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Bolsonaro indicar filho como embaixador nos EUA é nepotismo?

Eduardo Bolsonaro participa do encontro entre seu pai, Jair Bolsonaro, e o presidente dos EUA, Donald Trump - Isac Nóbrega/PR
Eduardo Bolsonaro participa do encontro entre seu pai, Jair Bolsonaro, e o presidente dos EUA, Donald Trump Imagem: Isac Nóbrega/PR

Talita Marchao

Do UOL, em São Paulo

11/07/2019 20h39Atualizada em 11/07/2019 21h38

A legislação brasileira permite que o presidente Jair Bolsonaro (PSL) indique um dos filhos, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), como embaixador brasileiro nos EUA. O presidente afirmou hoje que já decidiu nomeá-lo ao posto em Washington e que cabe a Eduardo decidir se aceita ou não.

Já o deputado afirmou não ver nepotismo e que, caso tenha o apoio do chanceler Ernesto Araújo para assumir o cargo, vai "dar um passo para concretizar o que hoje é uma possibilidade". Na live de Bolsonaro, feita hoje à noite, Araújo falou que considerou um "excelente nome".

A Constituição afirma que qualquer brasileiro pode ser indicado para um cargo de embaixador, sem precisar pertencer ao quadro diplomático do Itamaraty. Além disso, por ser uma indicação direta do presidente para um cargo político, não se enquadra na lei de nepotismo.

Para ser embaixador, basta que o brasileiro tenha mais de 35 anos --e Eduardo, aluno do escritor Olavo de Carvalho, completou 35 anos ontem.

"O presidente pode indicar pessoas de fora da carreira diplomática para o cargo de embaixador. Isso é raro no Brasil, mas acontece com frequência nos EUA e em outros países", explica Maurício Santoro, professor de relações internacionais da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro). "Contudo, a Constituição estabelece que a administração pública tem que ser impessoal, o que poderia levar à contestação da nomeação do filho do presidente para um cargo oficial", diz o especialista.

A advogada constitucionalista Vera Chemim afirma que, pelo fato de o cargo de embaixador ser considerado um posto de natureza política, de livre nomeação e exoneração, a indicação não seria enquadrada na lei de nepotismo, já que não se trata de um cargo administrativo.

Isso apesar da definição da Súmula Vinculante 13, estabelecida pelo STF (Supremo Tribunal Federal), que caracteriza como nepotismo a nomeação de "parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal".

Marcellus Ferreira Pinto, advogado especialista em direito constitucional e eleitoral, concorda que a indicação de Eduardo não seria enquadrada na lei de nepotismo. Ela, contudo, violaria outro artigo da Constituição, que cita "legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência". "Não é nepotismo, mas não seria recomendável que ele aceitasse o cargo. Por ser filho do presidente e indicado para a embaixada mais importante na política externa brasileira neste momento, violaria o princípio da impessoalidade", diz o advogado. Ele lembra que o cargo de embaixador, por si só, já tem uma densidade na sua responsabilidade.

Em entrevista à Folha, Marco Aurélio de Mello, ministro do Supremo, disse ver nepotismo. "Essa é a minha leitura da Constituição Federal. Minha impressão [sobre a possível indicação] é péssima, só pode ser péssima, porque contrária a indicação, se houver, sob a minha ótica, à Constituição Federal", afirmou. O ministro destacou, entretanto, que a maioria dos integrantes do STF tem entendido não ser caso de nepotismo em situações assim.

Eduardo Bolsonaro é presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados e acompanha o pai em quase todas as viagens internacionais --sua atuação é vista nos bastidores como uma espécie de chanceler paralelo. Eduardo foi elogiado pelo presidente dos EUA, Donald Trump, durante o encontro do pai na Casa Branca. Ele, inclusive, foi convidado para participar do encontro fechado no Salão Oval, enquanto o ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo, ficou de fora da conversa privada.

"É amigo dos filhos do Donald Trump"

Eduardo é advogado e escrivão da Polícia Federal. Bolsonaro afirmou que o filho seria apto para o cargo de embaixador, mesmo sem nunca ter seguido a carreira diplomática, porque é "amigo dos filhos do Donald Trump, fala inglês e espanhol, tem uma vivência muito grande do mundo". "Poderia ser uma pessoa adequada e daria conta do recado perfeitamente."

Caso seja oficialmente indicado para o posto, Eduardo ainda precisaria passar por uma sabatina no Senado, que precisa aprovar o seu nome para chefiar a missão diplomática brasileira em Washington.

Representantes da oposição na Comissão de Relações Exteriores do Senado já afirmaram que veem nepotismo na indicação e pretendem ingressar com uma ação no STF se o deputado for realmente nomeado.

O governo Bolsonaro teve início em 1º de janeiro de 2019, com a posse do presidente Jair Bolsonaro (então no PSL) e de seu vice-presidente, o general Hamilton Mourão (PRTB). Ao longo de seu mandato, Bolsonaro saiu do PSL e ficou sem partido até filiar ao PL para disputar a eleição de 2022, quando foi derrotado em sua tentativa de reeleição.