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Chefe do Ibama já defendeu remoção de índios e atacou "ditadura da minoria"

Eduardo Fortunato Bim - Divulgação
Eduardo Fortunato Bim Imagem: Divulgação

Hanrrikson Andrade e Janaina Garcia*

Do UOL, em Brasília e em São Paulo

10/01/2019 17h53Atualizada em 11/01/2019 12h39

O novo presidente do Ibama, Eduardo Fortunato Bim, defendeu em artigo publicado em 2012 que povos indígenas "não podem prejudicar o interesse geral" com um "suposto direito de veto" em casos como a demarcação de suas próprias terras.

No texto, disponível no site do Senado, Bim sugere que os povos indígenas sejam escutados em situações em que empreendimentos do interesse do governo afetem diretamente suas terras, mas ressalva que não devem ter poder de veto sobre essas obras. 

O artigo do novo presidente --que era procurador da AGU (Advocacia Geral da União) no Ibama -- tratava da situação da demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. Sobre a área, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) já declarou que pretendia abri-la para atividades econômicas por ser "a terra mais rica do mundo". Em dezembro, após a repercussão sobre a frase, Bolsonaro informou que deixaria a cargo do STF (Supremo Tribunal Federal) a atribuição de rever a demarcação da área.

"É importante frisar que o direito de ser ouvido (oitiva) não é absoluto, tendo o STF decidido que o usufruto dos índios 'não se sobrepõe aos interesses da política de defesa nacional'", escreveu Bim, no artigo "A participação dos povos indígenas e tribais/ Oitivas na Convenção 169 da OIT [Organização Internacional do Trabalho], Constituição Federal e Instrução Normativa n. 1 da Funai",de 2012.

Logo após tomar posse em 1º de janeiro, no entanto, o novo governo transferiu a responsabilidade sobre a demarcação de terras indígenas e quilombolas para o Ministério da Agricultura --o que rendeu duras críticas de entidades ligadas à defesa desses povos. 

"Ditadura da minoria"

Bim ressalvou que "a democracia não exclui ninguém do diálogo" e que "os povos indígenas e tribais também têm o direito de participar das decisões estatais, contribuindo para o aperfeiçoamento das instituições democráticas e da gestão da coisa pública". 

Por outro lado, ponderou que a "democracia é o governo da maioria", a qual "não pode esmagar as minorias (vedação de ditaduras da maioria)", mas assinalou que minorias "não podem anular decisões de interesse geral (ditadura das minorias)". 

"Nenhum segmento da população pode vetar políticas que a todos afetem. Os povos indígenas e tribais, fazendo parte do povo brasileiro, não podem prejudicar o interesse geral com um suposto direito de veto. A ausência de consentimento é condizente com a democracia porque uma minoria não pode decidir pelo bem de todos", definiu.

Bim pontuou ainda que a Convenção OIT 169, da Organização Internacional do Trabalho, autoriza a remoção dos índios ou povos tribais "somente reconhecendo o direito de eles voltarem a suas terras tradicionais assim que deixarem de existir as causas que motivaram seu translado e reassentamento". 

"Harmonizando interesses para que não haja ditadura da minoria, esse diploma normativo deixa claro que a remoção dos índios ou tribais é possível, embora indesejável sem o seu consentimento", concluiu.

Segundo a presidente da Comissão Nacional de Direito Ambiental da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Marina Gadelha, os povos indígenas precisam ser consultados sobre atividades como mineração em suas terras. "E, após aprovada uma lei que regulamente a Constituição, o entendimento é que cada pretensão de atividade mineradora dentro das terras indígenas tem que passar pelo Congresso individualmente", diz Gadelha.

A remoção de indígenas de suas terras também foi tratada pela Carta de 1988. O texto proíbe qualquer remoção, com exceção de casos de epidemias ou catástrofes, sempre com o avalização do Congresso Nacional. "É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo, ad referendum do Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população, ou no interesse da soberania do País, após deliberação do Congresso Nacional, garantido, em qualquer hipótese, o retorno imediato logo que cesse o risco.", diz a Constituição.

Com televisão, deixa de ser índio

Para Bim, indígenas que tenham equipamentos eletrônicos ou cultivem a terra deixam de necessitar de tratamento especial.

Em seu artigo, ele escreveu que "índio que vive como não índio, sem usar a terra, locando-a e vivendo de rendas, ou trabalhando nela como qualquer agricultor, não deve receber a proteção da convenção 169 da OIT e, portanto, não deveria ser consultado pelo estado 'sobre assuntos que os afetem'".

"Caminhonetes, aviões, armas de fogo (fuzis etc.), TVs, computadores, internet etc. podem ser indícios de que não se trata mais de comunidade indígena pura, ainda que em áreas demarcadas, afastando a necessidade da proteção especial conferida pela convenção OIT 169 pela equiparação ao povo semitribal da revogada convenção OIT 107".

O texto da 169ª convenção da OIT foi aprovado em 27 de junho de 1989 e promulgado na Constituição brasileira pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2014. O documento estabelece direitos dos povos indígenas e determina que a "a consciência de sua identidade indígena ou tribal deverá ser considerada como critério fundamental para determinar os grupos aos que se aplicam as disposições".

Bim defende um raciocínio mais pragmático e argumenta que aos índios "integrados à sociedade" --isto é, que vivam como "não índios-- deveria ser aplicado o conceito "semitribal".

"Em suma, a caracterização automática da comunidade tradicional como povo tribal, para fins da aplicação da Convenção OIT 169, deve ser vista caso a caso e com cautela, mormente considerando que não basta ser povo tribal, mas é preciso cumprir outros requisitos, o que torna diversas comunidades tradicionais muito mais semitribais do que propriamente tribais."

O raciocínio, de certa maneira, se contrapõe a uma ideia de Bolsonaro. 

Durante a campanha, o então candidato defendeu que, independentemente do modo de vida, as populações indígenas deveriam receber royalties derivados da exploração de terras demarcadas. Em vídeo publicado nas redes sociais, ele afirmou que lutaria pela emancipação dos índios e, como exemplo, mencionou que o "índio norte-americano vive, em grande parte, dos royalties dos cassinos".

Questionado mês passado sobre as posições expressas no artigo a respeito de terras indígenas, Bim disse que vai procurar o diálogo. "Tem de haver uma interlocução com a Funai, com os próprios indígenas. Estamos abertos. Sempre vamos buscar o consenso", definiu, na ocasião.

*Colaborou Alex Tajra, em São Paulo