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Rachadinha, fantasmas e imóveis: o que o MP investiga no caso Queiroz?

O senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) - REUTERS/Sergio Moraes
O senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) Imagem: REUTERS/Sergio Moraes

Igor Mello

Do UOL, no Rio

17/05/2019 04h00Atualizada em 18/12/2019 13h36

Os mandados de busca e apreensão cumpridos nesta quarta-feira (18) em endereços ligados a pessoas do círculo familiar do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e de Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro, é o mais novo capítulo de uma investigação iniciada há mais de um ano e que fora paralisada por liminar do presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Dias Toffoli, revertida pelo plenário da Tribunal no mês passado.

A operação do Ministério Público do Rio atingiu nove parentes de Ana Cristina Siqueira Valle —ex-mulher do presidente e mãe de seu filho mais novo, Jair Renan, e também teve como alvo endereços ligados a Queiroz.

A lista de 86 pessoas e nove empresas que tiveram os sigilos fiscal e bancário quebrados nas investigações do caso Queiroz indica que o MP já avançou em algumas linhas de investigação tendo como alvo principal o senador Flávio Bolsonaro, filho mais velho do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

Em documentos divulgados pela revista "Veja" e pela "TV Globo", o MP afirma já possuir elementos de que Flávio teria comandado em seu gabinete na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio) uma organização criminosa para a prática dos crimes de peculato (desvio de recursos públicos) e lavagem de dinheiro.

"Na presente investigação, pelos elementos de provas colhidos já é possível vislumbrar indícios da existência de uma organização criminosa com alto grau de permanência e estabilidade, formada desde o ano de 2007 por dezenas de integrantes do gabinete do ex-deputado estadual Flávio Nantes Bolsonaro e outros assessores nomeados pelo parlamentar para outros cargos na Alerj", diz trecho do pedido das medidas cautelares feito por promotores do Gaecc (Grupo de Atuação Especializada no Combate à Corrupção) e aceito pelo juiz Flávio Itabaiana, da 27ª Vara Criminal.

Rachadinha: indícios e mapeamento

Com base em relatórios do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), órgão de inteligência financeira do Ministério da Economia, o MP apura a existência de um suposto esquema em que servidores do gabinete de Flávio e de comissões da Alerj sob seu controle teriam a obrigação de devolver parte dos salários, prática conhecida como "rachadinha" nas casas legislativas.

A suspeita surgiu a partir de um relatório do Coaf que identificou movimentações atípicas de R$ 1,2 milhão nas contas de Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio na Alerj entre 2007 e 2018.

O Coaf identificou depósitos de oito assessores e ex-assessores de Flávio na conta de Queiroz. Além disso, a agência do Banco Itaú na Alerj registrou vultuosas operações em dinheiro vivo por parte do policial militar da reserva. No período abrangido pelo relatório, ele fez 36 saques, num total de quase R$ 160 mil.

No mesmo período, a agência localizada no térreo da Alerj registrou depósitos de quase R$ 124,2 mil na conta de Queiroz —parte significativa dessas operações ocorreram em datas próximas aos pagamentos de salários na Alerj. As movimentações foram feitas na boca do caixa e em dinheiro vivo, o que, segundo o Coaf, é um indício de tentativa de ocultar a origem e o destino dos valores.

Outro ponto do relatório que sugere a existência da rachadinha são depósitos fracionados feitos mensalmente na conta de Queiroz oriundos das mesmas agências bancárias. O ex-assessor recebeu R$ 55,5 mil em operações desse tipo, segundo o jornal "O Globo" publicou em dezembro.

Embora formalmente exercesse a função de motorista e segurança do parlamentar, o policial militar da reserva desempenharia, na prática, a função de chefe de gabinete. O PM Agostinho de Moraes da Silva, único servidor do gabinete de Flávio a prestar depoimento ao MP, se referiu a Queiroz nesses termos.

Em seu depoimento ao MP, Agostinho disse que repassava a Queiroz R$ 4.000 por mês. O servidor alegou que os valores eram aplicados por Queiroz em atividades informais, como negociações de veículos, e devolvido com o lucro obtido nas negociações. O relatório do Coaf, porém, registra repasses de apenas R$ 800.

Na primeira entrevista que concedeu após o relatório do Coaf vir a público, Queiroz atribuiu movimentações atípicas em sua conta à compra e venda de carros. "Eu sou um cara de negócios. Eu faço dinheiro. Eu faço, assim, eu compro, revendo, compro, revendo", afirmou ele em dezembro ao "SBT".

Dois meses depois, Queiroz disse por escrito ao MP que gerenciava os pagamentos feitos aos demais servidores do gabinete e que utilizava parte dos valores para a contratação informal de mais pessoas a fim de intensificar a atuação de política de Flávio junto à sua base eleitoral.

A quebra dos sigilos bancário e fiscal de dezenas de ex-funcionários de Flávio na Alerj mostra que o MP quer apurar possíveis coincidências entre as movimentações financeiras deles —como saques em espécie— e os valores que entraram nas contas de Flávio, Queiroz e pessoas da confiança de ambos.

"Fantasmas": falta de crachá e acúmulo de funções

Outra linha de investigação do MP gira em torno da existência de funcionários fantasmas. Uma das funcionárias sob suspeita é Nathalia Melo de Queiroz, filha de Queiroz.

Embora trabalhasse como personal trainer em academias do Rio em horário comercial, ela teve a frequência atestada por Jair Bolsonaro em seu gabinete, onde atou entre 2016 e 2018.

Em 2011, a filha de Queiroz chegou a acumular aulas da faculdade, o emprego fixo como recepcionista e cargo na Alerj, conforme publicou o UOL. Na ocasião, a assessoria de Flávio disse que não havia "qualquer ilegalidade ou irregularidade na atuação da assessora parlamentar Nathalia Queiroz". A filha de Queiroz não foi localizada.

Entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017, Nathalia repassou para o pai R$ 84,1 mil, segundo o relatório do Coaf.

Na defesa escrita que apresentou ao MP, Queiroz justificou as transferências dizendo que, por ser um homem conservador, "insiste em administrar o essencial das finanças do seu núcleo familiar".

Nathalia, assim como Marcia de Oliveira Aguiar, mulher de Queiroz, nunca chegaram a ter crachás da Alerj —documento necessário para funcionários transitarem pelo prédio. O mesmo ocorria com Raimunda Veras Magalhães, mãe do miliciano Adriano Magalhães da Nóbrega, e Luiza Souza Paes. As ex-assessoras de Flávio na Alerj fizeram repasses para a conta de Queiroz, segundo informou a revista "Época" com base no Coaf.

MP vê lucro com imóveis como suspeita de lavagem

O MP aponta que Flávio lucrou cerca de R$ 3 milhões com negociações de imóveis entre 2010 e 2017. No período, Flávio investiu R$ 9 milhões na compra de 19 bens.

Em vários casos, Flávio obteve lucro significativo comprando e vendendo imóveis em curtos períodos de tempo.

O MP aponta que há "suspeitas de subfaturamento nas compras e superfaturamento nas vendas", segundo documento que justificou o pedido de quebras de sigilo revelado pela "TV Globo". A prática teria como ocultar "o enriquecimento ilícito decorrente dos desvios de recursos".

Os investigadores ainda destacam o amplo uso de dinheiro em espécie nas negociações de imóveis. Para averiguar, o MP solicitou a quebra dos sigilos de pessoas e empresas envolvidas nas negociações com Flávio.

Os promotores citam diversos casos onde há suspeitas de irregularidades. Um deles envolve salas do Barra Prime Offices —um centro comercial de alto padrão na Barra da Tijuca, na zona oeste carioca. O UOL detalhou as operações. A MCA Participações, empresa que adquiriu as salas, e seus sócios tiveram os sigilos quebrados. O MP destaca o fato de uma das acionistas da MCA ser uma offshore no Panamá, famoso paraíso fiscal na América Central. A reportagem ainda não conseguiu falar com a empresa.

Outro imóvel alvo de suspeitas é uma sala na avenida Prado Junior, em Copacabana. O senador comprou a sala do norte-americano Charles Anthony Eldering por R$ 140 mil, revendendo-a por R$ 550 mil um ano e três meses depois.

Outro lado

No Twitter, Flávio Bolsonaro defendeu-se das acusações do MP.

"Não são verdadeiras as informações vazadas na revista Veja acerca de meu patrimônio. Continuo sendo vítima de seguidos e constantes vazamentos de informações contidas em processo que está em segredo de justiça. Os valores informados são absolutamente falsos e não chegam nem perto dos valores reais. Sempre declarei todo meu patrimônio à Receita Federal e tudo é compatível com a minha renda. Tenho meu passado limpo e jamais cometi qualquer irregularidade em minha vida. Tudo será provado em momento oportuno dentro do processo legal. Apenas lamento que algumas autoridades do Rio de Janeiro continuem a vazar ilegalmente à imprensa informações sigilosas, querendo conduzir o tema publicamente pelos meios de comunicação e não dentro dos autos", escreveu.

Responsável pela defesa de Queiroz, o advogado Paulo Klein criticou a quebra de sigilo de seu cliente em maio passado —antes da suspensão da investigação pela liminar do STF.

"A decisão [de quebra dos sigilos bancários] é ilegal, pois é lançada em direção a todos os investigados de forma genérica. Entendo que há a necessidade de um afastamento e isolamento de todos os investigados. Com o pedido de afastamento do sigilo bancário, ficou claro que o Flávio Bolsonaro sempre foi investigado pelo MP-RJ [Ministério Público do Rio de Janeiro] sem a devida autorização do TJ-RJ. O MP sempre negou isto e está provada agora mais uma ilegalidade", disse Klein.

Justiça quebra sigilo de Flávio e Queiroz

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