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Vazamentos da Lava Jato

Fux, Celso Daniel e EUA: novas mensagens para Moro ampliam leque e dúvidas

Alex Tajra, Marcela Leite e Luciana Quierati*

Do UOL, em São Paulo

13/06/2019 04h01Atualizada em 10/09/2019 17h22

Novas conversas divulgadas ontem pelo site The Intercept Brasil ampliam o raio da crise --até então centrada no ministro da Justiça, Sergio Moro, e no coordenador da força-tarefa da Operação Lava Jato Deltan Dallagnol-- e expandem o leque de dúvidas a responder.

As mensagens passam a mencionar Luiz Fux, ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), detalham pedido a Moro para ajudar no caso Celso Daniel (prefeito petista de Santo André assassinado em 2002) e falam em "articulação com os americanos".

O Intercept também anunciou que investiga outras duas frases: "Tremenda bolas nas costas da PF" e "Não pode cometer esse tipo de erro agora", mas não deu detalhes.

O site não informa como obteve as mensagens, que teriam sido enviadas e recebidas pelo aplicativo Telegram --similar ao Whatsapp. Moro e Dallagnol não questionaram a veracidade das conversas em um primeiro momento, mas a legalidade delas. Ontem, a Lava Jato disse que hackers podem ter forjado ou adulterado conversas.

Ao UOL, o Ministério da Justiça disse que são "supostas mensagens, que foram obtidas de forma criminosa". A pasta ressalta que a PF abriu investigação para apurar o caso. Quando as primeiras mensagens foram divulgadas, o ministro e o procurador disseram que não havia "anormalidade" nas conversas.

Diante dos novos trechos divulgados, algumas dúvidas surgem:

  • Por que Moro disse confiar em Fux?
  • Por que o MP-SP (Ministério Público Estadual de São Paulo) não teria atendido Mara Gabrilli sobre pedidos de investigação do Caso Celso Daniel (PT), prefeito de Santo André?
  • Por que Moro, a quem caberia apenas julgar, encaminha pedido de Mara a Dallagnol?
  • Por que Dallagnol cita "articulação com americanos" ao tratar de um advogado que estava na Espanha?

Leia alguns dos trechos em questão.

Conversa com Fux

Em entrevista na BandNews FM a Reinaldo Azevedo, também blogueiro do UOL, o editor-executivo do Intercept, Leandro Demori, apresentou mensagens que diz ser de Deltan a um grupo de procuradores e depois enviadas a Moro, que responde.

13:04:13 Deltan Dallagnol - Caros, conversei com o FUX mais uma vez, hoje.

13:04:13 Deltan Dallagnol - Reservado, é claro: O Min Fux disse que quase espontaneamente que Teori fez queda de braço com Moro e viu que se queimou, e que o tom da resposta do Moro depois foi ótimo. Disse para contarmos com ele para o que precisarmos, mais uma vez. Só faltou, como bom carioca, chamar-me para ir à casa dele rs. Mas os sinais foram ótimos. Falei da importância de nos protegermos como instituições.

13:04:13 Deltan Dallagnol Em especial no novo governo.

13:06:55 Moro - Excelente. In Fux we trust. [em português, significa: Em Fux, nós confiamos]

A conversa teria ocorrido em 22 de abril de 2016, um mês depois de Teori Zavascki, ministro do STF morto em 2017 em acidente de avião, repreender Moro por divulgar conversa telefônica entre a então presidente Dilma Rousseff (PT) e Lula.

Fux ainda não se manifestou a respeito da conversa.

Vazamentos revelam que Moro orientava investigações da Lava Jato

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Caso Celso Daniel

O Intercept também transcreveu uma mensagem que teria sido enviada por Mara Gabrilli (PSDB), na época deputada federal e hoje senadora, a Moro, que teria repassado o pedido a Dallagnol:

"Eu tô com muito medo que aconteça alguma coisa com [o publicitário] Marcos Valério e nunca iremos desvendar esse mistério. Ontem, ele me procurou pedindo que conversasse com o Rodrigo Janot para reenviar os procuradores do MPF. Me ajuda, o que faço?"
Mensagem atribuída a Gabrilli, em 13 de março de 2017, enviada a Moro e repassada a Dallagnol

O prefeito de Santo André, Celso Daniel, morto em 2002 - Patrícia Santos - 27.nov.2001/Folhapres - Patrícia Santos - 27.nov.2001/Folhapres
O prefeito de Santo André, Celso Daniel, morto em 2002
Imagem: Patrícia Santos - 27.nov.2001/Folhapres

Na sequência, Dallagnol responde que havia falado 'com Diogo, que checará' —provavelmente em referência ao procurador Diogo Castor de Mattos, que deixou a Lava Jato em abril de 2019.

Ao pedir ajuda a Moro, Mara Gabrilli, segundo a mensagem transcrita pelo Intercept, disse que sentia "uma resistência muito grande aqui em SP para solucionar o caso". Na ocasião, ela relatou diálogo com Valério, que teria relatado "que os promotores [do MP-SP] não estavam interessados nesse assunto".

Um ano antes, em 2016, a Lava Jato abriu sua 27ª operação, batizada de "Carbono 14" --por tratar de fatos antigos-- para investigar o assassinato do prefeito Celso Daniel (PT).

Em nota, o MP-SP disse que "vários promotores" estiveram em Minas para apurar a morte de Daniel. "Em 19 de abril de 2017, Valério foi ouvido no Presídio de Contagem por dois promotores. Nos dias 17 e 18 de outubro do ano passado, a oitiva de Valério em uma delegacia de Belo Horizonte foi mais uma vez acompanhada por um promotor de Justiça, no âmbito" da mesma investigação. "Os fatos atestam, portanto, que o MPSP dedicou toda a atenção ao caso, levando a cabo uma investigação eminentemente técnica e profissional, como é de sua tradição".

A senadora Mara Gabrilli está nos Estados Unidos esta semana e ainda não se pronunciou.

"Articulação com os americanos"

O Intercept também divulgou o que seria resposta de Deltan à suposta pergunta de Moro "Não é muito tempo sem operação?", em 31 de agosto de 2016

O procurador da Lava Jato, segundo as mensagens transcritas, escreve:

É sim. O problema é que as operações estão com as mesmas pessoas que estão com a denúncia do Lula. Decidimos postergar tudo até sair essa denúncia, menos a op do taccla pelo risco de evasão, mas ela depende de Articulacao com os americanos.
Mensagem atribuída a Deltan, às 20h05min32 de 31 de agosto de 2016 a Moro

O Intercept diz que "tacla" é o ex-advogado da Odebrecht Rodrigo Tacla Durán.

Ele foi para a Espanha, onde também tem cidadania, e afirmou à Justiça daquele país ter emprestado contas bancárias no país para movimentar recursos ilegais da construtora. Mas não está claro por que Deltan cita os Estados Unidos.

Os fatos em questão já foram esclarecidos no país europeu e o processo foi arquivado.

Sobre as conversas, a Lava Jato mantém o posicionamento de que elas não mostram "ilegalidade".

"Você é o cara"

As mensagens atribuídas a Dallagnol também mostram o procurador fazendo vários elogios a Moro. A Constituição diz que a "independência funcional" é um princípio institucional do Ministério Público.

Em 13 de março de 2016, Deltan teria enviado esta mensagem a Moro:

Deltan 23:14:53 Preciso que Vc assuma mais as 10 medidas ou outras mudanças em que acredite também, se entender que isso não trará problemas sérios. A sociedade quer mudanças, quer um novo caminho, e espera líderes sérios e reconhecidos que apontem o caminho. Você é o cara. Não é por nós nem pelo caso (embora afete diretamente os resultados do caso), mas pela sociedade e pelo futuro do país.

As "10 medidas" a que Deltan se refere são um pacote defendido pela Lava Jato e por Moro que prevê, entre outras coisas, o uso de provas obtidas de maneira ilegal - como a escuta de telefones ou a invasão eletrônica de mensagens de celular, da qual Moro e Dallagnol podem ter sido agora alvos.

*Colaborou Nathan Lopes, do UOL, em São Paulo

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