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Dodge cobra demarcações indígenas e Damares promete diálogo com governo

A ministra Damares Alves e a procuradora-geral, Raquel Dodge, em debate sobre os direitos indígenas - Mateus Bonomi/Estadão Conteúdo
A ministra Damares Alves e a procuradora-geral, Raquel Dodge, em debate sobre os direitos indígenas Imagem: Mateus Bonomi/Estadão Conteúdo

Felipe Amorim

Do UOL, em Brasília

23/01/2019 11h23Atualizada em 23/01/2019 12h19

Em evento sobre os direitos indígenas com a presença da ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, cobrou que o governo realize a demarcação de terras indígenas seguindo o que determina a Constituição. 

O governo do presidente Jair Bolsonaro (PSL) colocou a Funai (Fundação Nacional do Índio) sob a alçada do Ministério dos Direitos Humanos e retirou do órgão umas das principais atribuições: a identificação, delimitação e demarcação de terras indígenas no país.

As demarcações foram deslocadas para o Ministério da Agricultura, comandado pela líder ruralista Tereza Cristina, deputada federal pelo Mato Grosso do Sul. A ministra não compareceu ao debate do MPF pois foi convocada para uma reunião de emergência no Palácio do Planalto sobre as cheias no Rio Grande do Sul.

Raquel Dodge afirmou nesta quarta-feira (23) que a Constituição Federal, promulgada em 1988, fixou prazo de cinco anos para que fosse concluída a demarcação das terras indígenas, obrigação nunca cumprida por governos anteriores. 

"É preciso relembrar bem que há muitas normas da Constituição de 1988 ainda não cumpridas. A principal delas talvez seja a determinação para que no ano de 1993 todas as terras indígenas estivessem demarcadas, estivessem com suas demarcações concluídas, cinco anos após a Constituição de 1988", disse a procuradora. 

"É um dever constitucional imposto sobre o poder Executivo que não foi cumprido e mais uma vez, diante de um novo governo, a pergunta é refeita: quando que as demarcações estarão concluídas para que haja aquilo que a Constituição assegura, que é o usufruto exclusivo dos povos indígenas para a terra que a Constituição lhes assegura", afirmou Dodge. 

O presidente Jair Bolsonaro tem feito afirmações contrárias às demarcações de terras indígenas e chegou a anunciar a intenção de rever demarcações já concluídas, como a da reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima. 

No evento, a ministra Damares Alves afirmou que o governo Bolsonaro manterá o diálogo com o Ministério Público e entidades de defesas dos direitos indígenas, e que as políticas para o setor vão seguir a legislação. 

"Fica garantido a todos vocês: o diálogo está aberto. O governo Bolsonaro veio buscando diálogo, acho que nos primeiros dias isso ficou bem demonstrado", disse Damares. 

"E aqui reafirmo que as políticas públicas que este ministério vai apresentar para o Brasil, além de estarem baseadas no direito e na Constituição elas estarão movidas de grande paixão", disse.

"O diálogo está aberto e o Brasil tem de fato uma ministra que ama demasiadamente os povos indígenas e eu vou deixar isso muito claro para todos os outros ministros, para todas as autoridades e para o presidente Bolsonaro", afirmou Damares.

O evento foi organizado pelo MPF (Ministério Público Federal) com o objetivo de debater as políticas para os direitos indígenas do governo Bolsonaro. A ministra Tereza Cristina também foi convidada para a mesa de abertura, mas não compareceu, por ter outro compromisso no mesmo horário.

"É impossível rever demarcações", diz subprocurador

O suprocurador da República Antônio Carlos Bigonha, coordenador da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF, que atua com direitos indígenas, quilombolas e de comunidades tradicionais, afirma que legalmente não seria possível ao governo suspender a política de demarcação de terras, prevista na Constituição Federal, e que a revisão de demarcações já feitas seria possível apenas em casos excepcionais, se fosse constatada alguma irregularidade no processo demarcatório. 

"É um impossível jurídico rever demarcações de terras no Brasil, a não ser se se constatasse alguma nulidade, mas é um fato excepcionalíssimo, o que existe no Brasil hoje são terras demarcadas regularmente", disse.

"Não há a possibilidade constitucional de paralisar as demarcações ou regredir nas que já foram demarcadas", afirmou o procurador.

A 6ª Câmara do MPF está analisando representações feitas por entidades indígenas contra as mudanças na Funai e nas demarcações de terra. Segundo Bigonha, ainda não há uma conclusão sobre se o MPF vai propor medidas judiciais contra as mudanças. 

O procurador, no entanto, disse acreditar que seria melhor se a Funai permanecesse sob a guarda do Ministério da Justiça e que as demarcações continuassem sob o controle do órgão de políticas indígenas.