenha havido recursos aos tribunais superiores."

Quantas pessoas deverão ser soltas pela decisão do STF?

Não se sabe ao certo. O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) informou ao UOL que não teria como separar os dados identificando apenas os afetados pela liminar deferida pelo ministro do STF. O deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) informou erroneamente que o Brasil tinha quase 150 mil presos que seriam liberados após a decisão de hoje, atribuindo à informação ao CNJ. No entanto, o dado do Conselho, que é de agosto desse ano, leva em consideração também condenados em primeira instância que foram condenados e permaneceram presos por força de prisão preventiva, caso excluído da decisão de Marco Aurélio.

Existe um prazo para que essas pessoas sejam soltas?

Não há um prazo certo. Mas especialistas ouvidos pelo UOL disseram que a questão tem um caráter de urgência. "Normalmente varia um a dois dias", acredita Martinelli.

Primeiro os advogados de defesa precisam pedir aos juízes de execução penal que cumpram a decisão do STF e soltem os condenados, acredita Martinelli e D'Urso. No caso de Lula, a defesa fez o pedido de soltura à juíza Carolina Lebbos, responsável pela execução penal do petista.

Fabretti tem uma visão distinta. Segundo ele, o pedido deveria ser feito ao desembargador relator do caso de Lula no TRF-4, João Pedro Gebran Neto.

"Ela [petição] deve ser feita não para o juiz da execução, porque ele só cumpre a decisão do segundo grau, não tem jurisdição para decidir, só tem para decidir sobre o cumprimento da pena. Essa petição tem que ser feito para o desembargador relator do recurso que ainda existir. No caso de Lula, Gebran Neto teria que atender à decisão do Supremo e suspender o mandado de prisão", disse.

Ele completa dizendo que não há um prazo para isso, mas que ele deveria decidir com urgência

Juízes e desembargadores podem ir contra a decisão do STF?

Não. Eles precisam cumprir, caso entendam que o preso atende aos requisitos da decisão de Marco Aurélio Mello.

Se Marco Aurélio decidiu, o STF ainda vai votar sobre as prisões em 2019?

Desde quando decidiu sobre a possibilidade das prisões após condenação em segunda instância, em 2016, o STF se divide entre os ministros que são contrários e os que são a favor. "Na primeira votação, dos 11 ministros, 6 votaram a favor da prisão e 5, contra. Um deles foi Gilmar Mendes, que tem demonstrado ter mudado de opinião. Quando caia pessoas presas por decisão do tribunal, ele mandava colocar em liberdade. Houve aí uma inversão de voto", explicou Fabretti, do Mackenzie.

A ex-presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, deveria ter colocado a questão novamente para votação no plenário, mas não o fez.

"Por ser o relator, Marco Aurélio disse que essa questão deveria ser decidida pelo pleno, e que não queria decidir sozinho. Ele sempre disse ser contra a execução antecipada da pena, por achar inconstitucional. Mas Cármen Lúcia o ignorou e nunca pautou a ação", explicou.

Como o agora presidente Dias Toffoli marcou a questão para julgamento no dia 10 de abril, a leitura que o professor do Mackenzie faz é que esperar tantos meses para uma definição judicial seria muito tempo para as pessoas que estão presas.

"Ele não decidiu sobre o mérito das ações [se os presos são inocentes ou culpados, a grosso modo], mas se a lei está ou não de acordo. Esperar esses meses todos seria muito tempo, então ele decidiu conceder a liberdade e entende-las como inconstitucionais", disse.

(Colaborou Felipe Amorim, do UOL, em Brasília)