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Lava Jato denuncia 426 em 5 anos; delações esbarraram em falta de provas

Eduardo Militão e Vinícius Konchinski

Do UOL, em Brasília e em Curitiba

17/03/2019 04h07Atualizada em 17/03/2019 13h04

A Operação Lava Jato trouxe à tona do noticiário e do vocabulário nacional a delação premiada. O recurso, que permite que um condenado diminua sua pena ao delatar esquemas criminosos, foi amplamente usado nas investigações. Somente em Curitiba e no STF (Supremo Tribunal Federal), foram fechados 183 acordos de colaboração pelo MP (Ministério Público).

Considerada a maior operação de combate à corrupção do país, a Lava Jato já pediu a prisão de 267 pessoas (algumas seguem foragidas e outras já estão em liberdade) e denunciou 426 por diferentes crimes. Dessas, 155 já foram condenadas. "Imagino que investigados da Lava Jato e pessoas que estão vendo que a Lava Jato está se aproximando de crimes que elas cometeram desejam que a Lava Jato termine logo", disse Roberson Pozzobon, procurador da República e integrante do MPF (Ministério Público Federal) em Curitiba, em entrevista ao UOL sobre o balanço dos cinco anos da operação. "Há diversas investigações em curso hoje e é impossível definir o prazo final."

Nem tudo o que delatores afirmaram necessariamente foi comprovado por investigações. A reportagem do UOL separou cinco casos que mostram que as colaborações premiadas não conseguiram impulsionar apurações a ponto de punir os acusados (veja mais abaixo). E, em alguns casos, os delatores se beneficiaram do acordo da mesma maneira.

Com informações e documentos nas mãos, polícia e MP podem conseguir provar o crime por completo, obtendo a condenação total dos maiores responsáveis pelo esquema investigado.

Em algumas situações sequer há julgamento. A Odebrecht negociou o maior acordo de delação do mundo, com 77 executivos e 89 apurações abertas pela PGR (Procuradoria Geral da República). Porém, 22 delas foram arquivadas sem virarem um processo criminal. Ao menos 13 apurações foram para a lixeira por falta de provas.

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"O acordo é o mais bem construído e o mais sério de toda a Operação Lava Jato e o que mais elementos trouxe para a elucidação da corrupção no Brasil", diz o advogado Theo Dias, que coordenou o pacto com o MP e que defende o patriarca da família dona da empreiteira, Emílio Odebrecht.

Para o professor de direito penal do IDP (Instituto Brasiliense de Direito Público) Marcelo Turbay, muitas colaborações foram feitas apenas para que os investigados atendessem à tese investigativa de procuradores e policiais. "Tem esse tipo de distorção", contou ele ao UOL. Entre seus clientes, Turbay defende o ex-senador Romero Jucá (MDB-RR).

Delações premiadas sem lastro probatório e que não correspondem à realidade feitas tão somente para garantir benefícios, como exclusão de penas e não-denúncia [não ser denunciado]"
Marcelo Turbay, mestre em direito penal

Roberson Pozzobon, procurador da Lava Jato no Ministério Público Federal no Paraná desde 2014, não vê nenhuma colaboração com falhas. "Não consigo avaliar ou indicar qualquer acordo que tenha sido celebrado e que tenha ferido essa lógica [de só ser fechado caso o delator tenha realmente algo a contribuir]", explicou ao UOL.

Ele lembra que algumas colaborações narram 80 fatos, mas nem sempre é possível prová-los, pois alguns têm mais documentos e outros são mais antigos e mais difíceis de investigar, por exemplo.

Temos que levar em consideração que os acordos são pontos de partida, não chegada"

Roberson Pozzobon, procurador da Lava Jato no Ministério Público Federal no Paraná

O advogado Bruno Espiñera, defensor do delator Lúcio Funaro, entende que o MP está mais "criterioso" hoje para decidir aceitar colaborações premiadas. "No começo, não tinha uma aplicação concreta. Há um aperfeiçoamento natural. Vai se aprendendo na prática".

Reservadamente, outros defensores acrescentaram à reportagem que a Procuradoria passou a exigir mais documentos para embasar as declarações. O ex-deputado Eduardo Cunha (MDB-RJ) não conseguiu fechar uma delação, assim como o empresário Eike Batista, do grupo EBX.

Delações problemáticas

Veja cinco questões abertas, desde 2014, em colaborações premiadas da Lava Jato

9.mai.2016 - O senador Delcídio do Amaral (sem partido-MS) comparece à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado - Beto Barata/Agência Senado - Beto Barata/Agência Senado
9.mai.2016 - O senador Delcídio do Amaral comparece à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado
Imagem: Beto Barata/Agência Senado
Delcídio Amaral

Quem é: ex-senador pelo PT
Data do acordo: início de 2016, com a PGR
O que ele faz hoje: Delcídio se tornou pecuarista e vive no Mato Grosso do Sul.
Problemas:
Delcídio foi preso sob acusação de tentar comprar o silêncio do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró. Ao fechar acordo de colaboração, disse que fez isso a pedido do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. No processo, a Justiça absolveu Lula. O MP ainda pediu a condenação do ex-senador, mas o juiz preferiu absolvê-lo também. Delcídio ainda acusou Dilma Rousseff de nomear o ministro do STJ Marcelo Navarro Dantas com o compromisso de que ele soltasse presos da Lava Jato. O inquérito foi arquivado. Nos termos da colaboração, o MPF escreveu que "nem é preciso submeter" a agenda do senador a uma perícia para se verificar se ela era autêntica.
O que ele diz:
Delcídio disse ao UOL que tudo o que disse será comprovado por outras pessoas. "Eu não errei uma", garantiu. "Eu não era operador. Eu não tinha cópia de depósito. Eu sabia como as engrenagens funcionavam, e eu sempre fui claro: O que eu estou dizendo vai ser comprovado por terceiros."

15.dez.2016 -- O empreiteiro Marcelo Odebrecht durante depoimento à CPI da Petrobras, em setembro de 2015 - Giuliano Gomes/Folhapress - Giuliano Gomes/Folhapress
15.dez.2016 -- O empreiteiro Marcelo Odebrecht durante depoimento à CPI da Petrobras, em setembro de 2015
Imagem: Giuliano Gomes/Folhapress
Grupo Odebrecht
Quem é: maior empreiteira do Brasil, com 77 executivos participantes do acordo, a maior colaboração premiada do mundo.
Data do acordo: dezembro de 2016, com a PGR e autoridades dos EUA e da Suíça
O que eles fazem hoje: Emílio Odebrecht ainda não começou a cumprir pena de prisão domiciliar. Vive entre São Paulo e Salvador e trata da transição no comando da empresa. Seu filho, Marcelo Odebrecht, cumpre prisão domiciliar num condomínio de luxo em São Paulo. Os dois estão fora do comando da empresa.
Problemas:
Desde 2017, uma série de investigações aberta a partir da megacolaboração foi parar no lixo. Vinte e duas foram arquivadas. Nestas, pelo menos 13 tinham falta de provas. Outras 27 investigações foram para a primeira instância, a maior parte para julgar casos eleitorais. O MP e o Judiciário arquivaram casos relacionados, por exemplo, ao ex-ministro Blairo Maggi (PR), ao senador Eduardo Braga (MDB-AM), e aos ex-senadores Marta Suplicy (MDB-SP) e Ricardo Ferraço (MDB-ES). Entre os problemas, estão falta de perícias nos sistemas de controle de propina da Odebrecht em três casos analisados pelo STF. Cada um dos 77 delatores da empreiteira recebeu R$ 15 milhões da empresa para participar do acordo, segundo o jornal Valor Econômico.
O que a empresa diz:
"O acordo da Odebrecht é o mais bem construído e o mais sério de toda a Operação Lava Jato e o que mais elementos trouxe para a elucidação da corrupção no Brasil", diz o advogado Theo Dias, que coordenou o pacto com o Ministério Público e que defende o patriarca da família, Emílio Odebrecht. Segundo ele, por causa do volume de informações, é normal que alguns inquéritos não tenham virado condenações. E, além disso, entende que a responsabilidade dos colaboradores vai até um ponto, quando começam a dos investigadores."

Sérgio Machado, ex-presidente da Transpetro - Renato Mello/Transpetro - Renato Mello/Transpetro
Sérgio Machado, ex-presidente da Transpetro
Imagem: Renato Mello/Transpetro
Sérgio Machado
Quem é: ex-senador do MDB e ex-presidente da Transpetro
O que ele faz hoje: Machado vive em Fortaleza (CE) e se dedica a escrever uma autobiografia. Não está mais em prisão domiciliar.
Data do acordo: início de 2016, com a PGR
Problemas:
Sérgio Machado gravou os então senadores Renan Calheiros e Romero Jucá, além do ex-presidente José Sarney, todos do MDB. Nas conversas, Jucá fala em pacto para frear a Lava Jato. O MP pediu a prisão dos políticos, mas o STF negou. Depois, a mesma Procuradoria pediu o arquivamento dos casos alegando que os áudios vazaram.
O que ele diz:
O advogado de Sérgio Machado, Antônio Sérgio Pitombo, afirma que a colaboração foi efetiva. Foram abertas sete ações penais e 11 inquéritos, dos quais quatro no STF. A 59ª fase da Lava Jato baseou-se na delação do ex-chefão da Transpetro e, por causa dela, houve denúncia contra ex-executivos do Grupo Estre. "Em breve, você verá que levará aos políticos que recebiam a propina repassada por essa empresa", contou Pitombo.

O doleiro Alberto Youssef - Alan Marques-26.out.2015/Folhapress - Alan Marques-26.out.2015/Folhapress
26.out.2015 - O doleiro Alberto Youssef, ligado a Antônio Pieruccini
Imagem: Alan Marques-26.out.2015/Folhapress
Antônio Pieruccini
Quem é: advogado ligado ao doleiro Alberto Youssef
O que ele faz hoje: Pieruccini era advogado em Curitiba, mas agora deixou a profissão
Data do acordo: 2015, com o MPF
Problemas:
Pieruccini só fechou acordo depois que Youssef e o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa não se entendiam sobre suposto repasse de R$ 1 milhão para a campanha da deputada Gleisi Hoffman (PT-PR) e seu marido, o ex-ministro Paulo Bernardo. Ele confessou ter feito quatro entregas de dinheiro a um arrecadador de campanha da petista, mas Pieruccini sequer foi denunciado. Ao final, o STF absolveu Gleisi, Bernardo e o arrecadador de qualquer crime. A advogada Verônica Sterman diz que o delator "inventou" uma versão para ser encaixada na tese da Procuradoria.
O que ele diz:
O advogado de Pieruccini, Rodolfo Herold Martins, diz que cabe a policiais, promotores e juízes darem seguimento ao que o delator diz. "As obrigações do colaborador são: dizer a verdade e cumprir seu acordo, pagar multa...", destacou. "Pieruccini apresentou o que ele sabe, e os documentos. Não existe "êxito" de condenação." Martins não quis comentar as declarações da defesa de Paulo Bernardo.

9.jun.2015 - O lobista Júlio Faerman (ao centro), ex-representante da SBM Offshore, empresa holandesa que admitiu ter pago propina a funcionários da estatal brasileira em troca de contratos de aluguel de plataformas de petróleo, comparece a CPI da Petrobras, na Câmara dos Deputados. Faerman obteve autorização do STF (Supremo Tribunal Federal) para permanecer calado na comissão - Zeca Ribeiro/Agência Câmara - Zeca Ribeiro/Agência Câmara
9.jun.2015 - O lobista Júlio Faerman (ao centro), ex-representante da SBM Offshore
Imagem: Zeca Ribeiro/Agência Câmara
Júlio Faerman
Quem é: ex-lobista da fabricante de navios SBM Offshore
O que ele faz hoje: Aos 81 anos, Faerman está solto. Mora no Rio de Janeiro. Uma vez por mês, apresenta-se à Justiça, como parte de seu acordo.
Data do acordo: Junho de 2015, com o MPF do Rio
Problemas:
Faerman vendia navios para a Petrobras, representando a SBM. Em seus depoimentos, disse ter pago propinas para obter os contratos. Ele afirmou ainda ter repassado US$ 300 mil para a campanha de Dilma Rousseff (PT) em 2010, por meio de pagamentos no exterior para os ex-dirigentes da estatal Pedro Barusco e Renato Duque. No entanto, o juiz Vitor Valpuesta, da 4ª Vara Federal do Rio, avaliou que Faerman praticou "manipulação" e, em vez de lhe conceder redução de pena, condenou-o a 28 anos de cadeia. "Buscou construir suas narrativas cuidadosamente com vistas a minimizar sua responsabilização, intentando obstar a formação de convicção judicial quanto a específicas circunstâncias necessárias à tipicidade de suas condutas", avaliou o magistrado. "Pior: abusou do instituto em questão [delação], pois que veiculou alegações falsas."
O que ele diz:
O advogado de Faerman, Antônio Sérgio Pitombo, recorreu ao Tribunal Regional Federal da 2ª Região. "O juiz errou na fixação da pena. A sentença tem um erro de interpretação. O tribunal vai corrigir."

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