Topo

Transparência: decisão do STF contra revista é censura "inquisitorial"

21.jun.2017 - O ministro Alexandre de Moraes - Fátima Meira/Futura Press/Estadão Conteúdo
21.jun.2017 - O ministro Alexandre de Moraes Imagem: Fátima Meira/Futura Press/Estadão Conteúdo

Felipe Amorim

Do UOL, em Brasília

15/04/2019 19h36

A organização Transparência Internacional classificou como um episódio de censura "intolerável" e de "persecução inquisitorial" a decisão do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes de determinar a retirada da internet de uma reportagem da revista Crusoé sobre uma menção ao presidente da corte, Dias Toffoli, feita em um e-mail do empresário e delator Marcelo Odebrecht.

A decisão de Moraes é de sexta-feira (12) e foi tomada em um inquérito aberto pelo STF em março para apurar fake news e divulgação de mensagens que atentem contra a honra dos integrantes do tribunal.

A decisão atinge os sites da revista Crusoé e também de O Antagonista, ligado à revista. Eles foram notificados na manhã de hoje.

A multa por descumprimento é de R$ 100 mil por dia. Moraes também determinou que os responsáveis pelos sites prestem depoimento em até 72 horas.

"Medida intolerável"

Na nota pública divulgada hoje, a Transparência Internacional afirma que a decisão do STF fere a liberdade de imprensa, afeta a imagem internacional do Brasil e representa um precedente contra a garantia das liberdades no país.

"A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de exigir, nesta segunda-feira (15/4), a retirada da internet de uma reportagem que trata de um de seus membros fere a liberdade de imprensa e afeta a imagem internacional do Brasil, por atentar contra princípios basilares do Estado Democrático de Direito", diz o texto.

A medida é intolerável e precisa ser repudiada sob o risco de abrir precedente para grave retrocesso no império da lei e defesa de liberdades no país
Transparência Internacional

A organização também lembra a declaração do próprio Toffoli ao anunciar a abertura do inquérito sobre as fake news contra o Supremo, quando o presidente do STF afirmou que "não existe democracia, sem um Judiciário independente e sem uma imprensa livre", disse o ministro na ocasião.

A Transparência Internacional aponta a existência de contradição entre a declaração de Toffoli e a decisão de Moraes.

"A notícia desta segunda-feira contradiz a afirmação acima e confirma os alertas sobre os riscos de arbitrariedades deste inquérito secreto, com objeto e motivações genéricas, e mesclando os papéis de investigadores, acusadores e julgadores", diz a nota organização.

A decisão abre um precedente grave e perigoso, ameaçando jornalistas que ousarem produzir reportagens envolvendo membros da corte de serem alvo de semelhante tratamento: censura e persecução inquisitorial - ambas há muito abolidas por sistema de Direito brasileiro
Transparência Internacional

Inquérito contra ameaças e fake news

O inquérito no STF no qual foi determinada a retirada do ar da reportagem continua em segredo de Justiça, sob a responsabilidade de Alexandre de Moraes.

O STF nunca especificou publicamente quais são os fatos sob investigação. Na portaria que determinou a abertura do inquérito, Toffoli cita como forma de justificar a medida "a existência de notícias fraudulentas (fake news), denunciações caluniosas, ameaças e infrações" que "atingem a honorabilidade do Supremo Tribunal Federal, de seus membros e familiares", diz o documento.

23.out.2009 - Posse do ministro Dias Toffoli no STF em 2009, ao lado do ex-presidente Lula - U.Dettmar - 23.out.2009/SCO/STF  - U.Dettmar - 23.out.2009/SCO/STF
Posse do ministro Dias Toffoli no STF em 2009, ao lado do então presidente Lula
Imagem: U.Dettmar - 23.out.2009/SCO/STF

"Amigo do amigo"

A decisão de Moraes foi tomada após Toffoli pedir que fosse apurada a publicação da reportagem pela revista Crusoé. Segundo a reportagem, Marcelo Odebrecht enviou à Polícia Federal, no âmbito de uma apuração da Lava Jato no Paraná, esclarecimentos sobre menções a tratativas lícitas e ilícitas encontradas em seus e-mails.

Uma das menções, de acordo com o delator, era a Toffoli. Na época do e-mail, julho de 2007, Toffoli não era ministro do STF, mas ministro da AGU (Advocacia-Geral da União), no governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

O e-mail enviado a dois executivos da empreiteira dizia: "Afinal vocês fecharam com o amigo do amigo de meu pai?". Não há no e-mail nenhuma citação a pagamentos.

Segundo a reportagem da Crusoé, Marcelo Odebrecht explicou à Polícia Federal que a expressão "amigo do amigo de meu pai" se referia a Toffoli. De acordo com a revista, a mensagem se referia a tratativas que o então diretor jurídico da empreiteira, Adriano Maia, tinha com a AGU sobre temas envolvendo as hidrelétricas do rio Madeira, em Rondônia.