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Operação Lava Jato

Anular meus processos com Moro não anula a Lava Jato, diz Lula em carta

Marlene Bergamo - 26.abr.2019/Folhapress
Imagem: Marlene Bergamo - 26.abr.2019/Folhapress

Nathan Lopes

Do UOL, em São Paulo

24/06/2019 13h21Atualizada em 24/06/2019 15h40

Em carta divulgada em seu site oficial, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) disse que a invalidação de seus processos não anula a Operação Lava Jato. Amanhã, a Segunda Turma do STF (Supremo Tribunal Federal) pode analisar um recurso da defesa do petista em que acusa o ex-juiz federal Sergio Moro de suspeição. O julgamento, que poderia libertar o ex-presidente, deve ser adiado, segundo o jornal Folha de S.Paulo. Na carta, o ex-presidente também indicou que não quer o adiamento da análise do recurso. A defesa já pediu ao STF que o julgamento seja mantido.

"Alguns dizem que, ao anular meu processo, estarão anulando todas as decisões da Lava Jato, o que é uma grande mentira, pois, na Justiça, cada caso é um caso", escreveu Lula na mensagem enviada hoje ao ex-chanceler Celso Amorim.

No texto, Lula pontua que o recurso foi apresentado em novembro do ano passado, quando Moro deixou a magistratura para aceitar o convite do presidente Jair Bolsonaro (PSL) para ser ministro da Justiça. Moro condenou Lula no processo do tríplex, que levou o petista à prisão em abril do ano passado.

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Para Lula, o fato de o ex-juiz ter aceitado o convite e de ter divulgado um depoimento do ex-ministro Antonio Palocci às vésperas da eleição do ano passado mostram que o que "Moro queria era prejudicar nosso candidato e ajudar o dele".

"Se alguém ainda tinha dúvida sobre de que lado o juiz sempre esteve e qual era o motivo de me perseguir, a dúvida acabou quando ele aceitou ser ministro da Justiça do Bolsonaro. E toda a verdade ficou clara: fui acusado, julgado e condenado sem provas para não disputar as eleições. Essa era única forma do candidato dele vencer", argumentou.

Lula foi enquadrado na Lei da Ficha Limpa quando a segunda instância confirmou, em janeiro de 2018, a condenação no processo do tríplex, o que tirou o petista da disputa eleitoral. Ele foi substituído, no limite do prazo, pelo ex-prefeito paulistano Fernando Haddad (PT).

Adiamento

O ex-presidente diz que seus advogados recorreram ao STF para que ele "tenha, finalmente, um processo e um julgamento justos, o que nunca tive nas mãos de Sergio Moro". "Muita gente poderosa, no Brasil e até de outros países, quer impedir essa decisão, ou continuar adiando, o que dá no mesmo para quem está preso injustamente", escreveu.

Lula diz que acorda todos os dias pensando que está "mais perto da libertação". Ele também relembrou um dos motes de seu governo, dizendo que um "brasileiro não desiste nunca" ao falar sobre o desemprego no país. "É difícil manter a esperança numa situação como essa, mas o brasileiro não desiste nunca, não é verdade? Não perco a fé no nosso povo, o que me ajuda a não fraquejar na prisão injusta em que estou faz mais de um ano".

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Leia a íntegra da carta do ex-presidente:

"Querido amigo,

A cada dia fico mais preocupado com o que está acontecendo em nosso Brasil. As notícias que recebo são de desemprego, crise nas escolas e hospitais, a redução e até mesmo o fim dos programas que ajudam o povo, a volta da fome. Sei que estão entregando as riquezas do país aos estrangeiros, destruindo ou privatizando o que nossa gente construiu com tanto sacrifício. Traindo a soberania nacional.

É difícil manter a esperança numa situação como essa, mas o brasileiro não desiste nunca, não é verdade? Não perco a fé no nosso povo, o que me ajuda a não fraquejar na prisão injusta em que estou faz mais de um ano. Você deve se lembrar que no dia 7 de abril de 2018, ao me despedir dos companheiros em São Bernardo, falei que estava cumprindo a decisão do juiz, mas certo de que minha inocência ainda seria reconhecida. E que seria anulada a farsa montada para me prender sem ter cometido crime. Continuo acreditando.

Todos os dias acordo pensando que estou mais perto da libertação, porque o meu caso não tem mistério. É só ler as provas que os advogados reuniram: que o tal tríplex nunca foi meu, nem de fato nem de direito, e que nem na construção nem a reforma entrou dinheiro de contratos com a Petrobrás. São fatos que o próprio Sergio Moro reconheceu quando teve de responder o recurso da defesa.

É só analisar o processo com imparcialidade para ver que o Moro estava decidido a me condenar antes mesmo de receber a denúncia dos procuradores. Ele mandou invadir minha casa e me levar à força pra depor sem nunca ter me intimado. Mandou grampear meus telefonemas, da minha mulher, meus filhos e até dos meus advogados, o que é gravíssimo numa democracia. Dirigia os interrogatórios, como se fosse o meu acusador, e não deixava a defesa fazer perguntas. Era um juiz que tinha lado, o lado da acusação.

A denúncia contra mim era tão falsa e inconsistente que, para me condenar, o Moro mudou as acusações feitas pelos promotores. Me acusaram de ter recebido um imóvel em troca de favor mas, como viram que não era meu, ele me condenou dizendo que foi "atribuído" a mim. Me acusaram de ter feito atos para beneficiar uma empresa. Mas nunca houve ato nenhum e aí ele me condenou por "atos indeterminados". Isso não existe na lei nem no direito, só na cabeça de quem queria condenar de qualquer jeito.

A parcialidade dele se confirmou até pelo que fez depois de me condenar e prender. Em julho do ano passado, quando um desembargador do TRF-4 mandou me soltar, o Moro interrompeu as férias para acionar outro desembargador, amigo dele, que anulou a decisão. Em setembro, ele fez de tudo para proibir que eu desse uma entrevista. Pensei que fosse pura mesquinharia, mas entendi a razão quando ele divulgou, na véspera da eleição, um depoimento do Palocci que de tão falso nem serviu para o processo. O que o Moro queria era prejudicar nosso candidato e ajudar o dele.

Se alguém ainda tinha dúvida sobre de que lado o juiz sempre esteve e qual era o motivo de me perseguir, a dúvida acabou quando ele aceitou ser ministro da Justiça do Bolsonaro. E toda a verdade ficou clara: fui acusado, julgado e condenado sem provas para não disputar as eleições. Essa era única forma do candidato dele vencer.

A Constituição e a lei determinam que um processo é nulo se o juiz não for imparcial e independente. Se o juiz tem interesse pessoal ou político num caso, se tem amizade ou inimizade com a pessoa a ser julgada, ele tem de se declarar suspeito e impedido. É o que fazem os magistrados honestos, de caráter. Mas o Moro, não. Ele sempre recusou se declarar impedido no meu caso, apesar de todas as evidências de que era meu inimigo político.

Meus advogados recorreram ao Supremo Tribunal Federal, para que eu tenha finalmente um processo e um julgamento justos, o que nunca tive nas mãos de Sergio Moro. Muita gente poderosa, no Brasil e até de outros países, quer impedir essa decisão, ou continuar adiando, o que dá no mesmo para quem está preso injustamente.

Alguns dizem que ao anular meu processo estarão anulando todas as decisões da Lava Jato, o que é uma grande mentira pois na Justiça cada caso é um caso. Também tentam confundir, dizendo que meu caso só poderia ser julgado depois de uma investigação sobre as mensagens entre Moro e os procuradores que estão sendo reveladas nos últimos dias. Acontece que nós entramos com a ação em novembro do ano passado, muito antes dos jornalistas do Intercept divulgarem essas notícias. Já apresentamos provas suficientes de que o juiz é suspeito e não foi imparcial.

Tudo que espero, caro amigo, é que a justiça finalmente seja feita. Tudo o que quero é ter direito a um julgamento justo, por um juiz imparcial, para poder demonstrar com fatos que sou inocente de tudo o que me acusaram. Quero ser julgado dentro do processo legal, com base em provas, e não em convicções. Quero ser julgado pelas leis do meu país, e não pelas manchetes dos jornais.

A pergunta que faço todos os dias aqui onde estou é uma só: por que tanto medo da verdade? A resposta não interessa apenas a mim, mas a todos que esperam por Justiça.

Quero me despedir dizendo até breve, meu amigo. Até o dia da verdade libertadora. Um grande abraço do

Lula

Curitiba, 24 de junho de 2019?

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